Atenção, Tarcísio e Nunes: a mão que afaga é a mesma que apedrejaE Governo foi feito para apanhar: ou melhora ou cai
Em João Pessoa, no final dos anos 60, havia um baiano conhecido como “Mocidade”. Era um tipo maduro, inteligente, com razoável cultura e oratória incendiária. Não trabalhava. Vivia de favores, de quem pagasse suas contas.
Uma vez eleito governador da Paraíba, João Agripino tomou-se de amores por Mocidade. Admirava seus ditos e o raciocínio rápido. Dava-lhe trocados e roupas. Mocidade passou a dormir no alojamento da Casa Militar no Palácio da Redenção.
Certo dia, o secretário de Segurança Pública telefonou para Agripino a propósito de uma manifestação estudantil que ameaçava escapar ao seu controle. “Os estudantes estão fazendo confusão no Ponto Cem Réis”, contou o secretário.
O Ponto Cem Réis era uma espécie de Cinelândia de João Pessoa, ou da Boca Maldita de Curitiba porque era frequentado por deputados, secretários do governo e políticos de outros Estados em visita à Paraíba. Tomava-se ali um bom café. Agripino ordenou: – Não prenda ninguém.
– Mas o senhor sabe quem lidera a manifestação? – perguntou o secretário. “É o Mocidade. Está falando muito mal do governo.” – Prenda-o e o traga à minha presença – decretou Agripino.
Mocidade escapou de ser preso. E à noite, ao chegar ao palácio pensando em dormir, foi levado para uma conversa com Agripino. – Mocidade, quem paga sua comida? – perguntou Agripino.
– Bem, é o senhor, não é? – devolveu Mocidade, desconfiado e à espera do pior. – Não. Quem paga é o governo da Paraíba – disse Agripino. E prosseguiu no interrogatório:
– Quem lhe dá um teto? – Bem, nesse caso, é o governo da Paraíba – Mocidade respondeu.
– É isso mesmo, – concordou Agripino. Em seguida fez uma pausa, deu um trago no cigarro e encaixou o golpe sem conter mais a irritação: – E como é que o senhor, logo o senhor, tem coragem de ir para as ruas falar mal do governo, do meu governo?
A resposta de Mocidade veio rápida: – Sabe o que é mesmo, doutor? É que governo foi feito para apanhar.
Cuidem-se Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, e Ricardo Nunes (MDB), prefeito recém-eleito da cidade de São Paulo. Tarcísio está às voltas com a falência da sua política de segurança política, e Nunes com a erosão da própria imagem.
Os últimos três dias de Tarcísio foram de repetidos pedidos de desculpas porque um policial militar arremessou um homem da ponte, e outro matou com oito tiros pelas costas um ladrão que roubou produtos de um supermercado.
Se os dois atos criminosos não tivessem sido filmados, e apesar do crescimento da letalidade das polícias militar e civil de São Paulo, Tarcísio não estaria nem aí para o que acontece à sua sombra e com sua concordância. Ele chegou a dizer que foram atos isolados.
Como não colou, e diante das críticas que recebeu, Tarcísio, aconselhado por estrategistas políticos, evoluiu para imolar-se à vista de todos. O que não fez pelo menos até aqui foi demitir Guilherme Derrite, o bolsonarista secretário de Segurança.
A segurança pública em São Paulo “é uma ferida aberta, é uma chaga”, admitiu Tarcísio. Ora, a culpa é dele e do seu secretário. Mexa-se para fechar a ferida. Para Nunes, será mais difícil estancar a sangria que mina sua credibilidade de homem público.
A Folha de S. Paulo descobriu que Nunes morou em 2022 em um apartamento de luxo que pertence a um empreiteiro vencedor de R$ 600 milhões em contratos sem licitação com a prefeitura. Nunes diz que isso é uma “grande e infeliz coincidência”.
Há muito tempo que a gestão de Nunes cheira mal. Em novembro, a Justiça Federal autorizou a abertura pela Polícia Federal de um inquérito contra Nunes por suspeitas de que, quando vereador, ele esteve envolvido em um esquema de desvio de dinheiro público.
A maioria dos paulistanos reelegeu Nunes só para impedir que Guilherme Boulos (PSOL) o sucedesse, não porque o admire. Mas nada é mais volúvel do que a opinião pública. A mão que afaga é a mesma que apedreja. O aviso serve para ele e Tarcísio.