Com força da cooperativa, polvilho do Cará pode receber título de indicação geográfica

Um dos derivados da mandioca produzido em Goiás pode ser reconhecido como único no Brasil. Processo junto ao INPI ainda neste ano. (Foto: Breno Lobato/Embrapa)

O polvilho produzido na região do Cará, em Bela Vista de Goiás, pode receber o título de  indicação geográfica em breve. O processo de reconhecimento do produto está sendo montado pela Cooperativa Mista dos Pequenos Produtores de Polvilho e Derivados da Mandioca da Região do Cará (Cooperabs) e deve ser remetido ainda neste ano ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O modelo de negócio criado há quase 70 anos conseguiu quadruplicar o número de cooperados, ajuda a movimentar a economia do estado e inibe o êxodo rural.

 

Na prática, o registro reconhece o local de origem do produto e garante a reputação, a identidade própria e o diferencia dos similares disponíveis no mercado. O açafrão do município de Mara Rosa e a prata de Pirenópolis já possuem o “selo”. Internacionalmente, o champanhe da França é o mais famoso. O polvilho produzido no Cará ganhou fama ao longo do tempo pela qualidade para receitas como biscoito, se tornou renda para dezenas de famílias da cidade e ainda impulsiona o crescimento de Bela Vista. A plantação, colheita e todas as etapas necessárias para conseguir o alimento são feitos por 84 cooperados.

 

“Tivemos que fazer uma extensa pesquisa histórica sobre o nosso polvilho para montarmos um dossiê. Contamos com a ajuda do IF [Instituto Federal] Goiano de Hidrolândia, do próprio Ministério da Agricultura e do Sebrae [ Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas]. Não sabemos quando teremos uma resposta do INPI. A documentação está 80% pronta. A nossa marca [Produtos Cará] levou dois anos para ser homologada após protocolarmos o pedido. O título nos ajudará na divulgação e agregará valor, ou seja, podemos conseguir melhor preço porque será reconhecido em todo o mundo”, explica o presidente da cooperativa, José Neto.

 

José acredita que a indicação geográfica pode deixar o produto ainda mais competitivo e ainda favorecer outros setores da economia, além de estimular o desenvolvimento sustentável. O título permitiu que a região de Canastra, em Minas Gerais, tivesse o turismo e a gastronomia aquecidos com o queijo feito em torno da serra que leva o mesmo nome. O presidente vislumbra a possibilidade de incluir o passo-a-passo da produção do polvilho como atrativo cultural e gastronômico no Caminho dos Ipês – trilha de caminhada e ciclismo com mais de 200 quilômetros na zona rural de Bela Vista de Goiás.

 

De acordo com ele, a produção atual é de 60 toneladas de polvilho por mês. A maior parte vai para o Distrito Federal, embora outros estados também façam pedidos dos Produtos Cará. Neto afirma que o grupo chegou a comercializar 80 toneladas somente para instituições como a Fundação Nacional do Índio (Funai), que adquiriu o derivado da mandioca durante a pandemia de covid-19 para encaminhar a índios na região do Xingu, no Mato Grosso.

 

Identidade

 

Bela Vista é reconhecida como a maior produtora de mandioca no estado de Goiás. São mais de 700 hectares plantados com essa raiz. Conforme dados da Secretaria de Agricultura de Goiás (Seapa), a planta apresentou um crescimento de 15% em área plantada  em 2021 e totalizou mais de 180 mil toneladas em todo o estado. Popular no Brasil, ela é apresentada em preparações salgadas, mas os produtores inovaram e elaboraram a primeira cachaça da planta em nível estadual. A criatividade se estende à cervejaria Goyaz, que usa o ingrediente para fazer a cerveja Colombina. No rol dos Produtos Cará há não apenas o polvilho, mas também mandioca ralada, tapioca, farofa, farinha e mandioca congelada.

 

“Essa potencialidade [da produção de mandioca em Goiás] se deve em 98% aos produtores da cooperativa da região do Cará. Temos essa tradição. Somos muito unidos. Temos esse espírito cooperativista muito forte e influenciou toda a cidade. A mandioca se tornou referência no município. Nosso trabalho conjunto reduziu o êxodo rural. As pessoas agora trabalham por aqui. Antes, ninguém tinha curso superior e já somamos mais de 24 pessoas com a graduação finalizada ou prestes a concluir. A cooperativa mudou a região e tem criado oportunidade para as pessoas”, destaca.

 

Esse modelo de negócio, que se tornou bem sucedido, geralmente começa “pequeno”, se estrutura e expande. Goiás tem mais 235 cooperativas em atividade, sendo 13 delas com faturamento ou ativos totais bilionários. O número faz do estado o sexto em um ranking nacional. A meta da Organização das Cooperativas do Brasil no estado (OCB-GO) é alcançar metas ousadas até 2027: 600 mil cooperados (atualmente são 400 mil) e alavancar o faturamento para  R$ 50 bilhões (acima do dobro do atual, que é de R$ 22 bilhões). Nessa perspectiva, esse modelo de negócio já representa 10% do Produto Interno Bruto (PIB) goiano.

 

A coparticipação nos lucros, a orientação técnica, a valorização do trabalho e maior chance de negociação vantajosa com produtores estimulam os cooperados a se unirem ainda mais. Neto prefere não divulgar o faturamento, mas os números devem acompanhar os divulgados pela OCB. O levantamento mais recente aponta que a representatividade da receita das cooperativas aumentou 47,7% em 2021 comparado ao ano anterior.

 

Repercussão

 

O efeito cascata incentivou a prefeitura de Bela Vista a criar um evento voltado para a raiz, que é o “carro-chefe” da economia local. A primeira edição do Festival da Mandioca, em abril deste ano, teve público de aproximadamente 15 mil pessoas interessadas em conhecer o trabalho dos produtores, aproveitar a programação cultural e experimentar iguarias feitas com o alimento. Um dos destaques foi a coxinha feita com a massa à base da planta. 

 

A prefeita de Bela Vista, Nárcia Kelly, destaca a parceria com o governo de Goiás como fator fundamental para o sucesso da produção da planta no município. Para a gestora, a mandioca representa a valorização da mulher e do homem que trabalham no campo para trazer sustento às suas casas.  “Significa muito para a comunidade, significa que aquela luta que se iniciou lá na década de 50 valeu a pena”, frisa.

🔔Receba as notícias do Diário do Estado no Telegram do Diário do Estado e no canal do Diário do Estado no WhatsApp