Com isso, inegável o impacto na relação locador e locatário, principalmente no que se refere às locações não-residenciais. Grande parte dos locatários não poderão empregar o objeto do contrato, o imóvel, em seu benefício nesse período, e os que conseguirem, claramente não o farão em toda a sua potencialidade, seja em virtude do fechamento parcial, seja em razão da diminuição dos empregados ou demandas, de sorte que a simulação dos proveitos econômicos a serem obtidos, não será a mesma do momento da realização do negócio.
Além do mais, a cultura brasileira emprega o imediatismo, não havendo preocupação em se ter uma reserva de emergência, tal fato é demonstrado em virtude dos brasileiros serem os mais vulneráveis financeiramente em caso de emergência, de acordo com um estudo do Banco Mundial, e ainda, segundo estudo da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 81% (oitenta e um por cento) das famílias têm poupança financeira nula.
Diante deste novo cenário, muito se questiona sobre as estratégias de diminuição de gastos, para assim conseguir manter o seu negócio nesse período. Todavia, importante frisar que toda essa situação não poderá incentivar a mora do locatário, sendo incabível repassar o ônus da relação integralmente ao locador. Ora, os locadores também sofrerão consequências decorrentes da pandemia do COVID-19, e mais, considerável parte dos locadores dependem da renda do aluguel para sua própria subsistência, de modo que é impossível o sustento do suporte econômico da relação contratual somente por parte desse.
O que deve ser adotado é principalmente a prática de negociação entre as partes, provida de boa-fé, transparência e razoabilidade, notadamente em razão dos contratos de locação ter em regra sua durabilidade como comum interesse. Dessa forma, evitar-se-á um embate judicial, o qual, neste momento, está longe de ser a medida mais eficaz. Isso porque no caso de se judicializar a questão, o embasamento se daria principalmente no caso fortuito ou força maior e na teoria da imprevisão.
Outrossim, em que pese a locação ser regida por lei específica, Lei do Inquilinato n. 8245/91, aplica-se supletivamente o Código Civil, de modo que, apesar da Lei n. 8245/91 prever a revisão judicial do valor do aluguel apenas após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, nada impede que, no presente caso excepcional e pautado no Código Civil, se consiga tal revisão antes do prazo estabelecido.
Isto posto, necessário se faz esclarecer que o caso fortuito ou força maior estão previstos no Código Civil em seu artigo 393, o qual estabelece que “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
Ainda, muito se fala na teoria da imprevisão prevista no Código Civil, nos seus artigos 317, 478 e 480, os quais dispõem que em casos extraordinários e imprevisíveis, se houver manifesta desproporção entre o valor devido e o momento da sua execução, o judiciário poderá adequar o valor do aluguel durante o período que julgar atingido pela pandemia, ou até mesmo, a parte poderá requerer a resolução do contrato.
No entanto, tais embasamentos a princípio, não seriam reconhecidos pelo judiciário, de forma geral, como justificativa do descumprimento do contrato de locação, tendo em vista que pactuado, o contrato é lei entre as partes. Por outro lado, vive-se situação excepcional, e por lógica, não há que se falar em precedentes jurisprudenciais, o que ocasiona uma dificuldade em se estabelecer o certo ou errado, trazendo a necessidade de análise de caso a caso, especificamente, observando as circunstâncias fáticas concretas.
Assim o caso fortuito ou de força maior não são aplicáveis a todos os casos, pois dependem da análise casuística do desbalanceamento da equação econômica do contrato específico, da impossibilidade do cumprimento da prestação pelo locatário e da inevitabilidade do descumprimento. Dessa forma, não se justificaria o atual cenário para aquele locatário que habitualmente encontrava-se em mora.
Ainda, em que pese a tendência de publicação do Direito Civil, nos dias atuais, onde a cláusula privatística da pacta sunt servanda vem sofrendo rigoroso temperamento, há que se ponderar, em nome da segurança dos negócios livremente avençados, que, quando não há fatos supervenientes e extraordinários aptos a lhes elidir a eficácia, os contratos devem ser cumpridos em sua inteireza, considerando os princípios legais como a autonomia da vontade e a boa-fé objetiva.
Ademais, conforme inicialmente exposto, devemos preferenciar a negociação entre as partes, onde a orientação é que o locatário demonstre quais seriam os prejuízos ao locador com a resolução do contrato. Isso seria uma consequência lógica, diante da impossibilidade de se cumprir com o pagamento do aluguel conforme estabelecido inicialmente e fechamento do negócio, solicitando a redução ou a suspensão dos pagamentos, enquanto o estabelecimento estiver fechado em decorrência das determinações do governo.
Assim, far-se-ia um aditivo até a retomada ao período de normalidade, estabelecendo as partes um período, que inclusive pode trazer a previsão de prorrogação, e, após o prazo estabelecido entre as partes, o retorno do negócio jurídico nos seus termos iniciais.
A resultante é que situações excepcionais pedem medidas excepcionais, as quais nem sempre serão as mais fáceis e nem as mais lógicas, fazendo-se necessário considerar o impacto que a pandemia está causando não só nas relações financeiras e comerciais, mas também humanas, considerando que, diante da atual conjuntura, o mais viável, ao que se parece, é a negociação, onde deverão ser conciliados os interesses dos envolvidos na relação contratual.
Victoria Branquinho, advogada atuante no ramo imobiliário e cível, prestando serviços na seara consultiva e contenciosa de incorporadoras, construtoras e imobiliárias. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Pós-Graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Atame. Pós-Graduanda em Direito Condominial pela DALMASS. Membra da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO e Comissão Especial de Arbitragem. Está no instagram como @vicbranquinho e @papodeimobiliario.