Caso Vitória: defesa diz que suspeito pode ter sido coagido a confessar;
juristas explicam que ato pode ocorrer sem advogados, mas deve ser espontâneo
Na última segunda (17), a Polícia Civil informou que Maicol Sales dos Santos
confessou voluntariamente ser o autor do crime e que agiu por vingança. Advogado
de defesa afirma que circunstâncias do depoimento podem torná-lo inválido.
Caso Vitória: investigações indicam que jovem assassinada pode ter sido
vítima de um stalker — Foto: Reprodução/TV Globo
Na última segunda-feira (17), a Polícia Civil informou que Maicol Sales dos
Santos, principal suspeito de assassinar a adolescente Vitória Regina de Souza,
teria confessado o crime. Para os delegados responsáveis pelo caso, o crime está esclarecido em relação à
autoria e ao motivo.
Para chegar à confissão, o delegado Fábio Lopes disse que designou um advogado
para acompanhar o interrogatório. “À noite, ele quis confessar o crime. Nesse
impasse, os advogados dele foram embora”, afirmou Luiz Carlos, diretor da
Polícia Civil na Grande SP.
A defesa do suspeito, no entanto, não reconhece a legalidade da confissão, diz
que o depoimento pode ter sido obtido com uso de coação e que não foi informada
previamente sobre a intenção do cliente em se manifestar nesse sentido.
> “Maicol relatou ter sido submetido a forte pressão psicológica, o que pode
> configurar coação. Estamos trabalhando para esclarecer todas essas
> inconsistências e garantir que seu direito à ampla defesa seja respeitado”,
> afirmou ao DE o advogado Flávio Ubirajara.
O defensor disse, ainda, que as circunstâncias da suposta confissão podem
torná-la inválida.
“Segundo as informações obtidas, essa suposta confissão teria ocorrido durante
horário noturno, sem a presença dos advogados constituídos, o que viola o devido
processo legal e os direitos do investigado. Seguimos acompanhando o caso de
perto e tomaremos as medidas cabíveis para que a verdade prevaleça”, contou.
Especialistas ouvidos pelo G1 explicaram que a confissão extrajudicial — na
delegacia, por exemplo — pode até ser feita sem a presença de um advogado
constituído. No entanto, para que seja válida, ela deve acontecer de forma
espontânea e voluntária, sem coação ou induzimento de terceiros.
“De acordo com a 3ª seção do Superior Tribunal de Justiça, a validade da
confissão feita fora de juízo depende da forma como é produzida. Se feita, por
exemplo, no momento da abordagem policial, na rua, na presença de policiais
armados, não terá validade”, apontou Júlia Zonzini, advogada criminalista do
Bialski Advogados.
“A confissão pode ser realizada perante a autoridade policial sem a presença de
um advogado. Contudo, deve ser ratificada em juízo, ou seja, deve ser confirmada
pelo réu no processo judicial, momento em que o réu deve, obrigatoriamente,
estar assistido por advogado”, destacou o advogado Ricardo Yamin, doutor em
Direito pela PUC-SP e sócio do YSN Advogados.
O QUE SE SABE E O QUE FALTA SABER SOBRE O CRIME
O principal suspeito confessou o crime?
O que ele disse no depoimento?
Cabelo e mancha em carro de suspeito são de Vitória?
Ex-namorados têm participação no assassinato?
Há envolvimento do crime organizado?
O que diz o laudo do IML?
Jovem foi vítima de stalker?
Quando Vitória foi vista pela última vez?
Como o corpo foi identificado?
Por que o suspeito foi preso?
O QUE ELE DISSE NO DEPOIMENTO?
A TV Globo teve acesso ao depoimento dado pelo suspeito na segunda. Segundo o
documento, Maicol afirmou que abordou Vitória assim que ela desembarcou do
ônibus e a convidou para entrar no carro. Dentro do veículo, os dois teriam se
desentendido.
Segundo o suspeito, ele então pegou uma faca que estava ao lado do banco do
passageiro e desferiu dois golpes na jovem ainda dentro do carro.
Em seguida, disse ter entrado em desespero, ido para casa buscar uma enxada e
colocado o corpo no porta-malas antes de levá-lo para uma área de mata. No
local, cavou uma cova rasa, retirou as roupas da vítima e abandonou o corpo.
No dia seguinte, relatou ter seguido a rotina normalmente: acordou, foi
trabalhar e, ao retornar, queimou as roupas e descartou a faca usada no crime em
um rio.
CABELO E MANCHA EM CARRO DE SUSPEITO SÃO DE VITÓRIA?
Uma testemunha contou que viu o carro de Maicol perto do local onde a
adolescente desapareceu, no ponto final do ônibus em que ela desceu. O veículo
foi apreendido, e um fio de cabelo encontrado dentro dele passará por exame de
DNA. O resultado ainda não ficou pronto.
A perícia também encontrou no veículo uma mancha que pode ser de sangue. Outro
possível vestígio de sangue foi achado em uma casa que Maicol usava. A polícia
acredita que ela pode ter servido de cativeiro. No entanto, o resultado da
perícia ainda não foi divulgado.
EX-NAMORADOS TÊM PARTICIPAÇÃO NO ASSASSINATO?
Com novas provas que surgiram no caso — além da convicção dos delegados em
relação à autoria —, a polícia reavalia se vai continuar considerando Gustavo
Vinícius, ex-namorado de Vitória, e Daniel Lucas Pereira, morador da região,
como suspeitos. Os dois sempre alegaram inocência.
No início da apuração, um ficante da vítima chegou a ser tratado como
investigado, mas não como suspeito.
Com a confissão de Maicol, a Polícia Civil descarta, neste momento, a
participação de outras pessoas no assassinato.
HÁ ENVOLVIMENTO DO CRIME ORGANIZADO?
No início das investigações, um dos delegados responsáveis pelo caso chegou a
afirmar que havia “grande indício” de participação do crime organizado na morte
de Vitória. Um dos motivos para a hipótese foi o fato de a adolescente ter sido
achada com o cabelo raspado.
“Há um crime de vingança, com certeza”, chegou a afirmar o delegado Aldo
Galiano. Mas esta linha de investigação também está descartada, por ora.
O QUE DIZ O LAUDO DO IML?
Laudo do Instituto Médico Legal (IML) não encontrou sinais de violência sexual
em Vitória. Ainda, segundo a perícia, ela foi morta com três facadas. O
documento pericial foi entregue para a Polícia Civil.
Antes do resultado do exame, a delegacia de Cajamar investigava se Vitoria havia
sofrido algum tipo de abuso. De acordo com o laudo, a vítima apresentava cortes
por faca no tórax, no pescoço e no rosto quando foi encontrada morta.
Segundo os peritos, ela estava com álcool no sangue, mas isso pode caracterizar
“um processo de fermentação característico da putrefação” do corpo. De todo
modo, a polícia ainda apura se alguém a embriagou ou a dopou.
JOVEM FOI VÍTIMA DE STALKER?
A perícia feita no celular do principal suspeito indica que ele acompanhava os
passos de Vitória desde 2024 e pode ter cometido o crime sozinho. No celular de
Maicol, a perícia encontrou também uma coleção de fotos da jovem.
Foram meses desde o ano passado acompanhando a rotina dela. Eles moravam no
mesmo bairro. A hipótese é a de que Maicol seria um stalker — um perseguidor — e
que já estaria há algum tempo planejando o sequestro.
Os investigadores ainda encontraram imagens de outras mulheres com tipo físico
parecido com o de Vitória, extraídas de redes sociais, além de fotos de facas e
de um revólver. Segundo o relatório, Maicol pode ter usado a arma para obrigar
Vitória a entrar no carro dele sem gritar.
QUANDO VITÓRIA FOI VISTA PELA ÚLTIMA VEZ?
Vitória sumiu em Cajamar após sair do shopping onde trabalhava para retornar à
casa dos pais. Câmeras de segurança gravaram o momento em que ela deixou o local
onde trabalhava e caminhou até um ponto de ônibus.
Segundo testemunhas, ela desceu sozinha no ponto final em Ponunduva, bairro da
zona rural de Cajamar, onde morava com sua família. Depois não foi mais vista.
Durante o trajeto, ela chegou a enviar áudios e mensagens para uma amiga
dizendo estar com medo de dois homens em um carro que a assediaram e de outros
dois rapazes que depois entraram com ela no coletivo.
COMO O CORPO FOI IDENTIFICADO?
O corpo da adolescente foi encontrado em 5 de março em uma área de mata em
Cajamar, a cerca de 5 km de distância da casa onde ela morava
com a sua família. Segundo a polícia, o corpo estava em avançado estado de
decomposição.
Parentes da adolescente foram chamados até o local e a identificaram a partir de
tatuagens.
POR QUE O SUSPEITO FOI PRESO?
Maicol Antonio Sales dos Santos, é investigado como sendo o dono do carro
avistado na cena do crime. Ele teve a prisão temporária decretada pela Justiça.
De acordo com a juíza responsável pela prisão de Maicol, há “fortes indícios” de
seu envolvimento no crime, além de terem sido constatadas contradições nos
depoimentos prestados por ele. Além disso, há relatos de movimentações suspeitas
na casa dele na noite em que Vitória desapareceu.
A Justiça autorizou buscas na casa e a quebra de sigilo de dados telemáticos de
dispositivos eletrônicos do suspeito.