‘Cultivo de tabaco em SC expõe agricultores à ‘overdose de nicotina’ e contaminação da água, diz estudo’

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‘Overdose de nicotina’: cultivo de tabaco expõe agricultores e água à contaminação em cidade de SC, diz pesquisa

Dos 107 produtores entrevistados em Chapadão do Lageado, no Vale do Itajaí, 91,6% relataram sintomas da doença da folha verde do tabaco (DFVT), conhecida como ‘overdose de nicotina’.

Cultivo do fumo em Santa Catarina — Foto: Saturnino C. dos Santos/ Cidasc/ Arquivo

Um estudo mostrou que o cultivo de fumo em Chapadão do Lageado, município de 2,95 mil habitantes no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, expõe continuamente agricultores e recursos hídricos da região à contaminação por agrotóxicos. Os trabalhadores também estão em contato com a nicotina das folhas verdes e úmidas do tabaco.

Dos 107 produtores entrevistados, 91,6% relataram sintomas da doença da folha verde do tabaco (DFVT), popularmente conhecida como “overdose de nicotina”, um tipo de intoxicação provocada pela absorção da substância. Os riscos aumentam pelo uso incorreto de equipamentos de proteção individual (EPIs) (veja mais abaixo).

O trabalho foi feito por pesquisadoras da Universidade Regional de Blumenau (Furb), da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina (Conicet).

A pesquisa foi publicada na edição deste mês da revista Desenvolvimento e Meio Ambiente, do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Santa Catarina é um dos maiores produtores de fumo no Brasil. Segundo a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), na safra 2023/24, o estado produziu 158 mil toneladas de tabaco, o equivalente a 29,6% da produção da região Sul, em uma área de 86 mil hectares.

Uma das autoras é Giane Carla Kopper Müller, doutora em engenharia ambiental pela Furb e proprietária de áreas rurais em Chapadão do Lageado. Ela queria entender de onde vinha a presença de agroquímicos nas águas de suas terras.

“Fiquei intrigada, pois as fontes são protegidas, rodeadas por vegetação e distantes, cerca de 500 metros, de lavouras. Quis entender qual seria a origem dessa contaminação”, comentou.

Resultados

Foram coletadas 36 amostras de água nos rios do Meio, Figueiredo e Lageado, os principais do município, além de seis amostras de poços próximos, utilizados para consumo humano, durante três fases da safra de 2019.

As amostras passaram por filtragem e análise em laboratório com uso de cromatografia líquida e espectrometria de massa, e foram testadas para 14 dos pesticidas mais citados pelos fumicultores.

A análise da água detectou resíduos de pesticidas em 18 das 36 amostras, sendo a maioria em rios próximos às lavouras. Princípios ativos como sulfentrazone, imidacloprid e thiamethoxam foram identificados em concentrações que superam o limite individual máximo de 100 nanogramas por litro, estabelecido pela União Europeia para água potável. No Brasil, não há parâmetros de potabilidade definidos para os ingredientes ativos testados. Quatro de seis poços analisados estavam contaminados.

A coautora do artigo Lorena Benathar Ballod Tavares, professora do programa de pós-graduação em engenharia ambiental da Furb, explica que o estudo buscou compreender o contexto das práticas dos fumicultores da cidade e “sua influência sobre a saúde dos envolvidos na produção de fumo expostos aos agrotóxicos e à nicotina da folha de tabaco, bem como a possível contaminação dos recursos hídricos da região”.

O que a pesquisa identificou

As visitas às propriedades rurais resultaram em 107 participantes entrevistados, representando 42% dos fumicultores da região:

A maioria trabalha em pequenas propriedades e tem o tabaco como principal fonte de renda (85%);
97,80% escolhe produzir tabaco devido à rentabilidade em comparação a outras culturas, principalmente em pequenas áreas;
Crianças e idosos também participam da colheita;
Dos produtores entrevistados, 91,6% relataram sintomas relacionados à DFVT (overdose de nicotina);
19,6% relataram sintomas decorrentes da manipulação de agrotóxicos.

Saúde dos produtores

Segundo o artigo, o uso incorreto ou insuficiente dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), além de falhas no descarte e descontaminação de roupas e acessórios aumentam o risco de intoxicação.

Apesar de 99% dos entrevistados reconhecerem a importância desses utensílios, só metade afirma sempre usá-los ao manusear pesticidas.

A situação, conforme o texto, é agravada pela exposição à nicotina das folhas verdes e úmidas do tabaco, absorvida pela epiderme quando há contato sem a proteção adequada, principalmente em períodos de colheita.

As autoras também citam as inalações respiratórias durante o processo de secagem da planta nas estufas.

Entre os sintomas da doença da folha verde do tabaco (DFVT), segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), estão:

Náuseas e vômitos
Tonturas e dores de cabeça
Fraqueza muscular
Cólica abdominal e diarreia
Suor frio e tremores
Alterações na frequência cardíaca e pressão arterial
Visão embaçada e lacrimejamento
Dificuldade para respirar
Perda de apetite e abatimento

Os resultados também revelaram uma carência de ações e estratégias de orientação e capacitação aos produtores expostos a essas interferências.

O texto reforça, por exemplo, que a automedicação é comum entre os produtores, que usam muitas vezes bebidas para tentar prevenir ou aliviar os sintomas da doença. A maioria (22,4%) no entanto, espera o desconforto passar sem tomar medidas.

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