O artesanato se transformou em força, união e alegria para um grupo de mulheres em Goiânia. Os bordados de roupas de cama, vestuário e de presentes conseguiram mudar a vida delas, impactar a comunidade em que vivem e ainda representar o estado de Goiás fora do País. Na Bordana, o modelo de coparticipação seguido pelas artesãs apresenta resultados positivos e vem ganhando espaço na economia do estado. O levantamento mais recente aponta que a representatividade da receita das cooperativas aumentou 47,7% em 2021 comparado ao ano anterior, de acordo com o Anuário da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB).
Atualmente, 31 pessoas estão envolvidas na confecção de peças da cooperativa focada em temas alusivos ao Cerrado brasileiro. Todas elas são sócias, o que permite receber pelo trabalho e ainda garante a possibilidade de o dinheiro das vendas ser repartido conforme a produção. A sede da Bordana fica no Conjunto Caiçara, em Goiânia. O bairro abriga a maior parte das bordadeiras e muitas delas têm na atividade a principal fonte de renda. Em alguns casos, a habilidade foi desenvolvida por meio de curso técnico oferecido pela própria entidade. A chance de mudar o próprio destino e dar um novo sentido à própria vida motivou a Rosenelia Theiss, de 68 anos, a aderir ao movimento.
“Eu não tinha ideia de como bordar, mas fui aprendendo. Hoje vejo pontos na internet e procuro aprender. A renda da Bordana é o que me auxilia porque eu me separei há bastante tempo e entrei em um processo de anulação…ficava só em casa. Entrei para a cooperativa e comecei a ‘sair do casulo’, a aprender e ainda a conhecer, me encontrar e conversar com as pessoas. Foi o que me tirou de dentro de casa. Eu não sou aposentada e se não fosse o dinheiro que recebo aqui, eu dependeria dos meus três filhos. É com esse dinheiro que eu vivo. O valor muda conforme a produção e as vendas. Em alguns meses conseguimos ‘tirar’ o salário mínimo”, afirma.
A ex- técnica em eletroencefalograma Rosenelia faz parte do movimento desde a fundação. Segundo ela, o trabalho também repercute positivamente no comércio no bairro onde mora, que é o mesmo da cooperativa. Ela mora em Goiânia há 38 anos, desde que se mudou de Curitiba, no Paraná. Desse período, já são 31 anos no Caiçara. A bordadeira faz todas as compras de alimentos, medicamentos e produtos em geral perto de casa. As décadas de convivência a fizeram conhecer a maioria dos vizinhos e comerciantes, o que ajuda a aplicar a filosofia de valorizar o mercado local para fortalecer as pessoas.
“Há um impacto gerado na comunidade. Para as que dependem exclusivamente da Bordana, o consumo ocorre mais no comércio onde elas compram mantimentos, remédios e ainda custeiam o transporte…No caso das que são aposentadas e o trabalho na nossa cooperativa é um complemento financeiro, por exemplo, o emprego do dinheiro é mais para lazer, viagem, academia e remédio”, detalha a presidente da cooperativa e empreendedora social, Celma Grace.
Para muitas delas, o resgate do bordado manual está muito ligado à memória de família, assim como a arte produzida especialmente pelas próprias mães e avós. Preservar e divulgar a tradição e o Cerrado foram as escolhas das recém-cooperadas devido à riqueza de detalhes da cultura e do meio ambiente. Rosenelia destaca que o artesanato brasileiro não é valorizado e que o grupo luta para reverter esse cenário. “A cooperativismo e a Bordana brigam muito por isso. A nossa dificuldade é a melhor precificação. Apesar disso, temos a valorização do ser humano. A OCB-GO nos ajuda muito e sempre oportuniza a realização de cursos, de palestras…o que não teríamos tanto acesso se a gente não adotasse esse modelo”, frisa a artesã.
As mulheres mais velhas são a maioria das cooperadas. As reuniões semanais aos sábados costumam ser o compromisso mais esperado da agenda. No encontro, elas recebem as demandas de bordados, entregam as peças finalizadas e confraternizam com as sócias enquanto tomam café da manhã. O grupo tem somente dois homens e ambos são jovens. Eles também participam desses momentos. Juntos, todos os envolvidos discutem e decidem periodicamente sobre a gestão dos recursos e administração da Bordana, além de outras oportunidades de formação.
Esse modelo de negócio, que se tornou bem sucedido, geralmente começa “pequeno”, se estrutura e expande. Goiás tem mais 235 cooperativas em atividade, sendo 13 delas com faturamento ou ativos totais bilionários. O número faz do estado o sexto em um ranking nacional. A meta da OCB-GO é alcançar metas ousadas até 2027: 600 mil cooperados (atualmente são 400 mil) e alavancar o faturamento para R$ 50 bilhões (acima do dobro do atual, que é de R$ 22 bilhões). Nessa perspectiva, esse modelo de negócio já representa 10% do Produto Interno Bruto (PIB) de Goiás .
Mãos dadas
Há 15 anos, Celma faz questão de conduzir o projeto por ela e por todo o grupo. A Bordana surgiu após a morte da filha caçula de 10 anos de idade causada por um câncer. A menina chamada Ana sonhava em ser estilista e o desejo de atender à vontade da pequena estimulou a empreendedora social a criar a instituição. Embora a intenção fosse ter roupas bordadas como “carro-chefe”, os itens de cama, mesa, banho e decoração assumiram o topo de vendas. Os produtos artesanais são comercializados pela própria cooperativa nas redes sociais e na loja Colaborarte montada com parceiros no shopping Bougainville, na capital goiana. O estoque e as encomendas têm clientes em Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Estados Unidos e França.
Uma das clientes mais assíduas é a professora universitária Lucia Rincón. Ela afirma que não tinha costume de consumir esse tipo de artesanato e se encantou ao ser apresentada aos artigos feitos pelas bordadeiras da Bordana. A primeira aquisição foi um pano de prato. “A qualidade e o acabamento dos produtos é o que mais me chama atenção. Sempre faço encomendas. Eu tenho indicado com frequência e sempre presenteio as pessoas para que conheçam o trabalho, principalmente em datas comemorativas como o Natal”, ressalta. Além de admirar a arte manual, a docente acredita no impacto socioeconômico da cooperativa
Os bordados do estilo livre foram escolhidos pelas mulheres por garantirem mais criatividade às artesãs devido aos pontos simples. As imagens são criadas por um desenhista cooperado que transfere os traços para o tecido já costurado pelas costureiras da cooperativa. Juntas, as artistas produzem 150 peças por mês. Os preços variam de acordo com a complexidade do trabalho manual. Os mais baratos custam R$ 45 e os mais elaborados, como roupas de cama com muitos detalhes, ultrapassam R$ 5 mil.
“O ciclo de produção de um bordado manual é longo. Por isso, criamos a linha de bordado digital que intitulamos Ousadia. São itens a partir de R$ 25 para termos vendas e giro financeiro de forma mais rápida para sustentarmos o artesanal. Desde o início, nós priorizamos tecido de qualidade e 100% algodão. Já desenvolvemos duas coleções com um designer renomado nacionalmente, o Renato Imbroisi. Deu um retorno muito bom para a Bordana. Nós temos muito amor pelo bioma Cerrado, mas atendemos encomendas com outros temas e frases”, destaca Celma.
Consolidação
Um dos pilares do cooperativismo ajuda a sustentar o projeto: a intercooperação. Esse viés fomenta parcerias que colaboram por meio de cursos, orientações e divulgação. Celma afirma que Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, OCB e incubadora social da Universidade Federal de Goiás (UFG) também são e foram estratégicos para a consolidação e visibilidade da Bordana desde a fundação.
Em breve, a cooperativa receberá a visita de uma designer de João Pessoa que desenvolverá produtos inéditos para a Bordana. A coleção será fotografada para um catálogo exclusivo e será exibida em uma feira de artesanato em Minas Gerais e na loja Artiz, da rede Artesol, em São Paulo. A profissional será enviada pela organização como premiação a um edital de laboratório de inovação para o qual concorreram diversas iniciativas nacionais e somente cinco foram selecionadas.