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“Bolsonaro usou a ONU como extensão do cercadinho do Planalto”, analisa professor

Última atualização 22/09/2021 | 17:34

Na terça-feira (21), o presidente Jair Bolsonaro discursou para abrir a 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, com dados distorcidos sobre atuação em diferentes áreas, como proteção do meio ambiente e combate à Covid-19.

Em análise do discurso, o professor João Roriz, doutor em direito internacional, acredita que o foco do presidente foi o público doméstico, e não o internacional presente na Assembleia Geral.

“É uma forma de procurar legitimidade de apoiadores, pessoas que vão receber o discurso no WhatsApp e ver o palco disso na ONU”, explica.

Segundo o professor, Jair Bolsonaro está cada vez mais deslegitimado, o que pode ser percebido com comparações com os discursos anteriores, em 2019 e 2020. “Nos anos anteriores, a nova direita tinha mais força com nomes como do Trump, por exemplo. Desde então existe uma fragmentação, mesmo que ainda haja vozes dessa direita no poder”, explica.

“Bolsonaro usou a ONU”

Diante disso, João Roriz acredita que Bolsonaro “usou a ONU enquanto continuação do cercadinho do Planalto”, em referência aos discursos feitos diretamente para apoiadores, em Brasília. Nesse cenário, ainda que utilize de mentiras e fatos distorcidos, o presidente ainda consegue fortalecer pontos que usa em suas manifestações recorrentes.

“O discurso mostra uma reiteração de teses que ele já usa no plano doméstico, buscando legitimar essas palavras”, explica. “Até pontos como não vacinar e comer na rua andam junto com a argumentação de que ele atua contra o sistema e está sendo impedido de provocar verdadeiras mudanças, já que está contra todos”.

Internacionalmente, no entanto, o discurso parece ignorar o cenário internacional ao ir na contramão das tendências. “A OMS, por exemplo, já descartou tratamentos precoce e outras coisas que ele ainda defende no discurso”, lembra João Roriz.

Para o professor, a curto prazo os efeitos do posicionamento, criam um distanciamento de relações bilaterais internacionais ao criar dificuldades e se mostrar um parceiro não confiável. “Atualmente, nosso principal parceiro comercial é a China, comunista, então isso problematiza as relações atuais.”

Já a longo prazo, João Roriz acredita que Jair Bolsonaro está desmontando o capital político de assuntos em que era referência, como meio e ambiente e saúde, por exemplo. “O próximo governo vai ter que trabalhar muito para consertar o que ele está desmontando. A gente está descapitalizando legitimidade, perdendo o chamado soft power, ou poder brando.”

 

Fragilidade

Em termos internacionais, Bolsonaro só pode ser punido caso haja algum tipo de condenação pelo Tribunal Penal Internacional de Haia.

Atualmente, o presidente já foi alvo de três denúncias no órgão. A primeira delas, realizada em 2019, foi feita pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (Cadu) e a Comissão Arns, que denunciaram a política de Bolsonaro como responsável por incitar o genocídio de indígenas.

Em abril de 2020, uma nova denúncia feita pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) acusa o presidente de expor “a vida de cidadãos brasileiros, com ações concretas que estimulam o contágio e a proliferação do vírus”.

A última denúncia foi feita no dia 9 de agosto de 2021, quando a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) deu entrada na denúncia que alega que Bolsonaro cometeu crimes contra a humanidade e genocídio, ao incentivar a invasão de terras indígenas por garimpeiros

Caso o tribunal dê prosseguimento às denúncias, o presidente Jair Bolsonaro pode ser o primeiro chefe de estado brasileiro réu em Haia.