Artesanato Indígena Guajajara: Empreendedorismo Feminino Sustentável

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Artesanato Indígena como empreendedorismo feminino no Maranhão: ancestralidade, sustentabilidade e empoderamento

Mulheres Guajajara transformam saberes tradicionais em fonte de renda, fortalecem a cultura do povo e conquistam espaço no mercado com respeito ao meio ambiente.

Desde 2022, o artesanato indígena maranhense é reconhecido por lei como patrimônio cultural de relevante interesse para o estado. Dados do Sebrae indicam que 44,1% dos consumidores de artesanato são moradores do próprio município, seguidos por turistas de outros estados (21,3%) e estrangeiros (13,4%). Para garantir um comércio responsável, a legislação proíbe a venda de itens com partes de animais, priorizando produtos sustentáveis como sementes, tecidos e cerâmicas. Nesse contexto, ganha destaque a trajetória de Marina Guajajara.

No coração da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, as mãos habilidosas das mulheres Guajajara transformam elementos da floresta em peças que carregam séculos de sabedoria ancestral. Entre elas está Marina Guajajara, da aldeia Ypaw Myz’ym, que, desde a adolescência, aprendeu a tecer não apenas redes e colares, mas também o sustento da família e o futuro da comunidade.

O artesanato entrou na vida de Marina seguindo os passos de sua mãe, num processo natural de transmissão de conhecimento entre gerações. Ela recorda com clareza os primeiros contatos com essa tradição:

> “Quando eu era criança, minha mãe costumava fazer rede e bolsas. Só que, quando eu tinha uns 13 anos, minha mãe começou a pegar encomenda, como peças de colares feitos de semente, e mandar para uma loja em São Luís. Com isso, eu e minha irmã começamos a produzir peças junto com a minha mãe. Quando ela recebia o dinheiro, pagava a nossa mão de obra.”

Esse aprendizado prático e remunerado foi a base para que Marina visse no artesanato não apenas uma herança cultural, mas uma possibilidade real de geração de renda.

BIOECONOMIA INDÍGENA

A bioeconomia indígena representa uma abordagem econômica baseada nos conhecimentos ancestrais e nas práticas tradicionais dos povos originários, especialmente os que habitam regiões florestais como a Amazônia. Mesmo antes da conceituação moderna do termo, os povos indígenas já praticavam uma economia sustentável baseada no uso equilibrado dos recursos da floresta.

Entre as matérias-primas utilizadas pelas artesãs Guajajara, a semente de tiririca se destaca pelo valor cultural e econômico. Marina explica com detalhes o processo de transformação desse material:

“Eu gosto muito de produzir peças que tenham a semente de tiririca. É uma semente que a gente coleta na nossa comunidade, que fica à margem do rio, e são as peças que mais têm saída. É um tipo de capim que corta, e a gente tem todo um processo de colheita e de cozimento para que ela possa amolecer. É um processo bem demorado.”

Planta tiririca (Cyperus rotundus)

A planta tiririca (Cyperus rotundus) é conhecida pelo crescimento rápido e pela resistência, sendo considerada uma das mais agressivas do mundo. Presente em ambientes diversos, úmidos ou secos, essa versatilidade permite seu uso em controle de erosão, melhoria do solo, alimentação animal e, como no caso das mulheres Guajajara, no artesanato.

A artesã relata como a técnica tradicional ganhou novos significados e mercados: “A gente faz com ela colares, pulseiras, bolsas. É um elemento que representa e dá mais característica ao nosso povo. Começou muito quando a gente começou a se destacar em Goiânia. Eu e minha mãe fizemos graduação na área da linguagem, e, para se manter na cidade e no curso, a gente levava artesanato.”

O momento de virada, quando o artesanato deixou de ser apenas complemento para se tornar a principal fonte de renda, veio durante a pandemia. Marina lembra esse período decisivo:

> “Um período que eu comecei realmente a produzir mais peças foi no período da pandemia, que eu não pude mais trabalhar. A gente teve aquele momento de quarentena, de ficar mais em casa, sem poder sair da aldeia. Eu voltei a fazer as peças, como terapia para ocupar a mente. Eu comecei a trabalhar, depois comecei a postar, e as pessoas começaram a fazer pedidos, encomendas.”

O PODER DO COLETIVO

A experiência individual de Marina se transformou numa iniciativa coletiva que hoje beneficia diversas mulheres da comunidade. Ela detalha como surgiu essa articulação:

“A gente resolveu juntar, reunir as mulheres da Aldeia Lagoa Quieta, e resolveu trabalhar no coletivo. Acho que já tem um ano e meio. A gente resolveu concorrer a um projeto do Fundo Casa, uma organização que apoia iniciativas. As mulheres sentaram e viram que tinham algumas coisas que a gente precisava melhorar no nosso trabalho, na questão da divulgação, e a gente ainda está trabalhando nisso.”

O coletivo funciona de forma organizada e respeita as habilidades de cada integrante: “Cada uma que tem habilidade em alguma coisa, foca naquilo. E outras que não têm, vão tentando aprender também. A gente está tentando trazer outras mulheres que não têm outro tipo de renda, que só recebem o Bolsa Família.”

DA ALDEIA PARA AS CELEBRIDADES

A visibilidade nacional chegou quando peças criadas por Marina vestiram celebridades como Anitta e Érika Januza. A ideia do look partiu da própria cantora, como homenagem à religiosidade afro-brasileira, parte de sua espiritualidade e do Carnaval. Marina descreve o impacto:

> “Quando eu recebi a proposta de fazer, não foi me encomendando um coletivo, mas foi uma encomenda pessoal, indicação de pessoas que eu conhecia. Esse look trouxe muita visibilidade para o nosso trabalho. As pessoas viram, comentaram bastante, elogiaram bastante. Saiu bastante peça naquele ano, né? A gente, na verdade, não estava tão preparada para tanta visibilidade. Mas isso trouxe um retorno muito bom.

Nas redes, Anitta contou sobre a escolha do figurino:

> “Esse look em homenagem à Jurema me enche de orgulho, porque a história dela fala muito sobre força. Sempre sonhei em homenageá-la de alguma forma. Fazer isso no Carnaval é muito especial para mim!”

IDENTIDADE, FUTURO E RECONHECIMENTO

Olhando para o futuro, Marina reconhece os desafios, mas também as oportunidades:

> “A gente está pensando em melhorar e deixar as nossas peças com as nossas características, do nosso povo, mais do povo Guajajara.”

Marina finaliza com uma reflexão potente sobre o sentido do seu trabalho: “Uma das coisas bem legais que a gente acha é quando alguém compra uma peça que identifica, que já sabe que aquela peça é do povo Guajajara e também que valoriza o nosso trabalho como artesã.”

Estagiária supervisionada por Rafael Cardoso.

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