Neste dia 13 de setembro, o acidente radioativo de Goiânia completa 30 anos. Para quem não se lembra, nesta mesma data, no ano de 1987, duas pessoas que coletavam lixo encontraram, ao vasculharem o abandonado Instituto Goiano de Radioterapia, um aparelho radioterápico abandonado. Ao abrirem o equipamento, os trabalhadores se impressionaram com o brilho azul emitido por uma substância mortal: o césio-137.
Encantados com o pó fluorescente, alguns moradores da região levaram-no para casa, o que fez com a área de risco e contaminação aumentasse em poucos dias e atingisse o raio populacional de 120 mil pessoas. Os sintomas da exposição direta ou indireta apareciam nas primeiras horas. As vítimas apresentavam diarreia, náusea e tontura. À época, os enfermos foram diagnosticados como portadores de doença contagiosa.
Dias se passaram para que os médicos realizassem o diagnóstico correto e conseguissem descobrir um tratamento para a Síndrome Aguda de Radiação. O estrago, contudo, já estava feito. A primeira vítima fatal da tragédia foi também a mais emblemática. Depois de brincar com o pó brilhoso, Leide das Neves, de apenas 6 anos, ingeriu, acidentalmente, partículas do césio misturadas com um alimento.
A morte da criança foi simbólica e obrigou o Governo de Goiás a agir. Em 1987, foi criada a Fundação Leide das Neves (Funleide), com a atribuição de atender 129 pacientes. Após a edição da Lei nº. 14.226/2002, surgiu a Superintendência Leide das Neves (Suleide) e o atendimento estendeu-se aos vizinhos de área contaminada, filhos e netos dos pacientes atingidos diretamente pela radiação e também contaminados pelo Césio-137. Trabalhadores envolvidos na descontaminação geral, como policiais militares, bombeiros, servidores da Secretaria de Saúde do Estado também passaram a ser a ser auxiliados pela Suleide.
Alento
No ano de 2011, o trabalho de acompanhamento e assistência das vítimas do trágico episódio passaram a ser atribuição do Centro de Assistência aos Radioacidentados (Cara). Segundo o diretor, André Luiz de Souza, o órgão é uma unidade de saúde multidisciplinar que atende, exclusivamente, pacientes radioacidentados. De acordo com Souza, o CARA presta auxílio “na área médica, psicossocial, odontológica, enfermagem e outros. Disponibiliza ainda, abertura de processos administrativos e atendimento de demandas de processos judiciais de concessão de pensões estaduais ou federais, quando solicitadas na forma legal”.
A unidade é o recurso que muitos encontraram para tentar amenizar a dor causada pela tragédia. Segundo dados do Centro de Assistência aos Radioacidentados, 540 pessoas estão aposentadas pelo Estado de Goiás. Outras 250 conseguiram o benefício por meio do Governo Federal. 127 vítimas têm direito às duas aposentadorias. André de Souza explica que “o número tende a oscilar devido a morte e interferência judiciária”.
Para iniciar o processo para adquirir auxílio financeiro do Estado, o cidadão deve apresentar ao Cara um registro de envolvimento com o acidente radiológico. Segundo o diretor, muitas pessoas reclamam de descaso, mas não contam com esta documentação e procuram outras vias para serem contemplados pela previdência: “Quando o cidadão vem ao Cara, ele apresenta o motivo do requerimento de aposentadoria ou benefício. Não existindo registro de envolvimento com o Césio, a maioria recorre à Justiça”.
Mais do que uma unidade de assistência médica e social, o Cara se firmou como um combatente aos preconceitos que atingem vítimas da radiação. Uma delas é Silvia Nunes Borges, paciente da instituição. Borges viu a casa em que cresceu ser demolida em 1987, quando tinha apenas 8 anos, por conta da contaminação radiológica. Ela relata que, mesmo morando fora de Goiás, foi alvo de olhares preconceituosos: “Morei cinco anos no Pará. Quando falo que fui vítima do Césio-137, as pessoas assustam e parecem nem acreditar. Isso não é só no Pará. Aqui em Goiânia há pessoas que miram com esse olhar”, revela.
Memórias
Na época da tragédia, os olhos do Brasil estavam voltados para Goiânia. O episódio foi motivo de comoção nacional. Em todo o território nacional, pessoas se solidarizaram com a dor que sofria a capital goiana, outras, inclusive, foram voluntárias e vieram a Goiás para contribuir. Ênio Freire é engenheiro e trabalhou na demolição de prédios e estruturas irradiadas pelo Césio-137 e relembra a chegada dos advindos de outras regiões do país: “A presença voluntária de intelectuais e artistas em visitas motivacionais às equipes de trabalho e locais de confinamento radioativo de pacientes. Chegavam de várias partes do Brasil, trazendo afeto e esperança”, conta.
Emocionado, Freire lembra que sua amada Goiânia sofreu também com preconceito ao redor do país, mas destaca que os voluntários e artistas ajudaram na desconstrução da imagem negativa da cidade: “Ajudaram na fase de rejeição do Estado de Goiás, seu povo e seus produtos, em função do acidente. O compositor Moacir Franco fez uma música para levantar o moral do povo goiano: Eu amo Goiânia… Goiânia me ama. Tocava o dia todo, no Brasil inteiro. Ajudou bastante”, afirma.
O senhor Ênio Freire diz que prefere manter as boas reminiscências para apagar o fantasma vivido na época. Mesmo com o medo nas ruas, o engenheiro revela que nunca olhou diferente para pessoas irradiadas. No exemplo de Freire, o diretor do CARA alega que a unidade tem atuado para quebrar preconceitos: “Ninguém vai pegar radiação por estar ao lado de uma das vítimas. Existe uma preocupação na secretaria em desmistificar a questão”, garante.
Hoje, o maior acidente radiológico do mundo tem quase três décadas. Entretanto, as cicatrizes jazerão para sempre na história de Goiânia. Resta ao Estado cuidar da assistência das vítimas e cabe à população fiscalizar tais ações, além de acolher as pessoas que mais sofreram com a irresponsabilidade dos mantenedores do Instituto Goiano de Radioterapia.