Todos os dias pelo menos três crianças ou adolescentes fogem de casa e tornam-se vulneráveis a diversas formas de violência nas ruas de Goiânia. Estes são números notificados à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), conforme a delegada Marcela Orçai. Apesar da estatística revelar uma diminuição dos casos de exploração sexual de crianças e adolescentes em 2020 em comparação com 2019, a titular da DPCA não comemora. “Sabemos e estamos muito preocupados com isso, porque sabemos que há uma subnotificação dos casos por causa da pandemia”. Estima-se que no Brasil apenas 10% dos casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes sejam notificados. O Brasil ocupa o 2º lugar neste ranking. “Eu não encaro com felicidade a redução dos números. Temos provas da subnoticação por conta do fechamento das escolas”.
É que na escola, assim como nos serviços de atenção básica de saúde, que muitas vezes a violência é descoberta e denunciada e a vítima atendida por uma rede de proteção formada por serviços da área da educação, saúde, assistência social e segurança pública, responsáveis por articular ações para garantir os direitos da criança e do adolescente.
Estrutura
Outra preocupação da delegada Marcela Orçai é com a estrutura da DPCA. “Não temos estrutura necessária para apurar todas as denúncias que chegam. Nossa demanda hoje é principalmente estrutural”. É neste cenário que ela lembra do desaparecimento de pelo menos 3 menores por dia na capital. É preciso apurar cada caso. A maioria é fuga do lar por diversos motivos. O principal é a violência. E para fugir da violência em casa, a criança ou o adolescente coloca-se em risco nas ruas. Todo caso é urgente. “Fica sujeito a todos os crimes que podem ocorrer nas ruas. Então, por exemplo, uma menina de 16 anos foge de casa não vamos investigar? Vamos sim. É preciso. Ela pode ser submetida a prostituição, a qualquer crime de exploração sexual nas ruas”.
Ex-titular da DPCA, a deputada estadual delegada Adriana Accorsi (PT) promoveu audiência pública por ocasião do Dia Nacional de Combate a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, dia 18 de maio, e disse que irá apresentar emenda para destinar recursos para melhorar a estrutura da delegacia. Para tal, solicitou que Marcela Orçai faça e encaminhe um estudo do que é necessário melhorar na estrutura da DPCA.
A falta de estrutura para o atendimento adequado às vítimas de violência na infância e na adolescência não é exclusiva da delegacia especializada. É o que revela Bruna Xavier, da Defensoria Pública, que também faz parte da rede de proteção. Segundo ela, os seis Conselhos Tutelares de Goiânia são precários. “Nenhum tem ar condicionado, o mobiliário é bem precário”, lembra. Além disso, faltam carros para que os conselheiros possam averiguar todas as denúncias que chegam.
Goiânia esquizofrênica
Além de não ter instalações físicas adequadas no atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência, muito se avançou neste sentido com a criação de salas especiais separadas para o atendimento e acolhimento a este público em hospitais e demais serviços de atendimento formados pela rede de proteção para evitar a revitimização de quem já sofreu a violência.
Apesar do avanço, a otimização no atendimento e acolhimento às vítimas seria possível com a unificação dos serviços de atendimento às crianças e adolescentes nesta situação. Para a coordenadora da Rede de Proteção, Railda Gonçalves Martins, Goiânia está dividida esquizofrenicamente. São seis regionais da Rede: Sul, Oeste, Leste, Sudoeste, Norte, Nordeste e Campinas. Na área da educação são cinco regiões na capital. Seis Conselhos Tutelares. “A assistência social é dividida, mas não oficialmente. O ideal seria que todos os serviços fossem divididos no mesmo número de áreas de atuação”.
Segundo ela, é preciso entender o território, compreender como é que funcionam os serviços daquela região para poder levar atendimento necessário à criança e ao adolescente, acompanhando com dados precisos os casos. Isso não ocorre hoje, apesar os profissionais altamente responsáveis. É que nem sempre, por falta da uniformidade nesta coleta de dados, as informações chegam a tempo para que a rede possa agir. “A gente (os atores que formam a rede) precisa nos organizar para que as regionais dos serviços consigam se articular e fazer um atendimento melhor.
Como denunciar
Em caso suspeito de crimes de violência ou abuso sexual contra crianças e adolescentes, a pessoa pode denunciar pelo Disque 100 ou ainda para a PM (190), Polícia Rodoviária Federal (191) ou ainda para a Polícia Civil, pelo 197.
*Rosana Melo, especial para o Diário do Estado