Covid-19: Acabou a superioridade ilusória?

Superioridade ilusória é um conceito usado na psicologia social para descrever uma condição em que uma pessoa superestima suas próprias qualidades e habilidades. Você deve estar se perguntando o porquê de eu estar falando disso, certo? Aplica-se bastante ao que estamos vivendo em relação à COVID-19.

No início da pandemia no Brasil, afirmou-se que ela produzia sintomas mais severos em idosos e em indivíduos com comorbidades prévias. Isso levou os jovens a um sentimento de que com eles nada aconteceria: eram imunes ao vírus. No entanto, a medida que o tempo foi passando, surgiu a variante conhecida como P.1, que foi resultado do descaso da população com a situação crítica vivida (mostrada nas imensas aglomerações no país), do negacionismo patente de certas autoridades e da demora em negociar a compra das vacinas contra a COVID-19. Esses fatores somados resultaram em um sentimento que vemos em todos hoje: o medo.

Afinal, o que é uma variante? Ela surge quando um microrganismo, nesse caso o vírus, sofre mutações. No caso do coronavírus, essa mutação apareceu na principal proteína do vírus – “Spike”. Ela é a responsável por permitir que o vírus entre nas células e consiga se multiplicar. E quanto mais o vírus se multiplica, maior a chance de surgirem novas mutações.

A mutação P.1 promoveu mudanças nessa proteína, que fizeram com que ele conseguisse entrar nas células de forma mais eficiente e, com isso, mais pessoas serão infectadas, contribuindo para a disseminação maior do vírus.

Mas como isso tudo se relaciona com os jovens? Nesse momento, indivíduos de faixas etárias entre 20 e 50 anos sem comorbidades estão precisando de atendimento em UTIs, que estão ficando sem vagas: o sistema de saúde todo está entrando em colapso. Abrir mais leitos não é a solução do problema: há a necessidade também de mais profissionais da área da saúde, os quais estão esgotados, alguns se infectando novamente. Estamos todos assustados, incluindo agora os mais jovens.

Como amenizar isso? Seguindo as regras claras: evitar aglomerações, usar máscaras, lavar as mãos, usar álcool gel. A vacinação está demorando, mas ela está vindo. Portanto, para evitar que novas variantes surjam, o apelo continua: fica em casa!

*Dr. Matheus Becker Freitas – Biomédico, acadêmico de Medicina e professor da Estácio-RS

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A crise moral da nova geração de médicos

Médico com máscara.

Por: SARA ANDRADE

Uma jornalista jovem de classe média tem livre circulação nos ambientes frequentados por pessoas com histórias relativamente parecidas: vivendo dentro dos seus vinte anos, formando-se na faculdade e começando carreiras no mercado de trabalho. Nesta bolha, destaca-se a quantidade de moças e rapazes que optaram pelo estudo da medicina.

Estão aí para provar as estatísticas: de 2000 para 2020, o número destes profissionais no Brasil mais que dobrou, passando de 230 mil para meio milhão, segundo resultados do estudo “Demografia Médica no Brasil 2020”, liberado pelo Conselho Nacional de Medicina em parceria com a Universidade de São Paulo.

As milhares de entregas de canudo, tão comemoradas, foram responsáveis por alargar a média de médicos a cada mil habitantes no país: de 1,4 para 2,4, colocando o Brasil no mesmo patamar de nações como Japão ou Polônia, e apenas décimos atrás dos Estados Unidos, com média de 2,6. O que os números não podem mostrar, no entanto, são os pormenores deste fenômeno. Aqui vale o ponto de vista de uma jovem jornalista, e o cenário não é tão simples quanto parece.

A medicina sempre carregou consigo seu bocado de nobreza. Curar doenças, tirar a dor das pessoas, aumentar o tempo e a qualidade de vida: de fato, o jaleco branco pode ser uma espécie metafórica de batina, numa profissão quase sacerdotal, sagrada. Não seria falta de noção falar até em “amor ao próximo”. Muitos jovens estudantes parecem ter esta ideia romântica em mente: ajudar as pessoas através do trabalho de suas vidas. Não é só um emprego: torna-se missão e vocação.

Enquanto isso, outros estudantes de medicina parecem perdidos pelo caminho. Atenção: este é um questionamento aos que em breve serão médicos! Você está verdadeiramente preparado para abrir mão de si, dos seus desejos e caprichos, em prol de um desconhecido? Muitas vezes, seus pacientes serão “impacientes”, inoportunos e sem educação (até porque podem estar sob o efeito de grande dor).

Você pode não ser agradecido, nem reconhecido ou elogiado. Quem sabe até injustiçado. Pense consigo, você pode suportar? Você quer suportar? A sua escolha deve ser como em um casamento: o padre sempre avisa da riqueza e da pobreza, da saúde e da doença: quem diz sim, o diz para tudo.

Com o prestígio do ofício, vêm os abutres. Quantos não estão cursando medicina pelo status social, pelo dinheiro prometido, ou ainda apenas pela experiência da vida festeira de universitário? Tudo isso pode estar no pacote, caso o amor também se faça presente. Sem amor primeiro, é tudo vazio neste coração de doutor. Assim, a indagação martela nas mentes: como um universitário interesseiro e exibido, que nunca se doou a nada, nem a ninguém, pode ser um bom médico? De onde tirará o amor que tudo suporta, que persevera? Ninguém pode dar o que não tem.

Seria possível que um estudante qualquer de medicina, na condição de escravo de aprovação, de likes em redes sociais, incapaz de reconhecer o esforço da família para formá-lo, que só se importa em figurar bem para os amigos nos ambientes sociais… seria possível que disso saia altruísmo, doação e abnegação de si? Doar-se não é lá tão impossível e atos como arrumar a própria cama já são ótimos sinais de ordem interior. A disciplina, a sinceridade, a submissão aos superiores, tão necessárias no dia a dia do médico: tudo isso começa pequeno, mostrando-se no dia a dia do estudante.

Se você não sente obrigação nenhuma para com ninguém, se o mundo inteiro (seus amigos, pais) está sempre errado e você certo, ou se a culpa de seus fracassos, ou más ações, nunca é sua, pobre vítima… falta-te o principal para ser um bom médico: o amor. E este só vem com maturidade, com a compreensão de que sua vida não é para você se entupir de si mesmo, mas um presente ao mundo: ao tiozinho da esquina que sofre, à criança resfriada e à fofoqueira insuportável do bairro. Desse modo, seus dias ganharão um sentido maior.

Muitos reduzem o sucesso na vida ao sucesso profissional. Nada mais equivocado! Quantos não são fracassados com contas bancárias gordas? Isso acontece porque sucesso verdadeiro é ter personalidade, maturidade. E isso só se alcança com consciência moral, que diferencia bem e mal, e que gera noção de dever. Mas o que será de uma geração de jovens médicos que tem horror à própria ideia de moralidade? De ordem? Ou com uma dificuldade imensa de compreender a necessidade de regras, de ritos… Serão eles ricos? É possível. E também miseráveis, porque imaturos e sem personalidade. No fim, ninguém é feliz assim, ou cumpre seu chamado no mundo, sua vocação.

Aliás, o que levaria um jovem médico a doar-se por alguém? Sem sombra de dúvidas, a certeza da dignidade da vida humana, e o conhecimento da sua transcendência. Infelizmente, esta geração tem receio até mesmo de dizer que uma vida humana vale mais que a vida de um papagaio, ou de uma lesma. Como amar o humano, se não se sabe o que ele é, ou quanto vale? Ingênuo pensar que um estudante imaturo e incapaz de amar tornaria-se imediatamente amoroso e dedicado pelo toque mágico do diploma em suas mãos.

Essa dinâmica se aplica a todas as profissões, mas o médico deve ser o primeiro da fila a entender a vida. Porque muitas vezes, ela está em suas mãos. Um bom exemplo a guiar os novatos de consultório pode ser São Lucas. Médico, artista e historiador. Com uma vida inteira doada ao conhecimento da verdade humana. Que a paixão pela beleza da existência também inspire você a cada dia, jovem médico, e te leve ao amor maior. Especialmente neste dia 18, dia do médico e de São Lucas, padroeiro da honrosa missão de curar.

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