Os mestres que escrevem sobre as águas: campanha fortalece abridores de letras da Amazônia
Instituto Letras que Flutuam lança o maior portal online já criado sobre arte gráfica ribeirinha, e abre campanha de financiamento coletivo com contribuições a partir de R$ 25.
Letras multicoloridas marcam os barcos da Amazônia: arte gráfica ribeirinha — Foto: ILQF
Pelos rios da Amazônia, navegam embarcações que são mais do que meios de transporte: são telas em movimento, carregadas de cor, poesia e identidade. Nessas proas, popas e casinhas de madeira, letras cuidadosamente desenhadas contam histórias de fé, amor, luta, saudade. São mensagens escritas à mão por artistas populares conhecidos como abridores de letras — mestres que fazem da pintura um ofício ancestral, repassado entre gerações ribeirinhas.
Para preservar e fortalecer esse legado único, nasceu em 2024 o Instituto Letras que Flutuam (ILQF) — a primeira instituição cultural do Brasil dedicada à arte gráfica ribeirinha. Com sede no Pará e alcance por toda a região amazônica, o Instituto celebra neste mês de maio seu primeiro ano de existência com o lançamento do maior portal online já criado sobre o tema. E convida o público a participar ativamente desse movimento por meio de uma campanha de financiamento coletivo, com contribuições a partir de R$ 25.
Valdir Formigão, abridor de letras da Amazônia — Foto: ILQF
UMA ARTE INVISIBILIZADA, MAS ONIPRESENTE
A prática dos abridores de letras surgiu por volta da década de 1930, com a exigência de identificação nas embarcações. Mas foi nas décadas seguintes, a partir dos anos 1960, que o ofício se consolidou como expressão visual própria da Amazônia: letras cursivas ou robustas, pinturas de paisagens e elementos simbólicos ribeirinhos, com traços que transformaram barcos em verdadeiras obras de arte flutuantes.
Hoje, estima-se que mais de 100 mil embarcações cruzem os rios amazônicos, especialmente as de pequeno porte, construídas artesanalmente. São elas as principais guardiãs dessa tradição visual. Apesar da riqueza estética e cultural, os abridores de letras seguem à margem do reconhecimento oficial e do mercado de design — ainda que sua linguagem tenha sido amplamente apropriada por campanhas publicitárias e marcas nacionais, muitas vezes sem autorização ou crédito.
ILQF mapeia abridores de letras em cidades como Belém, Abaetetuba, Igarapé-Miri, Soure e Breves — Foto: ILQF
UMA REDE VIVA DE MESTRES DA AMAZÔNIA
Desde 2004, o projeto Letras que Flutuam mapeia abridores de letras em cidades como Belém, Abaetetuba, Igarapé-Miri, Soure e Breves. Já são mais de 130 artistas identificados, que passaram a se reconhecer mutuamente como mestres da cultura popular. Com a formalização do Instituto em 2024, esse trabalho se fortaleceu com ações de formação, geração de renda, articulação em rede e orientação jurídica, incluindo dois encontros históricos em Belém — o primeiro momento em que mestres de diferentes cidades se viram frente a frente.