As lideranças das Comunidades Afro Tradicionais no Estado de Goiás Iya Watusi de Oyá, Makota Kabilaewatala e Tata Kiwalaguanji entregaram um documento ao secretário de Governo Ernesto Roller, endereçado ao governador Ronaldo Caiado, denunciando atos recentes de racismo e intolerância religiosa no Entorno do Distrito Federal, onde sete casas de santo e terreiros foram invadidos durante a busca ao fugitivo Lázaro Barbosa de Sousa.
Foi entregue também um abaixo assinado por 335 lideranças tradicionais e entidades representativas nacionais e internacionais, além pessoas civis que pedem que o governo respeite as casas como Espaços Afro Tradicionais, inclusive os seus espaços espaços sagrados, não sendo nunca alvo de invasão ou de qualquer ação fora do contexto constitucional.
No documento, a representante das comunidades, Iyá Watusi de Oyá diz que todos estão com disposição para colaborar com as forças policiais e o Estado no que diz respeito a contribuir com o bem-estar e segurança de todos e reforçou que os espaços de tradição afro-brasileiras são lugares de acolhimento da comunidade e podem também atender as demandas governamentais.
Leia o manifesto na íntegra:
Manifesto das Comunidades Tradicionais de Terreiro em Denuncia aos Atos de Racismo e Intolerância Religiosa:
As autoridades afro tradicionais e organizações representativas dos povos tradicionais de Matriz Africana, abaixo assinadas, vem a público manifestar seu repúdio aos violentos ataques racistas praticados contra as casas de matrizes africanas na Região de Aguas Lindas, Girassol, Cocalzinho e Edilândia em Goiás, na tentativa de nos vincular ao foragido conhecido como Lázaro e aos crimes a ele atribuído.
Consideramos intoleráveis as invasões e abordagens policiais truculentas injustificadas, bem como a campanha difamatória propagada por diversos veículos de comunicação. Afirmamos veementemente que nossas tradições não têm relação com atos criminosos, e, mesmo que fossem praticados por alguma pessoa que pertencesse a uma tradição afro, não nos vincularia de maneira coletiva a atos e ações criminosas e desumanas. Estes atos devem ser sempre atribuídos pela lei à pessoa civil. Entretanto estamos sendo atacados de maneira vil e racista sob o falso pretexto de estarmos servindo de abrigo ao foragido. São graves os relatos de depredação dos nossos territórios mediante intimidação e agressões físicas.
As imagens dos alegados “rituais satânicos” que estão sendo divulgadas pela mídia foram produzidas pela própria polícia durante uma invasão e quebra das portas de umas de nossas casas. O que de fato estas imagens retratam são elementos sagrados de nossas divindades, especificamente ligadas ao culto ao Orixá Exu e aos exus guardiães de Umbanda. Estes apetrechos nunca pertenceram ao procurado e nem tampouco guardam relação com o satanismo, referência que não faz parte da cosmogonia e mitologia afro.
Trata-se de um vilipendio ao nosso culto e aos nossos valores civilizatórios, sendo, inclusive registrado o Boletim de Ocorrência nº 19925673, Estado de Goiás, Secretaria de Segurança Pública, em 18/06/2021. Quando uma de nossas comunidades é atacada todas se sentem igualmente agredidas. Nossa visão de mundo, nossos princípios e valores civilizatórios merecem respeito. Tamanha violência só se torna possível fundamentada no racismo estrutural presente em nossa sociedade. E por razão deste todos os nossos símbolos e vivencias continuam sendo alvo de diversas violações.
Exigimos que o assédio e violação dos nossos espaços cessem imediatamente com a apuração e responsabilização das forças policiais pelas agressões a nós impostas. Exigimos que os Estado Brasileiro, laico em sua constituição, garanta a liberdade e integridade dos nossos territórios tradicionais, liturgias e referenciais de mundo afro centradas.
Exigimos também que os meios de comunicação de massa param de vincular ideias negativas e criminosas a nossas casas e tradições, inclusive com a divulgação deste manifesto. Apoiamos o esforço policial em consonância com os ditames legais na garantia da segurança de toda sociedade, respeitando toda nossa diversidade, no efetivo cumprimento do dever que lhe é imposto. Por fim, nos solidarizamos com as vítimas e familiares dos acontecimentos brutais tão amplamente divulgados e nos colocamos à disposição para quaisquer esclarecimentos e apoio à toda sociedade.
Que seja feita justiça!
Reparação já!
Águas Lindas de Goiás, 19 de junho de 2021
* Com informações da assessoria da deputada Adriana Accorsi