Desafios da Metrópole: agritechs ganham força e se expandem no entorno da ‘Capital do Agronegócio’
Impulsionadas pela vocação regional no campo, empresas de base tecnológica movimentam hubs de inovação e investimentos em cidades como Sertãozinho e Jaboticabal. Momento de saturação de ideias pede mais assertividade dos empreendedores.
Quando fundou sua startup em Sertãozinho (SP), o engenheiro de computação e PhD em inteligência artificial e visão computacional Diego Moraes, de 37 anos, ainda não sabia aonde chegariam suas aplicações avançadas de imagem, até então utilizadas para uma rede de hiperconveniências.
Três anos depois, a empresa acumula premiações, um portfolio de clientes de todo o país e trabalha focada em soluções para o agro, principalmente no controle de pragas na cana-de-açúcar e o eucalipto. Um processo que levaria dias, por exemplo, é reduzido a segundos.
> “Hoje o pessoal vai ao campo e coloca uma armadilha e uma vez por semana ele tem que ir lá para ver quantos insetos têm. E hoje ele faz essa contagem visual, ele anota no papel e vai embora. A gente fez um aplicativo que tira foto, pega a geolocalização, envia para a nuvem, a IA processa e devolve isso pra ele. A IA faz a contagem, já sabe o local que você está, a georreferência, agiliza muito”, explica o sócio da IA Sense, um dos protagonistas da expansão das agritechs na região de Ribeirão Preto (SP), já chamada de capital do agronegócio.
Esta reportagem faz parte do especial “Desafios da Metrópole”, série do DE que mostra os potenciais e os dilemas da região de Ribeirão Preto (SP) nas áreas da inovação, saúde, segurança pública, mobilidade e economia.
A inovação não é uma novidade em Ribeirão Preto (SP), que há anos se destaca em áreas como saúde e educação nas aplicações que desenvolve em polos como o Parque de Tecnologia (Supera). Mas, recentemente, essa vocação para criar soluções de base tecnológica tem se expandido para a região e se consolidado com outra marca registrada, bem mais tradicional, ligada à forte atividade agropecuária.
Segundo o “Ecossistema de Inovação”, relatório anual do Supera, em parceria com a Prefeitura e a USP, atualmente são 328 startups mapeadas na região metropolitana, 81% a mais do que em 2019, além de sete hubs de inovação.
DE acordo com o levantamento, as agritechs estão entre os setores mais promissores e presentes não só na maior cidade da região como também em municípios como Sertãozinho e Jaboticabal (SP). São 44 empresas, mais que o triplo do registrado em 2019, e um crescimento médio anual de 34%.
> “Você tem uma massa crítica muito grande aqui dentro [do estado]. Se a gente pegar a [Rodovia] Anhanguera, a Washington Luís e a [Brigadeiro] Faria Lima, você tem veias que correm dentro do estado de São Paulo e no entorno dessas veias você tem muitos ambientes de inovação fortalecidos”, afirma David Lopes, professor da Unesp e um dos fundadores da Inova Jab, incubadora de empresas de base tecnológica em Jaboticabal.
A cidade é a segunda da região com mais startups. Desde 2017, a incubadora já acolheu 15 empresas, entre elas quatro que já atuam no mercado, instaladas no município mas com clientes em diferentes partes do país.
Entre as inovações estão soluções focadas em sustentabilidade e bioinsumos como controle biológico de pragas na cana-de-açúcar e elaboração de dietas para aves de criação. “Já são empresas que construíram seus segmentos de negócio, estão vendendo, gerando recursos p.ara se manter e continuar com a atividade.”
Em Sertãozinho, um dos protagonistas das inovações no campo é o Bio Energy Hub. Criado em 2020 a partir de uma maratona de inovação na Fenasucro, um dos maiores eventos de bioenergia do mundo, ele abriga 20 startups, direcionadas para a agroindústria, explorando as diferentes possibilidades de culturas como milho, soja, eucalipto, além da cana.
Nanotecnologia no enraizamento, fertilizantes foliares para diversas culturas, soluções robóticas de limpeza para ambientes confinados, micrologística de colheita e simulação de cenários de colheita com inteligência artificial são apenas algumas das aplicações desenvolvidas ou em desenvolvimento no complexo, que presta consultoria e apoio desde a elaboração e aceleração de negócios à captação de recursos externos.
> “O hub foi bem focado no setor de cana-de-açúcar, mas depois o que acabei vendo, várias soluções que atendem o setor de cana, atendem outros setores também”, afirma Marcos Eduardo de Oliveira, founder e CEO da Bio Energy Hub.
Em 2024, entre investidores e agências de fomento, o hub recebeu R$ 5 milhões de aportes. Para 2025, como há muitas empresas em estágio inicial, ele espera que o faturamento das startups seja dez vezes maior.
“Como a gente tem desse portfolio metade que ainda não está faturando, a gente acredita nesse potencial de crescimento.”
Entre as startups que já atuam no mercado, a IA Sense teve um crescimento de 70% no faturamento com relação a 2023 e projeta elevar os ganhos em 120% em 2025.
> “Está começando agora. A tecnologia existe faz anos, desde a década de 1970, mas não tinha hardware disponível para rodar. Nem na nuvem, nem na borda, não tinha computador potente. Hoje em dia você tem, eles são baratos e se tornam acessíveis, então a gente consegue aplicar IA em tudo”, afirma Diego Moraes.
Segundo o CEO da empresa, embora as oportunidades de negócio surjam de diferentes locais do país, a região de Ribeirão Preto ajuda a impulsionar as atividades pelo próprio fato de ter a atividade agropecuária no DNA.
“Pra nós não é nada por acaso. (…) A gente escolheu lançar produto no agro justamente pela região, [a gente] foi estudando mercado para a cana-de-açúcar, porque a gente está muito abastecido aqui na região, de usinas, não só como serviço, mas o próprio produto foi escolhido a dedo. A região é muito abastecida.”
DESAFIOS: MERCADO ‘SATURADO’ E AMADURECIMENTO
O que os hubs de inovação da região de Ribeirão Preto experimentam é reflexo de um cenário mais amplo em âmbito nacional. As agritechs atraíram entre janeiro e setembro deste ano R$ 955 milhões em investimentos, segundo o Startup Scanner, sondagem de mercado da consultoria especializada Liga Ventures.
Isso já indica um patamar acima do registrado durante a pandemia da Covid-19 e uma tendência de se equiparar aos números de 2023, com R$ 1,2 bilhão, embora, no acumulado de janeiro a setembro, tenha havido uma queda de 16% no montante.
O que os números indicam têm relação com um cenário de acomodação do crescimento das empresas do setor, depois de um boom observado anos atrás, de acordo com o professor David Lopes.
Ele analisa que, depois da absorção de muitas ideias por parte de grandes das empresas, houve uma saturação de novas soluções e uma redução na demanda, o que tem pedido dos empreendedores mais assertividade e maturidade de ideias para fazer com que seus projetos se convertam em novos negócios.
“Dentro de um processo de desenvolvimento tecnológico, de agricultura digital, de agriculturas voltadas para bem-estar animal, voltadas para soluções de mudanças climáticas, vejo que a gente tem hoje um estágio de amadurecimento dessas tecnologias e que os empreendedores estão mais atentos nesse momento a estarem sendo mais assertivos para onde vão estar posicionando seus negócios, acabou-se gerando muitas startups e digamos para pouca demanda efetivamente no mercado”, diz.