Do subsolo de Nova York ao interior paulista, cultura ballroom resgata legado de acolhimento e visibilidade da comunidade LGBTQIA+: ‘É aconchego’
Para entender melhor sobre o movimento, o DE esteve no ‘Ballroom Sorocaba – Aberto para Todes’, evento que mostra a aplicação da cultura de forma prática.
“Você só precisa deixar o seu corpo seguir o ritmo”. Há mais de 35 anos, Madonna usou sua fama como ícone pop para dar visibilidade ao “vogue” como arte e expressão, por meio da canção homônima, que liderou diversas paradas musicais.
A canção homenageia o estilo de dança criado na subcultura queer de Nova York e celebrado no ballroom (evento artístico que reúne comunidades marginalizadas em competições). Os dançarinos imitam poses de modelos da revista Vogue. Como em uma sessão de fotos, os movimentos são definidos por linhas, poses e expressões faciais intensas.
Quarenta anos depois, o vogue e o ballroom ultrapassaram Nova Iorque e conquistaram reconhecimento mundial, chegando inclusive a cidades do interior de São Paulo. Para entender melhor essa comunidade, o DE acompanhou o evento “Ballroom Sorocaba – Aberto Para Todes” e descobriu que a dança é apenas um dos pilares que sustentam a força dessa cultura.
O idealizador do projeto, Jeff Cabal, conta que seu interesse pelo ballroom começou em 2018. A curiosidade surgiu ao participar das balls – como são chamadas as competições – e perceber que os eventos também incluíam rodas de conversa e espaços de acolhimento.
Dentro do universo ballroom, existem as houses, que são “famílias” formadas por integrantes da cultura. Jeff pertence à House of Cabal, fundada por Tanesha Cabal em Juiz de Fora (MG), mas atualmente não se considera mais líder da house, nem da cena local.
Ao DE, Jeff explica que as houses têm esse nome — casa, em inglês — por representarem um lar para quem as frequenta. As primeiras surgiram nos Estados Unidos, na década de 1980, com o objetivo de acolher pessoas marginalizadas que precisaram deixar suas casas.
Jeff opina que, levando em consideração todo o contexto envolvendo a epidemia dos vírus, a comunidade surgiu, também, para cumprir com o papel de naturalizar assuntos que sempre foram considerados tabus para a sociedade.
Historicamente, Sorocaba e as demais cidades do interior podem ser consideradas tradicionalistas. Segundo Jeff, isso ainda é um empecilho para que a comunidade seja ampliada no município. Mesmo assim, ele sente que há uma certa movimentação natural das pessoas em relação ao movimento e que, junto disso, existem parcerias interessadas em colocá-lo em um patamar acima.
Apesar da veia artística que cerca o universo do ballroom, Jeff ressalta que não é necessário possuir alguma vocação na área para frequentar os encontros. Ainda segundo o fotógrafo, ser ou não LGBTQIA+ também não é um ponto considerado crucial para fazer parte, mas é necessário entender todo o contexto cultural de como a comunidade surgiu e se mantém no dia a dia.
Gabrielly Dias, responsável pelo Ballroom Sorocaba junto a Jeff, comenta que, de início, o vogue possui duas categorias essenciais para aprendizado: o “Old Way”, que é a antiga forma de performance, e o “New Way”, com alterações que vieram com o passar dos anos. A integrante da House of Avalanx comenta que a “jogada” no chão possui nome: deep.
O evento, que durou todo o mês de agosto, contou com diversas atividades educativas para quem se interessa em conhecer melhor o mundo do ballroom, como oficinas de “voguing”, palestras conscientizadoras e rodas de conversas. A programação foi encerrada com um grande baile de competições – ou ball -, que contou com participantes de diferentes houses e categorias.
O nome Odara Soares, para as participantes do movimento cultural, já é conhecido há muitos anos. No evento, ela assumiu a função de jurada da competição. Ela é uma das fundadoras da House of De Lá e compartilha a importância que esse tipo de cultura tem para a comunidade.
O vogue e o ballroom representam muito mais do que apenas uma forma de dança. Essa cultura resgata os valores de acolhimento, visibilidade e pertencimento para a comunidade LGBTQIA+, promovendo inclusão e celebração da diversidade. É um movimento que vai além dos palcos e das competições, sendo um espaço de expressão, resistência e união. O DE fez questão de acompanhar de perto essa manifestação cultural e trazer à tona a importância e a força do ballroom no Brasil.