O uso e a dependência de álcool e drogas podem começar ainda na infância. É o que presenciam profissionais do Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (Caps) de Aparecida de Goiânia. O local já recebeu paciente que precisou de acompanhamento aos oito anos de idade. Os casos mais comuns são de faixas etárias acima dos 12 anos.
“O atendimento é espontâneo, não precisa de agendamento, nem de encaminhamento. Chega aqui e é acolhido”, afirma a coordenadora Naiara Rodrigues Santos. Segundo ela, são raros os casos em que o adolescente busca o local sozinho. Muitas vezes, é levado pela família, Conselho Tutelar, ou ainda encaminhado pelo juizado. A presença não é compulsória e o jovem pode sair a qualquer momento, acompanhado de um responsável.
Nos atendimentos a esta faixa etária, o desafio é convencer o adolescente dos prejuízos que, muitas vezes, ainda não chegaram. “Para o adolescente, o uso da droga é normal. Hoje, ele não vê os prejuízos, mas futuramente terá. Hoje, é uma experiência, tudo novo. A droga para ele é vista como boa e não causa nenhum dano. O adulto já sabe, já perdeu família, emprego”, detalha Santos.
Desintoxicação
Há cerca de sete anos, Jhonatan* passou pelos 14 dias de desintoxicação no local, levado pela família. “Passei por uma fase difícil, acabei me envolvendo com coisas erradas. Maconha, cocaína, bebida. Encontrei na rua mesmo. Cheguei ao ponto de quase ter overdose e surto psicótico devido às drogas. Aí, minha família me encaminhou para lá”, relembra.
“O médico psiquiatra indica os pacientes que precisam passar por desintoxicação. Eles não conseguem se desintoxicar sem tomar nada: vem fissura, irritabilidade, agitação. Precisam de medicação para poder aguentar”, explica Santos. O local tem 12 leitos de internação. “Hoje, estamos só com um ocupado. É difícil sobrecarregar. A adesão à desintoxicação é baixa. Eles preferem vir aqui apenas para passar o dia”, comenta.
Na época, depois dos primeiros 14 dias, Jhonatan saiu , foi para casa, mas continuava frequentando o Caps para participar de palestras e fazer acompanhamento psicológico. Precisou ser internado uma segunda vez, mas, hoje, aos 25 anos de idade, conta que está bem.
“Estou livre desde aquela época. O pessoal cuidou de mim. Hoje, trabalho como motorista de aplicativo de manhã, faço estágio no Fórum à tarde e estudo Direito à noite. Resolvi seguir nessa área porque, na época, o Caps me encaminhou para ser Menor Aprendiz no Fórum. Tomei gosto e hoje voltei como estagiário”, conta Jhonatan. A meta, agora, é se formar para prestar concurso e se tornar policial rodoviário federal.
Uma das frentes do Caps é incentivar a ressocialização do adolescente, estimular que ele volte à escola, participe de cursos profissionalizantes ou, como Jhonatan, trabalhe como aprendiz. “Na hora em que a escola vê que o adolescente está fazendo uso de drogas, ela expulsa o aluno e ele não volta”, comenta a coordenadora.
Atenção
“O pessoal lá é muito bom, fiz amizades boas com os que cuidaram de mim”, lembra o estudante de Direito. Impressão parecida com esta foi a que teve Bárbara*, ao começar a frequentar o Caps com 17 anos de idade. Ela, no entanto, não buscou o local por uso de drogas, mas para ter ajuda na luta contra depressão, que chegou a colocar em risco sua vida.
“Eu tinha alguns amigos que frequentavam porque tinham este problema de drogas e me falaram que lá era muito bom e que tinha psicóloga. Mas eu não usava, eu fui porque estava em depressão. Passei por acompanhamento lá, me ajudou muito. Eles arrumavam meu cabelo e pintavam minha unha para aumentar minha autoestima. Faziam um bolo de chocolate que eu amava”, relembra. Hoje, Bárbara é casada e trabalha como segurança.
Motivos
O que leva alguém a usar drogas? Cada caso é um caso e a pergunta tem inúmeras respostas. No Caps infantojuvenil de Aparecida, no entanto, a coordenadora percebe pontos comuns.
“A falta de apoio familiar e a condição social deles. Muitos passam fome, a família não tem emprego, vive de renda mínima. Aí, o adolescente sai para a rua para fazer bicos e a rua oferece muita coisa. Então, ele começa a fazer uso da droga. Quando vamos fazer visitas domiciliares, vemos como é precário. Muitas vezes, os pais fazem uso da droga. Como a gente vai explicar que faz mal, sendo que os pais usam também?”, afirma Santos.
Alcance
O serviço que ajudou Jhonatan e Bárbara deveria impactar mais pessoas, na opinião da coordenadora. “Não chegamos a fazer dez novos acolhimentos por mês”, comenta. Segundo ela, mais unidades seria um passo importante para ampliar a atuação.
“Tentamos de tantas formas, mas eu brinco que não existe receita de bolo. Acredito que seria importante ter outras unidades [de Caps infantojuvenil] em outras regiões. A adesão seria maior. Percebemos que nosso público é majoritariamente aqui da região onde estamos. Oferecemos a passagem de ônibus de graça para o adolescente e família, mas se tivessem mais unidades, ficaria mais fácil para eles”, analisa.
*Os sobrenomes não foram citados para preservar a identidade dos entrevistados.