Por seis anos e sete meses, familiares e amigos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes viveram em luto. Hoje, 31 de outubro, pela primeira vez, esse lamento se transformou em alívio ao ouvirem a sentença proferida pelo 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro. Os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram condenados pelos assassinatos ocorridos em 14 de março de 2018.
Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, confessos do crime, foram sentenciados nesta quinta-feira (31) pelo 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro. Lessa recebeu uma pena de 78 anos, 9 meses e 30 dias, enquanto Élcio foi condenado a 59 anos, 8 meses e 10 dias.
Anielle Franco, irmã de Marielle e atual ministra da Paridade Racial, expressou o significado desse longo caminho de luta pela identificação e punição dos responsáveis pelos assassinatos.
“Não vamos parar aqui. Em 2018, prometi honrar o sangue e a memória da minha irmã. Hoje, isso foi um grito que estava guardado em nossas gargantas. Uma dor acumulada no coração de cada homem e mulher presente. Continuaremos a lutar, não apenas por Marielle e Anderson, mas por um projeto em que acreditamos”, afirmou a ministra.
“O maior legado de Marielle para o país é a prova de que mulheres, pessoas negras e da favela, quando ocupam seus espaços, merecem viver. Quando assassinaram minha irmã com quatro tiros na cabeça, não imaginavam a força com que este país se levantaria”, acrescentou.
Depoimentos de arrependimento
A viúva de Anderson, Ághata Arnaus, agradeceu a todos que lutaram pela condenação dos assassinos, mas afirmou que não se deixa tocar pelos pedidos de perdão de Ronnie e Élcio.
“Ouvi um pedido de perdão de alguém que claramente não sente remorso. Ele diz isso para aliviar a própria consciência. O perdão deve vir de Deus ou de quem quer que ele acredite. Eu não perdoo. Nunca. Tenho paz na minha vida, mas não preciso perdoar”, declarou Ághata. “Cinquenta, setenta anos é pouco. Que eles fiquem presos para sempre. Anderson e Marielle morreram, e isso é para sempre também”, completou.
Mônica Benicio, vereadora e viúva de Marielle, comentou sobre o significado das sentenças para a sociedade brasileira.
“Marielle foi assassinada por aquilo que defendia, pela luta em prol da democracia. Não existe justiça que possa trazê-los de volta. Mas isso marca um passo importante para que crimes como esse não se repitam. É um recado para aqueles que, como Lessa, ainda estão em liberdade, para que não se sintam impunes”, disse Mônica.
Marine Silva e Luyara Santos, mãe e filha de Marielle, respectivamente, ressaltaram a persistência da família em busca de justiça.
“Não sou a única mãe que deseja isso, mas o Brasil, o Rio de Janeiro e a sociedade como um todo esperavam por essa decisão. Foram seis anos, sete meses e 17 dias de luta. Nunca perdemos a fé de que isso aconteceria. E os criminosos devem ser responsabilizados”, afirmou Marinete.
“Nossa coragem nos trouxe até aqui. É um dia muito difícil, pois tenho certeza de que nenhum de nós gostaria de estar aqui hoje. A Ághata queria o Anderson aqui. Eu queria minha mãe. Mas hoje entra para a história e para a democracia do nosso país. Este é apenas o primeiro passo por eles. Continuaremos a lutar”, disse Luyara.
O pai de Marielle, Antônio Francisco, expressou que este dia foi aguardado pela família, mas enfatizou que ainda espera pela condenação dos mandantes do crime.
“Isso não termina aqui, porque existem os mandantes. Agora, a pergunta é: quando eles serão condenados? O choro deles nas audiências não é sincero. O nosso choro é verdadeiro, pois perdemos nossas vidas amadas. A Ághata perdeu Anderson e Mônica perdeu Marielle. O nosso luto é genuíno. Nos deles, não confio e nunca confiarei”.
Próximos passos
Os supostos mandantes dos crimes são os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, que ocupam cargos no Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e na Câmara dos Deputados, respectivamente.
O procurador Rivaldo Barbosa, chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro na época do crime, é acusado de comprometer as investigações. Todos estão detidos desde 24 de março deste ano.
Em relação às penas, há um processo paralelo no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo os irmãos Brazão e o procurador Rivaldo Barbosa. Também são réus no caso o ex-policial militar Robson Calixto, que teria ajudado a ocultar a arma do crime, e o major Ronald Paulo Alves Pereira, responsável por monitorar a rotina de Marielle.
Investigações apontam que a motivação do assassinato de Marielle Franco está relacionada a questões de território e milícias. Havia conflitos entre Marielle e o grupo político do então vereador Chiquinho Brazão sobre o Projeto de Lei (PL) 174/2016, que visava formalizar um condomínio na Zona Oeste do Rio de Janeiro.