Brasil e Itália firmam em junho acordo para criação de equipes permanentes de investigação contra máfias e facções
A Procuradoria-Geral da República (PGR) deve assinar em junho um acordo de cooperação com autoridades italianas para a criação de equipes conjuntas de investigação permanente que têm como alvo a atuação de máfias e organizações criminosas nos dois países. O procurador nacional antimáfia e antiterrorismo da Itália, Giovanni Melillo, virá a São Paulo nos dias 24 e 25 de junho para assinar o acordo.
A iniciativa é inédita. Nunca promotorias firmaram um acordo para compartilhamento de informações permanente e sem prazo para acabar. Antes, havia apenas investigações colaborativas pontuais entre as polícias dos países.
As tratativas para a criação desse acordo começaram no ano passado, quando autoridades italianas convidaram procuradores brasileiros a participar das investigações sobre o tráfico internacional de drogas da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) para a Europa. As informações sobre o esquema foram reveladas pelo traficante italiano Vincenzo Pasquino preso no Brasil e extraditado, que fez acordo de delação com a Justiça da Itália e está preso em Roma.
Pasquino morou na cidade de São Paulo, onde negociava com a facção criminosa. Um documento enviado pela Direção Nacional Antimáfia e Antiterrorismo da Itália para a Procuradoria-Geral da República em Brasília e para as procuradorias no Rio de Janeiro e em São Paulo sobre a delação do traficante italiano mostra que é proposto que os procuradores brasileiros realizem interrogatórios conjuntos com o criminoso para que os dois países possam conseguir mais informações sobre o esquema internacional de tráfico.
Uma comitiva de investigadores italianos participaram de um seminário sobre segurança pública, direitos humanos e democracia promovido pelo IREE em São Paulo (SP) nesta quinta-feira (29). Tanto os procuradores estrangeiros quanto os brasileiros reforçaram que o combate às máfias e ao tráfico internacional de drogas não pode funcionar sem a cooperação entre autoridades estrangeiras.
“Na Itália, antigamente, a cooperação se limitava na fase final (da investigação). Hoje felizmente temos instrumentos de investigação para que possamos fazer a intervenção ainda durante o processo. Temos resultados nas investigações com a ajuda de brasileiros que são importantíssimos. É muito importante termos essa cooperação”, disse Giovanni Bombardieri, procurador Distrital Antimáfia de Turim.
“Traficante italiano delata ligação da máfia com facção criminosa do Brasil
Pasquino tinha posição de liderança na máfia da Calábria, a ‘Ndrangheta, uma das mais poderosas da Itália. Nas investigações, ele foi visto como o maior intermediário do tráfico de cocaína da América do Sul para os clãs mafiosos da ‘Ndrangheta. Nessa atuação, além do PCC, ele teria contato também com a facção Comando Vermelho (CV). No jargão do Judiciário italiano, Pasquino agora se tornou um “pentito”, um arrependido. É o equivalente, no Brasil, ao delator que fecha acordo de delação premiada. O mafioso chegou ao Brasil em 2017, quando começou a trabalhar com o envio de drogas para a Itália.
Primeiro ele morou no Paraná, por cuja fronteira com países vizinhos entram grandes carregamentos de cocaína. Depois, mudou-se para São Paulo, ponto de saída das drogas para a Europa. Em maio de 2021, uma operação conjunta entre Polícia Federal, Interpol e polícia italiana prendeu, em um flat em João Pessoa, Vincenzo e Rocco Morabito, um dos traficantes italianos mais procurados na época.
A polícia paulista já vinha investigando o criminoso, que usava imóveis no litoral e na capital de São Paulo. “O Vicenzo morou no bairro do Tatuapé. Ele tinha um apartamento e também se utilizava de um apartamento no bairro do Morumbi e dois apartamentos no Guarujá. Eram bases que eram utilizadas para encontros com outros narcotraficantes, dentre eles traficantes italianos e até mesmo albaneses”, disse o delegado Fernando Santiago, do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc). Vicenzo andava acompanhado de dois seguranças albaneses. São eles que, segundo a polícia, aparecem em imagens entrando no elevador de um dos prédios em que o criminoso morava.
Um estudo feito por uma ONG dedicada ao combate do crime organizado internacional mostra que a facção brasileira desempenha um papel logístico no tráfico internacional ao distribuir a cocaína que é produzida na América do Sul. Segundo a pesquisa, o envio da droga para a Europa tem a participação da Máfia dos Bálcãs. O estudo aponta que o estado de São Paulo, onde nasceu o PCC, está em uma posição considerada estratégica para o tráfico, especialmente por conta do maior porto da América do Sul. “Mais da metade da cocaína apreendida no país acontece no porto de Santos. Olhando só pro porto de Santos são várias formas de embarcar a droga para que ela chegue no continente europeu”, diz Isabela Vianna, socióloga e pesquisadora.