Conversas desconfortáveis sobre racismo no futebol: reflexões necessárias

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Conversas desconfortáveis com um homem negro

Luighi, um garoto de 18 anos que sonha com o sucesso no futebol, se viu obrigado
a carregar todas as atribuições que não deveriam ser dele por simplesmente ser
negro.

Luighi, do Palmeiras, comenta ataques racistas sofrido no Paraguai
[https://s01.video.glbimg.com/x240/13401396.jpg].

Emmanuel Acho é um homem negro retinto, filho de imigrantes nigerianos, nasceu e
cresceu em Dallas, no Texas, foi um famoso jogador de futebol americano e
atualmente é um dos mais respeitados comentaristas esportivos dos Estados
Unidos.

O título do meu texto é o mesmo usado na obra escrita por ele em junho de 2021,
logo após a morte de George Floyd. Na obra, o convite é acolhedor para todos
aqueles interessados em conhecer mais sobre tudo o que as pessoas negras são
submetidas diariamente.

De desigualdade a violência, passando por discriminação e humilhação pública,
simplesmente por terem nascido com a pele escura. No entanto, o foco da minha
conversa é o desconforto do dedo na ferida, mais uma vez exposta em um novo
crime racial no futebol. Podemos conversar?

É sempre desconfortável falar de racismo. O preconceito é desconfortável. Não
pense que é prazeroso escrever sobre ou mesmo estar em frente às câmeras,
diariamente, para falar de um tema que nos deixa com a cabeça a mil e que
dispara centenas de gatilhos a cada desabafo, mas, como diz Gwendolyn Brooks, no
poema “Cartilha para negros”:

A palavra negro tem poder geográfico,
atrai todo mundo:
negros de perto…
negros de longe…
negros onde quer que estejam.

Luighi, do Palmeiras, chora ao sofrer racismo na Conmebol Libertadores
Sub-20 — Foto: Reprodução

Luighi, do Palmeiras, chora ao sofrer racismo na Conmebol Libertadores Sub-20 —
Foto: Reprodução.

Em Assunção, no Paraguai, mais uma vez a palavra negro estava no centro das
atenções, mesmo que entoada de outras formas, dentro do seu poder geográfico.

No dicionário, a palavra “negro” tem vários significados, na vida, também, de
afeto a carinho, passando também pelo preconceito. Para os racistas, usar o
macaco como sinônimo de negro é a arma mais forte de desumanização, uma
violência descomunal. O choro, a dor, a lágrima… só quem passa por isso sabe
como o racismo dilacera por dentro. Luighi sentiu e foi desumanizado
publicamente.

Luighi chora e pede providências da Conmebol após caso de racismo em Cerro
Porteño x Palmeiras [https://s01.video.glbimg.com/x240/13398500.jpg].

Filósofo e cientista político camaronês, Achille Mbembe diz que “a era do
humanismo está terminando”, baseado no crescimento das desigualdades em todo o
planeta e na escassez do ciclo renovado de lutas de classe que tivemos ao longo
da história.

Humanismo é o que nos falta quando falamos e tratamos diariamente sobre o
preconceito racial. Humanismo esteve ausente nas arquibancadas do Estádio
Gunther Vogel e na entrevista pós-jogo com o jovem jogador do Palmeiras.

O que esteve presente foi a grandeza incomum de um garoto de 18 anos, talvez
inspirado por nomes como Vini Júnior, Lewis Hamilton e tantos outros expoentes
contemporâneos na luta antirracista, Luighi precisava ser ouvido, mesmo que os
preconceituosos se escondam por traz do pejorativo “mimimi”.

Luighi comemora gol do Palmeiras contra o Botafogo-SP — Foto: Marcos
Ribolli

Luighi comemora gol do Palmeiras contra o Botafogo-SP — Foto: Marcos Ribolli.

A fala do talento palmeirense era um desabafo fundamental de alguém que
precisava gritar, um choro entalado que nos tira do prumo, uma exposição que
muda padrões, principalmente pelo impacto e alcance dela. No entanto, o momento
é para Luighi cuidar da mente e não ser solicitado a falar o tempo todo sobre
suas cicatrizes, até porque, de isolado o caso não tem nada. Isolado ficou o
jovem palmeirense no Paraguai naqueles longos segundos de entrevista.

Refletir é necessário. Às vezes desconfortável, mas é preciso. Imagine quantos
episódios o garoto já teve de superar para sentar-se em um banco de reservas e
desabar em choro ao ser chamado de macaco, sabendo que os presentes no estádio
compactuam com o crime cometido? Quantas cicatrizes o racismo já não deixou
naquele corpo preto para além de ontem?

Estamos cansados de indignação seletiva, de manifestações de apoio em forma de
nota de repúdio, hashtags, placas ou vídeos para engajar. Nada disso evita nossa
dor ou resolve os crimes. Nada ser feito para coibir esse crime em campo mostra
que estamos (sempre!) expostos.

A luta contra o racismo é real, precisa ser real. Na era das fakes, não parecer
ser racista é melhor do que realmente não ser. Expor solidariedade na internet e
não ter nenhuma atitude na vida é hipocrisia. E vivemos em uma sociedade
hipócrita.

Nota de repúdio não é medida protetiva contra racista. A impunidade é cúmplice
dos racistas, mesmo o esporte não se afastando dos direitos humanos, pelo menos
na essência, e eles se sentem confortáveis para agir enquanto não são
criminalizados e punidos.

É claro que combater o racismo não é simples e nem há fórmula mágica, mas
resposta efetiva e direta contra racista provém de ações. Providência em nível
institucional é mais do que obrigatório, de CBF a Fifa, de Palmeiras e Conmebol.

Felipe Melo revela conversa com Luighi: “Eu me senti na pele dos pais, na pele
dele” [https://s03.video.glbimg.com/x240/13400538.jpg].

Eu fui ensinado pela minha família, pela rua e pelos livros. Em casa, sempre foi
replicado que “quem apanha jamais esquece” e o racismo é algo que jamais sai de
nós. Assim como as cicatrizes, lembra?

Conivência e negligência andam lado a lado nos recorrentes casos de racismo no
futebol. A impressão que dá, pondo mais uma vez o dedo na ferida e sendo
desconfortável com você, amigo leitor, é que o único foco do esporte mais
popular do mundo, atualmente, é o dinheiro.

Medida enérgica? Punição pesada? Quais temos? As placas de “Basta de Racismo” da
CONMEBOL não nos livram de insultos. Notas oficiais de clubes, entidades e
federações não vão resolver nenhum crime. Nada disso evita nossa dor.

E como podemos confiar em qualquer medida posterior a um novo caso de racismo,
sendo que o futuro já está escrito com letras garrafais de um novo crime
racista? A mudança urge sair da teoria e virar prática. O racismo enriquece, é
lucrativo e combatê-lo na essência exige o rompimento de algumas barreiras,
principalmente as que envolve poder e (MUITO!) dinheiro.

Só quem tem a carne cortada com a faca do racismo é capaz de sentir a dor
profunda do preconceito racial. Um garoto de 18 anos se viu obrigado a carregar
todas as atribuições que não deveriam ser dele por simplesmente ser negro. E
negro tem poder geográfico.

Rizek elogia atitude de Luighi em caso de racismo e faz reflexão sobre o papel
do futebol [https://s04.video.glbimg.com/x240/13399871.jpg].

No fim do livro, assim como a conversa desconfortável que estamos tendo,
Emmanuel Acho afirma que “acabar com o racismo não é uma linha de chegada que
vamos cruzar. É um caminho que vamos percorrer”.

Por isso, encerro com a reflexão de que, nesse longo caminho que temos pela
frente, silenciar não é uma opção. O silêncio também é cumplice. Quantas vezes o
alvo do racismo vai precisar gritar para que alguém escute? A indiferença também
é um potencializador de um crime racial. Neutralidade não existe quando se trata
de racismo. Ou você combate ou você se torna parte do problema.

E nesse caminho longo que temos pela frente, você é aquele que vai percorrer
todo o trajeto junto, de verdade, agindo afirmativamente contra um preconceito
que mata ou vai silenciar diante de novas notas de repúdio? Eu já escolhi o meu
lado. Se você ainda não escolheu, volte ao topo do texto, porque a conversa
(ainda) não foi desconfortável o suficiente para você.

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