Câmara aprova projeto que dificulta aborto legal para crianças vítimas de estupro e acende alerta entre juristas

Suspensão das diretrizes do Conanda para atendimento de meninas violentadas provoca reação de especialistas, que apontam risco de revitimização, insegurança jurídica e entraves no acesso a um direito previsto em lei

A Câmara dos Deputados aprovou o PDL 3/2025, que susta a Resolução 258/2024 do Conanda e pode tornar mais difícil o acesso de crianças e adolescentes vítimas de estupro ao aborto legal, direito previsto no Código Penal brasileiro desde 1940. A decisão, que segue agora para o Senado, provocou forte reação de entidades de proteção à infância, profissionais da saúde e juristas, que alertam para os impactos imediatos da medida sobre meninas em situação extrema de vulnerabilidade.

O PDL 3/2025, aprovado por ampla maioria na Câmara, revoga as diretrizes estabelecidas pelo Conanda para o atendimento de vítimas de violência sexual. As normas buscavam padronizar procedimentos, garantir escuta qualificada e assegurar celeridade no acesso ao aborto legal — especialmente em casos que envolvem meninas muito jovens e em risco físico e emocional. Com a suspensão da resolução, especialistas afirmam que o sistema de saúde poderá enfrentar insegurança para conduzir casos urgentes, enquanto vítimas poderão ser submetidas a exigências burocráticas que retardam o tratamento e agravam o sofrimento.

A medida reacendeu o embate ideológico no Parlamento. Parlamentares contrários ao projeto afirmam que ele representa um retrocesso na proteção à infância e ignora o fato de que a legislação brasileira há décadas garante o direito ao aborto em casos de estupro. Já os defensores da proposta dizem buscar evitar supostos abusos interpretativos e defendem a necessidade de “marcos mais rígidos” sobre o tema.

Para quem atua diretamente na defesa das vítimas, no entanto, os efeitos da decisão são imediatos e preocupantes. A advogada criminalista Isadora Costa ressalta que a medida desconsidera a realidade cotidiana de meninas que sofrem violência dentro de casa e reforça o ciclo de vulnerabilidade.

“A maior parte das violências sexuais contra meninas acontece dentro do próprio ambiente familiar, praticada por pessoas próximas — muitas vezes, aquelas que deveriam garantir cuidado e proteção. Quando surge uma gravidez nesse contexto, não estamos falando de uma escolha, mas da consequência direta de um crime. O aborto legal nesses casos não é uma questão ideológica, mas um direito que protege a vida e a saúde da vítima. Quando o Estado suspende diretrizes, cria obstáculos ou dificulta o atendimento, acaba favorecendo a revitimização, a maternidade forçada e o agravamento do sofrimento psíquico de meninas que já enfrentaram uma experiência extremamente traumática”, explica a advogada.

Ela reforça que o debate não pode ser conduzido sob viés político ou moral, mas com base em responsabilidade social e proteção integral.

“Para crianças e adolescentes, cada barreira a mais representa um aumento real de risco — de morte materna precoce, abandono escolar, ruptura de vínculos familiares e empobrecimento estrutural. São trajetórias interrompidas antes mesmo de começarem. Garantir acolhimento, segurança e atendimento imediato não é um gesto de benevolência do Estado. É um dever constitucional. Negar esse direito é impor uma segunda violência, é punir novamente quem já foi vítima. Nosso compromisso precisa ser com a proteção integral, o cuidado e a preservação da dignidade”, conclui Costa.

Enquanto o projeto segue para análise do Senado, entidades de direitos humanos, conselhos de saúde e organizações da sociedade civil se mobilizam para tentar reverter a medida. O debate, que envolve infância, saúde pública, violência sexual e direitos fundamentais, deve dominar a pauta política nas próximas semanas.

Box de Notícias Centralizado

🔔 Receba as notícias do Diário do Estado no Telegram e no WhatsApp