Como controlar facções criminosas no Brasil: caminhos e estratégias.

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Crime organizado: quais os caminhos para o Brasil controlar facções?

Professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani aponta os caminhos na segurança pública e no desenvolvimento econômico para controlar as facções. Já Pierpaolo Bottini, advogado e professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP, explica como uma das maneiras mais eficientes de combater o crime organizado é atuando para asfixiar economicamente as facções.

Dados do Ministério da Justiça apontam que 88 facções criminosas atuam no Brasil. As maiores delas são o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), facção que foi alvo da megaoperação policial na terça-feira (28), quando 121 pessoas morreram, entre elas 4 policiais.

Essas facções criminosas estão presentes no cotidiano de 28,5 milhões de pessoas, segundo uma pesquisa Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada no dia 16 de outubro. Os dados dessa pesquisa revelam que facções criminosas e milícias estão presentes no cotidiano de 19% dos brasileiros com 16 anos ou mais – no ano passado, esse percentual era de 14%.

Grupos que não se limitam mais ao tráfico de drogas e alargaram seus tentáculos para a economia formal, no sistema financeiro, em postos de gasolina e até em lojas de brinquedos.

MAS QUAIS OS CAMINHOS PARA O BRASIL CONTROLAR FACÇÕES?

Para responder a esta pergunta, Natuza Nery recebeu dois convidados no podcast O Assunto da sexta-feira (31): Rafael Alcadipani e Pierpaolo Bottini.

Professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Alcadipani apontou os caminhos na segurança pública e no desenvolvimento econômico para controlar as facções.

Advogado e professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP, Pierpaolo Bottini explicou como uma das maneiras mais eficientes de combater o crime organizado é atuando para asfixiar economicamente estes grupos criminosos. OUÇA NO PLAYER ACIMA.

Alcadipani explica que parte importante da resolução desse problema passa pela profissionalização das polícias.

> “É importante criar uma governança da gestão das polícias para fazer com que o profissionalismo prevaleça”, afirma.

Ele chama atenção ainda para a influência política nas estruturas das forças de segurança:

> “Hoje, em muitas forças policiais, vale mais a pena você ser amigo de um deputado para ser promovido ou ser amigo de um deputado para ocupar uma posição de liderança do que desenvolver boas operações policiais ou boas investigações”, diz Alcadipani.

Para Alcadipani, também é necessário:

– combater a corrupção estrutural, inclusive no Estado;
– retirar infratores do crime, com monitoramento que inclui oferecer oportunidades de trabalho e estudo;
– educação e desenvolvimento econômico igualitário;
– coordenação nacional da segurança pública sem dividir governo e oposição.

Segundo o especialista, a falta de governança facilita a infiltração criminosa e a expansão das facções. “Corrupção é um problema que faz com que o crime não seja enfrentado como deveria”, afirma.

Outra dimensão do problema envolve o sistema penal brasileiro — “no Brasil a gente não consegue retirar o sujeito da carreira do crime”, diz Alcadipani.

O professor da FGV sugere que o país adote um modelo de condicional, similar ao usado nos Estados Unidos e na Europa, onde um indivíduo pego cometendo uma primeira infração, como roubo ou furto, seja acompanhado de perto por um agente do Estado. Esse acompanhamento forçado visa obrigar a pessoa a estudar, trabalhar e “encontrar outros caminhos para a vida dele”, sob pena de ser preso, buscando uma mudança de vida.

EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Alcadipani também explica que a solução para a segurança pública depende de desenvolvimento econômico. Para ele, a principal ferramenta de prevenção está no desenvolvimento socioeconômico, especialmente em áreas vulneráveis dominadas pelo crime.

> “O maior antídoto contra um criminoso é educação e desenvolvimento econômico”, defende o professor.

A segurança deve ser vista de forma múltipla, e não apenas pela chave da polícia.

AUTORIDADE ANTIMÁFIA

Para que as estratégias funcionem, o Brasil precisa superar a desarticulação e a falta de confiança entre as múltiplas agências de segurança. Alcadipani defende a criação de uma “autoridade nacional antimáfia”, inspirada na experiência da Itália, para articular os esforços e o compartilhamento de informações.

No entanto, o maior obstáculo para essa integração é o impasse político, como ele avalia. A discussão sobre uma coordenação nacional da segurança pública divide governo e oposição, gerando uma disputa ideológica que impede o avanço.

> “Não adianta cada um remar para um lado, porque o barco vai continuar parado”, conclui Alcadipani.

SEGUIR O RASTRO DO DINHEIRO SUJO

Para além das medidas diretamente ligadas à segurança pública, o advogado Pierpaolo Bottini explica que combater a lavagem de dinheiro é uma maneira de asfixiar o crime organizado.

Para o professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP, a forma mais eficiente de desestruturar organizações criminosas é identificar os recursos que elas produzem e usam para se retroalimentar.

> “Se você bloqueia esses recursos, se você tranca o fluxo desses recursos, elas não têm condições mais de pagar os seus funcionários, de pagar os funcionários públicos que eventualmente auxiliam nas suas atividades. E isso de verdade enfraquece essas organizações criminosas.”

É por isso, que, para Bottini, a tática do “siga o dinheiro” é eficaz para controlar facções criminosas.

> “A velha máxima de seguir o dinheiro continua em vigor. Identificar esses recursos, confiscar esses recursos é a forma mais eficiente de combater as organizações criminosas.”

E QUAL MEDIDA SERIA CAPAZ DE ENFRAQUECER ESTRUTURAS DO CRIME?

Para Bottini, a resposta está em conectar órgãos que têm dados necessários para fazer o rastreamento de dinheiro, como a Receita Federal, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e órgãos de investigação.

Bottini cita como exemplo a Operação Carbono Oculto, realizada contra o PCC (Primeiro Comando da Capital) até hoje. Quinze dos alvos da operação eram sócios de ao menos 251 postos de combustíveis em quatro estados do país.

Deflagrada em agosto, a Carbono Oculto teve como alvos mais de 350 pessoas e empresas suspeitas de ajudar o PCC a esconder o dinheiro obtido nos crimes – prática conhecida como lavagem de dinheiro.

> “A gente viu isso sendo efeito na operação Carbono Oculto, que identificou uma série de fundos usados pelo crime organizado para se financiar, bloqueou esses fundos, identificou instituições financeiras.”

O debate sobre como combater o crime organizado.

O Assunto é o podcast diário produzido pelo DE, disponível em todas as plataformas de áudio e no YouTube. Desde a estreia, em agosto de 2019, o podcast O Assunto soma mais de 168 milhões de downloads em todas as plataformas de áudio. No YouTube, o podcast diário do DE soma mais de 14,2 milhões de visualizações.

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