Como a temperatura subiu 1,8°C nas últimas décadas no Ceará, um dos estados mais afetados pelo calor extremo
Estudo da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) mostra que houve um aumento médio de 0,3°C a cada década no estado. Pesquisadores apontam aquecimento global, desmatamento e urbanização como causas.
Ceará enfrenta aumento da temperatura do ar. — Foto: Getty Images via BBC
Que o Ceará está mais quente, dá para sentir na pele – literalmente. Mas, uma pesquisa da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) colocou em números o aumento alarmante da temperatura no estado.
Ao longo dos últimos 63 anos, de 1961 a 2023, a temperatura no Ceará aumentou em 1,8°C. O valor é superior à média global de 2024. Os dados foram divulgados pela em estudo sobre a tendência da temperatura do ar no estado.
De acordo com Francisco Vasconcelos Junior, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo, esse “aquecimento resulta de um conjunto de fatores interligados, com destaque para o aquecimento global, o desmatamento e a urbanização”. Em resumo, houve um aumento médio de 0,3°C a cada década no estado.
Já o ano mais quente registrado no Ceará foi 2021. Ainda não é possível saber qual foi o dia mais quente, mas 21 de abril de 1998 se destaca. Na data, todo o estado apresentou temperaturas máximas extremas.
Confira os principais resultados da pesquisa:
– 1983, 1993, 1998, 2016 e 2021 são anos de destaque, pois tiveram temperaturas médias elevadas sob o efeito de El Niño (com exceção de 2021 que foi um ano de La Niña)
– Dentre os anos citados, 1998 foi marcado por 15 eventos de ondas de calor, cuja máxima abrangência de área (100%) ocorreu no dia 21 de abril. Ou seja: neste dia, todo o estado apresentou temperaturas máximas extremas
– O maior período de temperaturas elevadas ocorreu também em 1998, com 33 dias consecutivos (6 de abril a 8 de maio)
– As maiores intensidades dos eventos de onda de calor no Ceará foram de 37,1°C, 36,9°C, e 36,6°C em outubro de 1997, dezembro de 2019, e em outubro de 2023, respectivamente.
– Há um aumento significativo de ondas de calor ao longo dos anos no CE e esses eventos estão se tornando mais concentrados em termos de abrangência de área no estado
– As regiões central e sul do estado, principalmente na parte noroeste do Sertão Central e Inhamuns, “sofrem” mais com as ondas de calor. Há menos impacto no litoral, devido à proximidade com o oceano, embora ele também apresente um aumento da quantidade de dias com ondas de calor nas últimas décadas.
– Além da sensação de calor, o aumento de frequência das ondas de calor pode ter impactos significativos em setores como a produção agrícola, recursos hídricos, saúde pública, economia e ecossistemas naturais.
O pesquisador Francisco Vasconcelos Junior adianta que a redução desses impactos pode ser alcançada com abordagens adaptativas, como aumentar a resiliência hídrica, agrícola e urbana.
Até que essas iniciativas sejam implementadas e tenham resultados, o estado vai continuar sofrendo com o aumento das temperaturas. Francisco analisa que a tendência a médio prazo (5-10 anos) é de contínuo acréscimo das temperaturas média e máxima (…)
“Os efeitos das mudanças no clima locais estão associados às mudanças globais também, pois o sistema climático terrestre é todo interligado. No Ceará, já foi observado o aumento da temperatura média, redução das chuvas em algumas áreas e intensificação da variabilidade climática, desertificação e degradação do solo. Além disso, também já foram observados aumento do nível do mar já com impacto sobre municípios de Icapuí, Beberibe, Fortaleza e Caucaia, por exemplo.”, comentou o pesquisador.
LOCALIZAÇÃO DEIXA CEARÁ MAIS VULNERÁVEL
O desmatamento, a emissão de gases do efeito estufa, entre outros, são alguns dos fatores responsáveis pelas mudanças climáticas que ocorrem em todo o mundo.
Para se ter ideia, o mês de janeiro deste ano foi o mais quente já registrado no mundo, segundo um observatório europeu. E o ano de 2024 foi marcado como o mais quente da história da Terra. Ao todo, mais de 6 milhões de brasileiros enfrentaram pelo menos 150 dias de calor extremo.
No Ceará, 19 cidades foram afetadas:
– ARATUBA: 185,4918
– CANINDÉ: 185,4918
– ITAPIÚNA: 185,4918
– CAPISTRANO: 184,4945
– MULUNGU: 184,4945
– BATURITÉ: 182,5
– ARACOIABA: 179,5082
– CARIDADE: 178,5109
– GUARAMIRANGA: 178,5109
– CHORÓ: 176,5164
– QUIXADÁ:172,5273
– PACOTI: 171,5301
– REDENÇÃO: 162,5546
– IBARETAMA: 160,5601
– MARANGUAPE: 159,5628
– BARREIRA: 157,5683
– PENTECOSTE: 157,5683
– APUIARÉS: 150,5874
– PARAMOTI: 150,5874
O professor Marcelo Soares, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), adiciona outro detalhe importante para esta equação: além de sofrer pela ação humana, o Ceará está localizado em uma região equatorial (próximo à Linha do Equador). Ou seja, a localização geográfica do nosso estado também o deixa mais vulnerável às mudanças climáticas globais.
As mudanças estão afetando todo o nosso planeta, porém existem regiões mais vulneráveis. O Ceará é uma das regiões mais vulneráveis do planeta, não só do ponto de vista do aumento da temperatura, mas devido aos altos índices de desigualdade social, pobreza e miséria”, ponderou Marcelo.
O professor também aponta para outro problema: além da elevação da temperatura do ar, o mar do Ceará também está “esquentando”. “Nos últimos 50 anos, a gente detectou o aumento da temperatura do mar em mais de 1°C”.
O cenário pode parecer devastador… e é mesmo. Porém, na opinião do especialista Marcelo Soares, ainda é possível contornar o problema. É preciso, no entanto, ter pressa para realizar a mudança e fazer grandes transformações. Isso porque o planeta tem só cinco anos para reduzir drasticamente as emissões de carbono. Ações como realizar uma transição energética para as energias renováveis, controle do desmatamento, melhorias nas cidades para enfrentar secas e inundações, entre outros, são urgentes.
Se a gente parasse agora a emissão de carbono, a gente ainda teria impacto das mudanças climáticas nos próximos 50, 100 anos (…) É possível mudar? É! Só que tem que ter muita pressa em fazer a mudança para que a gente possa salvar as próximas gerações, principalmente. E que pressione os governantes para que a gente possa fazer ações nesse sentido.
— Marcelo Soares, do Labomar UFC
Além de incomodar, o calor extremo pode trazer prejuízos para a produção agrícola, recursos hídricos, saúde pública, economia e ecossistemas naturais – é o que também aponta a pesquisa da Funceme.
Na produção agrícola, as temperaturas extremas podem causar estresse nas culturas, reduzindo a produtividade e afetando a qualidade das colheitas.