DE aprova projeto que enfraquece licenciamento ambiental e permite obras com alto risco de impacto
Ambientalistas dizem que texto reduz controle sobre atividades que degradam e traz riscos para comunidades tradicionais; defensores afirmam que regras facilitarão obtenção de licenças ambientais.
DE ‘modifica para pior’ processos de licenciamento ambiental no Brasil, diz porta-voz do IPCC
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A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (17), por 267 a 116 votos, o texto principal do projeto que fragiliza as regras para o licenciamento ambiental.
Deputados ainda precisam analisar sugestões de mudança da proposta. Depois de concluída esta etapa, o projeto seguirá para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode vetar trechos do texto. O projeto tramita há 21 anos no parlamento.
Ambientalistas argumentam que o texto pode reduzir o controle sobre atividades que causam degradação e trazer riscos para comunidades tradicionais.
Defensores do texto, como deputados da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), afirmam que as novas regras vão desburocratizar processos para obtenção de licenças ambientais.
Em linhas gerais, a proposta:
cria um novo tipo de licença especial, que autoriza obras e empreendimentos de forma mais rápida, independente do impacto ambiental, desde que a construção seja considerada estratégica pelo governo federal;
dispensa a necessidade de licenciamento ambiental para ampliação de estradas e atividades de agricultura e pecuária; A licença fica dispensada também para sistemas e estações de tratamento de água e esgoto até que o Brasil atinja as metas de universalização do saneamento básico previstas em lei. Assim como para barragens pequenas de irrigação que têm por objetivo levar o abastecimento de água para os municípios e também para a pecuária- na criação de animais, como o gado;
libera a renovação automática da licença ambiental, por igual período, a partir de declaração do empreendedor, feita pela internet, desde que o porte da atividade nem a regra ambiental tenham sido alterados
nacionaliza a autodeclaração, uma autorização quase que automática emitida após o envio da documentação, no caso de licença ambiental para projetos de médio porte com potencial poluidor. Os estados já utilizam este tipo de modalidade;
Parlamentares excluíram do projeto a obrigatoriedade de aplicação das regras do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para licenciamento de atividades de mineração de grande porte ou de alto risco. Esse trecho retira poder do órgão, o transferindo para os estados. Portanto, a mineração fica submetida às novas regras do projeto;
A proposta exclui a necessidade de aprovação por um órgão federal, no caso o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do corte de vegetação da Mata Atlântica, deixando a autorização somente nas mãos de estados e municípios. O projeto anula dois trechos da Lei da Mata Atlântica, que restringem a derrubada de matas primárias e secundárias do bioma;
O texto desconsidera as terras de comunidades tradicionais, ainda pendentes de título, no pedido de autorização do licenciamento. Valeriam para a análise do órgão competente apenas áreas protegidas de terras indígenas homologadas e territórios quilombolas oficializados.
COMUNIDADES TRADICIONAIS
Pela proposta, áreas tradicionalmente ocupadas por comunidades tradicionais estarão sujeitas a sofrer modificações sem passar pelo processo de licenciamento.
“Com a histórica omissão do Estado brasileiro em relação à conclusão dos processos de demarcação, todas as terras tradicionais pendentes de homologação ou titulação seriam desconsideradas para fins de licenciamento ambiental”, alerta estudo divulgado pelo Observatório do Clima.
Nota técnica do Instituto Socioambiental (ISA) mostra que, considerando obras previstas no PAC 2023, cerca de 18 milhões de hectares de Terras Indígenas (TIs), Territórios Quilombolas (TQs) e Unidades de Conservação (UCs) poderão ser excluídos de licenciamento ambiental.
De acordo com o documento, o projeto “apagaria” da legislação, para efeitos de licenciamento, 259 Terras Indígenas — ou quase um terço de todas as TIs existentes — e mais de 1,5 mil territórios quilombolas (cerca de 80% dessas áreas).
LICENÇA ESPECIAL
O projeto cria uma nova modalidade de licenciamento, a chamada Licença Ambiental Especial (LAE), para construções “estratégicas” ainda que essas causem “significativa degradação do meio ambiente”.
Para obter este tipo de licença, será necessário a realização um estudo do impacto que o projeto causará no meio ambiente. O prazo máximo para que a autorização saia é de um ano – mais rápido do que o de um licenciamento normal.
O projeto permite que o governo licencie os empreendimentos que considerar estratégicos por decreto, após consulta ao Conselho do Governo – órgão da Presidência da República que assessora o presidente na adoção de políticas e diretrizes do governo federal.
Uma vez emitida, essa permissão vai valer de cinco a dez anos. O Instituto Socioambiental (ISA) declarou que essa brecha pode ser utilizada para acelerar o processo de exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, conhecida como Margem Equatorial.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), trabalhou para que essa novidade fosse adicionada no projeto original.
Alcolumbre defende abertamente a exploração de petróleo para aumentar a arrecadação na região. O estado do senador será financeiramente beneficiado pela medida – a Margem Equatorial vai do Amapá até o Rio Grande do Norte.
O presidente Lula também é defensor da possibilidade de exploração de petróleo na Foz do Amazonas. O Ministério Público Federal (MPF) expediu uma recomendação nesta terça-feira (15) para que o Ibama não emita qualquer licença para exploração na margem equatorial enquanto os estudos de impactos socioambientais “continuarem com falhas e inconsistências”.
Neste mês de julho, vários parlamentares federais se uniram em uma frente parlamentar específica para defender a medida. Segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a estimativa é que o volume de petróleo na região seja de mais de 30 bilhões de barris.
Parecer técnico encomendado pelo Observatório do Clima avalia que a licença especial vai fazer com que o licenciamento ambiental de grandes projetos tenham um “tratamento político” em detrimento da análise técnica devido à simplificação do processo da licença.
“Significa que as análises ficam à mercê das vontades políticas e prejudicam aqueles que estão na fila para terem seus processos analisados”, afirmou em nota o observatório, que reúne organizações ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais.
Em abril, Alcolumbre também criou um grupo de trabalho com o objetivo de elaborar projeto de lei com regras para mineração em terras indígenas. A maioria dos senadores que compõem o grupo, 7 de 11 parlamentares, faz parte da bancada ruralista da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA).
AUTODECLARAÇÃO
O projeto também nacionaliza uma prática já realizada nos estados, conhecida como Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC).
Atualmente, se um novo empreendimento é planejado, sem desmatar vegetação nativa, o responsável encaminha pela internet a documentação necessária. Uma autorização é gerada, praticamente de forma automática.
Esse procedimento vale para atividades de baixo impacto e fica dispensada a análise prévia do órgão ambiental, com o compromisso do empresário de cumprir as normas ambientais.
Conforme a proposta, para este tipo de liberação, precisam ser informadas as características da área, as condições de operação da nova atividade, o impacto ambiental e as medidas de controle ambiental.
O estudo do Observatório do Clima, realizado pelos professores Luís Sánchez, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), e Alberto Fonseca, da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), aponta que pode ocorrer uma “proliferação” da autodeclaração nos estados.
“[A consequência será] um quadro potencialmente conflituoso de atividades e empreendimentos, que causam significativa degradação ambiental, operando sem licença ou com licenças por adesão e compromisso sem o devido controle do órgão licenciador que historicamente demonstra baixa capacidade fiscalizatória”, diz o estudo.