Das mensagens em bonés às meias estilizadas e à cara pintada: os recados da moda na política brasileira
Especialistas ouvidos pelo DE explicam o impacto da ‘batalha dos bonés’ e as estratégias usadas tanto pelo governo como pela oposição no uso de adereços e vestimentas.
Nesta semana, a moda uniu o governo e a oposição. Ambos usaram da mesma estratégia de marketing político para passar mensagens por meio de um acessório: o boné. O resultado foi a chamada “batalha do boné”, que teve como ponto alto a abertura do Legislativo, nesta segunda-feira (3), quando parlamentares tomaram o plenário da Câmara usando adereço com frases que refletiam suas correntes ideológicas.
O uso de peças de vestuário e de tendências de moda para passar recados é recorrente na política, apontam especialistas ouvidos pelo DE. “O ‘corpo-vestido’ se converte então em uma espécie de estratégia para a veiculação de mensagens que têm a vantagem de serem portáteis, serem compreendidas como uma real extensão do que aquela pessoa representa, numa espécie de síntese que pode se traduzir por uma palavra ou slogan, em uma camiseta, por exemplo”, explicou o doutor em teoria da história da arte e professor de artes visuais Marco Antônio Vieira.
Para explicar a tese, o estudioso faz um paralelo entre o movimento dos bonés e o das camisetas durante as últimas campanhas eleitorais ou o movimento dos cara-pintadas, na década de 90, que reivindicava a saída do ex-presidente Fernando Collor. “A função simbólica, comunicacional desses bonés não se distingue como estratégia retórica daquela encarnada pelas camisetas verde-amarelas, as bandeiras vermelhas, as caras pintadas em outros contextos políticos ao longo da história”, acrescentou Marco Antônio Vieira.
Deniza Gurgel, consultora e pesquisadora de imagem política, destaca também que direita e esquerda têm usado técnicas de “branding”, isto é, de gestão de marca de grandes empresas para se consolidar no imaginário dos consumidores. “No caso, os consumidores da política são os eleitores. Dessa forma, eles [políticos e partidos] tentam criar uma espécie de devoção, de fanatismo, de fidelidade, quase como torcedores em relação a time de futebol. É como se a gente pensasse numa disputa Apple e Microsoft. Quem usa Apple, ama Apple, detesta Microsoft e vai comprar e seguir comprando os lançamentos da Apple, sem sequer olhar para o que a Microsoft está lançando no mercado”, exemplificou a especialista.
Lulistas (boné azul) e bolsonaristas (boné amarelo) se provocam no plenário da Câmara. De um lado, a oposição usou bonés verdes e amarelos estampando a mensagem: “Comida barata novamente. Bolsonaro 2026”, de outro, a base governista usou bonés azuis com a mensagem “O Brasil é para os Brasileiros”.
Um dia após o episódio na Câmara, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apareceu em um vídeo usando o mesmo boné azul com a frase emblemática. “É uma clara estratégia interna do governo”, avaliou Deniza Gurgel. Segundo ela, a “batalha dos bonés” pode ser lida como uma forma de ambos os lados manterem a “polêmica da polarização”. A especialista ressaltou que o movimento estourou em meio a um suposto clima de “consenso” no Congresso, quando o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcolumbre (União-AP) foram eleitos com ampla margem e apoio de quase todos os partidos para presidir Câmara e Senado.
O movimento começou com o boné vermelho do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que estampa seu famoso mote: “Make America Great Again”. Em homenagem à posse de Trump, em janeiro, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, usou o mesmo boné, assim como outros políticos de oposição ao governo, como o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) e o ex-candidato a prefeitura de São Paulo Pablo Marçal já fizeram aparições com o acessório de Trump.
No ano passado, durante alguns eventos da agenda do governo, o presidente Lula fez questão de mostrar a meia que usava escrito: “Pé-de-Meia”, em referência ao programa do governo que oferece incentivos a estudantes do ensino médio público. Foi fotografado outras vezes com meias divertidas de capivara, cactos, do time do coração, o Corinthians, assim como o vice-presidente Geraldo Alckmin, que já chegou a viralizar na internet com meias de bolinhas e carrinhos.
Esse último modelo foi usado por Alckmin em abril de 2024 em um evento de uma associação de fabricantes de veículos. Desde o início do governo, Lula também vem fazendo aparições públicas, em agendas oficiais, usando uniformes, como por exemplo de funcionário da Petrobras. Também já se vestiu de brigadista e usou um chapéu de pantaneiro, usou quepe de piloto de avião e até turbante, símbolo do Afoxé Filhos Gandhy.
O professor em design de moda e especialista em psicologia, moda e comportamento do consumidor, Fernando Demarchi, afirma que o marketing feito pela Presidência da República tem sido usado de forma estratégica para se conectar com diferentes públicos. “Ao se vestir como funcionário da Petrobras, pantaneiro ou piloto de avião, ele não apenas se adapta ao ambiente, mas também constrói uma imagem de identificação com as causas e os grupos que representa. Essa prática reforça a ideia de que a moda é uma forma de performar papéis e estabelecer conexões emocionais com a população”, argumenta.
Nesta quarta (5), o ex-ministro e ex-candidato à Presidência da República Ciro Gomes quis surfar na onda da batalha dos bonés, fazendo uma espécie de crítica ao uso dos acessórios pelos políticos. Com a frase “Vai trabalhar vagabundos”, ele aparece com um boné amarelo, feito numa montagem. “Cada cor, frase ou escolha estética carrega significados estratégicos, reforçando pertencimentos a grupos específicos e evocando memórias coletivas — como o verde e amarelo, historicamente associado ao patriotismo, mas ressignificado em contextos recentes. Esses elementos não apenas demarcam territórios ideológicos, mas também provocam interlocutores ao disputar símbolos nacionais que dialogam com o imaginário popular”, pontua Demarchi. Ele também destaca a fusão entre entre marketing político e estratégias visuais, demonstrando como objetos aparentemente simples podem influenciar debates públicos, moldar percepções e intensificar polarizações.