O Governo brasileiro fez, no início da semana, um aceno para os imigrantes de países limítrofes que estão fora do Acordo de Residência do Mercosul – Guiana, Suriname, Guiana Francesa e Venezuela. Não durou um dia. A portaria, publicada no Diário Oficial da União em 22 de fevereiro e assinada pelo presidente do Conselho Nacional de Imigração, permitia a “concessão de residência pelo prazo de até 2 anos, ao estrangeiro que tenha ingressado no território brasileiro por via terrestre e seja nacional de país fronteiriço”. Apesar de beneficiar cidadãos de quatro países, são os venezuelanos, cujo país passa por grave crise econômica, política e social que seriam os maiores beneficiados. A Venezuela foi suspensa do Mercosul em dezembro de 2016 por “não se adequar às regras do bloco”.
Com a nova resolução, os imigrantes cujo visto de turista válido por 90 dias vencesse, poderiam pedir a residência temporária. O gesto, cuja justificativa foi “aprofundar o processo de integração” e “estabelecer políticas migratórias que garantam o respeito aos direitos humanos dos migrantes”. No Diário Oficial de 23 de fevereiro foi publicada uma nota curta, de apenas três linhas, anulando a portaria anterior sem nenhuma justificativa. A reportagem entrou em contato com o Ministério do Trabalho mas não obteve resposta. A revogação acontece dias antes de José Serra, então chanceler do Governo Temer, pedir demissão da pasta das Relações Exteriores alegando motivos de saúde. O presidente Michel Temer ainda não escolheu quem será o novo titular da pasta.
Nos últimos meses, à medida que a crise na Venezuela se agrava, cada vez mais pessoas cruzam as fronteiras secas entre os países e entram no Brasil, principalmente pelos Estados do Norte. Estima-se que Roraima, por exemplo, tenha recebido ao menos 30.000 venezuelanos que fogem da crise de abastecimento e do colapso dos serviços públicos na república bolivariana. Muitos acabam sendo deportados ao término do prazo de 90 dias previsto na lei, mas a maioria vive em condições precárias na capital Boa Vista e em Pacaraima, na fronteira. A resolução faz menção direta ao “fluxo migratório, sobretudo na região Norte”.
Por um lado as autoridades afirmam que o fluxo massivo de imigrantes compromete a já precária estrutura de atendimento à população, saturando hospitais, escolas e outros equipamentos públicos. Mas entidades de defesa dos direitos humanos e o Ministério Público Federal criticaram a revogação da portaria.
“Ao voltarmos atrás em uma decisão dessa magnitude, não só passamos uma mensagem equivocada sobre o nosso compromisso humanitário com os venezuelanos”, afirmou Camila Asano, coordenadora de política externa da ONG Conectas. De acordo com ela, a revogação da medida “mostra que políticas que deveriam ser de Estado estão, na verdade, sujeitas a decisões monocráticas e injustificadas por parte dos órgãos competentes. Isso é inaceitável”.
O MPF e a Defensoria Pública da União divulgaram nota se dizendo “surpresos” com a medida. “A referida resolução é fruto de amplo debate com o Conselho Nacional de Imigração e foi aprovada pelo plenário do órgão – composto por mais de 30 instituições”, diz o texto. A nota também cobra explicações mais detalhadas sobre a revogação.
O Brasil não é o único país a ser afetado pela crise no país vizinho. Milhares de venezuelanos atravessam diariamente a fronteira com a Colômbia para comprar mantimentos cada vez mais escassos. Maduro chegou a ordenar o fechamento da fronteira, mas voltou atrás em julho de 2016. A pedido da Organização dos Estados Americanos (OEA) o Peru também adotou uma resolução semelhante à brasileira para facilitar a concessão de vistos.