Jogo do Milan na Austrália gera debate no futebol italiano: “Ganham milhões para jogar”, diz dirigente
Franceses Rabiot e Maignan já se declararam contrários à partida contra o Como a 13 mil quilômetros do país, mas CEO da liga italiana diz que eles devem “respeitar a vontade do patrão”
Entenda a queda do futebol italiano nas últimas décadas
A negociação em andamento para a realização de um jogo do Campeonato Italiano entre Milan e Como na Austrália, em fevereiro, gerou um debate público no país. Pelo menos dois jogadores do Milan, os franceses Adrien Rabiot e Mike Maignan, e o técnico da Lazio, o italiano Maurizio Sarri, já demonstraram insatisfação com a ideia. As críticas, porém, receberam dura resposta do CEO da liga italiana, Luigi de Siervo: “Ganham milhões para jogar”.
O volante Rabiot foi o primeiro a reprovar a possibilidade de viajar 13 mil quilômetros para disputar uma partida em Perth, no Oeste australiano, alegando que o deslocamento não faz sentido em um momento em que o futebol discute seriamente a questão do calendário e da saúde dos jogadores.
“Isso é totalmente louco. Sei que há acordos econômicos para dar visibilidade ao campeonato, mas tudo isso está além da nossa compreensão”, afirmou o francês. A questão dos calendários, da saúde dos jogadores, é muito discutida, e parece uma loucura viajar tantos quilômetros para jogar uma partida entre duas equipes italianas na Austrália. Mas temos que nos adaptar. Como sempre – Adrien Rabiot, volante francês do Milan
Questionado sobre a opinião do francês, De Siervo tratou o volante do Milan como um empregado que “deve aceitar a vontade do patrão”.
“Rabiot tem razão, nós tomamos decisões acima dele. Mas ele esquece, como todos os jogadores que ganham milhões de euros, que eles são pagos para exercer uma profissão: jogar futebol. Ele deveria respeitar o dinheiro que ganha, aceitando assim a vontade do seu patrão, que é o Milan”, afirmou o dirigente à imprensa italiana na última semana.
De Siervo defendeu a transferência da partida como um “pequeno sacrifício” em prol da visibilidade internacional da liga italiana.
“Espero que os torcedores, que se preocupam com o futuro do futebol italiano, entendam que esses pequenos sacrifícios trarão benefícios a médio e longo prazo.”
Neste domingo, em entrevista coletiva com a seleção da França, o goleiro Mike Maignan, também do Milan, apoiou o colega de time.
“Sobre o que disse Rabiot, eu estou totalmente de acordo com ele. Hoje em dia se pensa muito no aspecto financeiro, mas esquecemos algumas coisas. É uma partida do Campeonato Italiano, não entendo por que vai ser disputada no exterior”, disse Maignan, destacando também que o Milan, mandante da partida pela 24ª rodada, não poderá usar a vantagem de jogar no San Siro na busca pelos três pontos.
“Vamos perder o fator casa. Nossos objetivos são altos e não podemos deixar nada ao acaso”, completou.
Para o técnico da Lazio, Maurizio Sarri, a resposta do CEO da liga italiana foi “desagradável”, por colocar a questão financeira acima da esportiva.
“Rabiot tem razão, o dinheiro não justifica tudo. A resposta (de Luigi de Servio) foi desagradável, assim como a menção ao aspecto econômico. Rabiot poderia responder que o dinheiro nem seria pago pela Liga se ele não entrasse em campo todos os domingos para jogar”, comentou o treinador italiano.
Supercopas da Espanha e da Itália já são no exterior
Os jogos de campeonatos nacionais europeus em outros países se tornaram tema de debate neste início de temporada. O Campeonato Espanhol foi o primeiro a levantar essa hipótese, negociando um jogo do Villarreal contra o Barcelona para ser disputado em Miami, nos Estados Unidos, no dia 20 de dezembro. Agora, é a Itália quem adota a sugestão.
Os dois países já organizam suas Supercopas no exterior. A Itália foi pioneira com uma final nos Estados Unidos, em 1993, e depois um jogo na Líbia, em 2001, e de novo nos EUA, no ano seguinte. A partir de 2009, a Supercopa da Itália já foi realizada na China, Catar e, recentemente, Arábia Saudita, com apenas cinco edições “domésticas” neste período – a última em 2021, em Milão. A Supercopa da Espanha começou a ser disputada fora em 2018, no Marrocos, e depois foi para a Arábia Saudita, com apenas uma exceção, a de 2021, realizada no país.
Retirar uma partida de liga nacional, no entanto, levantou novas críticas, inclusive sobre a questão do equilíbrio esportivo, já que o time mandante perderia o fator casa na rodada em questão. Esta foi a base, por exemplo, da reclamação feita pelo Real Madrid quando a liga espanhola decidiu levar Villarreal x Barcelona para os EUA, onde o Barça certamente terá grande apoio da torcida em uma partida “como visitante”.
Em nota divulgada em agosto, o Real defendeu que “para garantir a integridade da competição, todas as partidas deveriam ser disputadas em igualdade de condições” e que as consequências da mudança do jogo para os EUA “seriam tão graves que marcariam um ponto de virada para o mundo do futebol”.
Uefa aprova jogos no exterior “com relutância”
Na última semana, a Uefa aprovou, “com relutância”, os pedidos da espanhola LaLiga e da italiana Serie A para as transferências das partidas para o exterior. A confirmação das partidas depende, também, da autorização da Fifa e das federações locais, a dos Estados Unidos, no caso de Villarreal x Barcelona, e a da Austrália, para Milan x Como.
A Uefa iniciou a nota oficial sobre a aprovação dos pedidos dizendo que “reitera sua clara oposição à realização de jogos das ligas nacionais fora dos seus países de origem”. Na sequência, a Uefa reforça o “caráter excepcional” da medida.
“Após a reunião do seu Comité Executivo em Tirana, no mês passado, a Uefa realizou novas consultas com as partes interessadas para avaliar a extensão das implicações da questão, na sequência dos pedidos recebidos das federações nacionais de futebol espanhola e italiana. Essa consulta confirmou a generalizada falta de apoio já manifestada por torcedores, outras ligas, clubes, jogadores e instituições europeias em relação à ideia de jogos das ligas nacionais serem transferidos para o estrangeiro”, diz um trecho do comunicado.
“No entanto, dado que o quadro regulamentar relevante da Fifa – atualmente em revisão – não é suficientemente claro e detalhado, o Comité Executivo da Uefa tomou, com relutância, a decisão de aprovar, a título excecional, os dois pedidos que lhe foram apresentados”, completou a Uefa.