Vídeo: ‘Eu informei para eles que o fuzil furava blindagem’, diz delator que baleou carro e quase matou prefeito em falso atentado em SP
Gilmar Santos foi preso por atirar em carro de José Aprigio em Taboão da Serra. Segundo ele, ataque foi forjado para favorecer político que buscava reeleição. Denuncia de colaborador foi usada pela polícia e MP em operação. Defesa de ex-prefeito nega acusação.
Delator fala sobre falso atentado a prefeito de Taboão da Serra em SP
“Eu informei para eles que o fuzil furava blindagem”, diz, num novo vídeo, um preso delator que revela detalhes inéditos de como aconteceu o falso atentado a tiros que, durante a campanha eleitoral do ano passado, feriu e quase matou José Aprigio (Podemos), então prefeito de Taboão da Serra, na Grande São Paulo.
O DE e o Fantástico tiveram acesso exclusivo às imagens da colaboração premiada que Gilmar de Jesus Santos deu à Polícia Civil e ao Ministério Público (MP).
Em quase 50 minutos de gravação, ele contou que foi contratado por Aprigio e seu grupo político para ajudá-los a criar uma farsa que beneficiaria a reeleição do atual mandatário. Gilmar era procurado por outros crimes e tinha passagem por homicídio.
Foi essa delação, juntamente com outras provas da investigação, que desencadeou a “Operação Fato Oculto”, realizada na semana passada para prender alguns dos alvos e fazer buscas e apreensões em suas residências. As autoridades desmascararam o caso, que antes era tratado como um possível atentado ao prefeito.
> “O combinado do que ele [Aprigio] queria, era um ‘susto’, mas um ‘susto’ que desse mídia pra poder passar no Fantástico, pra poder chamar atenção do eleitor. Tipo, como ele sofreu um atentado”, fala Gilmar na filmagem. “O prefeito sabia.
O programa dominical da TV Globo não mostrou o ataque à época.
‘FUZIL FURAVA BLINDAGEM’, DIZ DELATOR
Preso Gilmar Santos fez acordo de colaboração premiada na qual contou que ataque do qual participou contra então prefeito José Aprigio foi falso
Aprigio era candidato à reeleição em 18 de outubro de 2024, quando foi atingido de raspão no ombro esquerdo por estilhaços de uma bala de AK-47, arma de origem russa. Seis tiros perfuraram a blindagem da lataria e vidro do carro do político.
> “Eu informei para eles que o fuzil furava blindagem. Se fosse só para poder chamar atenção, era perigoso estar atingindo alguém lá dentro”, diz Gilmar, que fala ter desistido três vezes de executar o serviço. “Senti algo ruim, que algo ia dar errado.
Gilmar contou que ele e Odair Júnior de Santana atiraram de fuzil no carro preto blindado onde estavam Aprígio e mais três pessoas da sua comitiva. Os atiradores ocupavam um carro vermelho usado para simular o atentado fake.
Segundo Gilmar, as conversas entre os executores e os mandantes eram feitas por meio de telefonemas de interlocutores: Anderson da Silva Moura, o “Gordão”, e Clovis Reis de Oliveira. Os quatro iriam dividir R$ 500 mil pelo serviço. Dinheiro esse, de acordo com o delator, pago por Aprigio.
ARMA CUSTOU R$ 85 MIL
Prefeito Aprigio foi baleado no ombro após tiro perfurar vidro blindado de carro.
Segundo Gilmar, a ideia de usar o fuzil era do próprio Aprigio.
> “O prefeito tava pedindo pra fazer desse jeito pra parecer… tipo, um fato real. Mas, porém, era só um ‘susto’, só. Aonde que eu propus pra atirar no capô do carro, na frente do carro, para não atingir ninguém. Ele falou que na frente não servia. Só servia na lateral”, diz Gilmar.
Ainda de acordo com Gilmar, o então prefeito também deu R$ 85 mil para secretários do seu governo repassarem aos intermediários, que compraram a arma usada pelos executores na farsa.
“Era um fuzil AK 47. No fuzil, tinha um carregador, tinha quase 50 munição e em outro carregador tinha 30 munição”, afirma Gilmar. “O dinheiro foi cedido pelo prefeito para comprar o fuzil.”
“Eu vi quando [Odair] deu os primeiros tiros que pegou no vidro, aí eu tomei o fuzil dele e eu que fiz o disparo no pneu. Aí, nessa aí, eu peguei e fui embora”, diz Gilmar. Os executores fugiram pela Avenida Aprígio Bezerra da Silva, que leva o nome do pai do prefeito.
O motorista, um secretário que fazia a sua segurança de Aprigio e um vídeomaker que estavam dentro do Jeep Renegade não se feriram. O fotógrafo/cinegrafista filmou o prefeito sangrando. Em menos de 30 minutos, a equipe dele havia divulgado à imprensa um vídeo editado do ataque.
> “O vídeomaker, ao invés de tentar socorrer o prefeito, que seria a coisa mais natural no mundo, ele se preocupa em fazer o quê? Filmar”, afirma o delegado Helio Bressan, que esteve na Delegacia Seccional de Taboão, responsável pelas investigações para esclarecer quem são os envolvidos na farsa.
“Eu só fui nisso aí porque meu intuito não era matar ninguém, pra prejudicar ninguém. Era fazer um atentado e eu ser beneficiado na prefeitura”, diz Gilmar sobre um possível acordo que previa que ele ganharia um cargo público caso Aprigio fosse reeleito. “Esse era meu intuito, não era nem o dinheiro Meu interesse era só ser beneficiado em alguma situação, ter um trabalho, alguma coisa assim”.
16 INVESTIGADOS NA FARSA
Promotor Juliano Atoji denunciou três dos 16 investigados no caso do falso atentando ao então prefeito José Aprigio
Além do prefeito, mais 15 pessoas são investigadas por suspeita de participação no falso atentado. Entre elas, estão três secretários de Aprigio: José Vanderlei Santos (da pasta de Transportes), Ricardo Rezende Garcia (de Obras), e Valdemar Aprígio da Silva (Manutenção e irmão do político).
Segundo o Ministério Público e a polícia, eles tiveram a ajuda do sobrinho do prefeito, Cristian Lima Silva. Em 2020, ele havia alegado que sofreu um atentado a tiros no seu carro em Minador do Negrão, em Alagoas.
Testemunhas, no entanto, contaram que Cristian inventou o ataque para favorecer o pai, que acabou se elegendo prefeito da cidade. A polícia local investigou o caso, mas não conseguiu confirmar se de fato ocorreu uma tentativa de homicídio contra Cristian. A Justiça acabou arquivando o inquérito.
Se ficar comprovada a participação de todos, eles poderão responder por associação criminosa, tentativa de homicídio contra quatro pessoas, incêndio e adulteração de placa de veículo. Caso haja condenação, a pena pode chegar a 30 anos de prisão para cada um.
Após o ataque fake, Gilmar contou que ele e Odair decidiram queimar o Nissan March usado pelos dois. “O carro vermelho, o Odair jogou a gasolina e eu toquei fogo”, lembra o preso. O automóvel foi incendiado em Osasco, também na região metropolitana.
REVERTER RESULTADO DAS URNAS
Delegado Helio Bressan conduziu as investigações pela Polícia Civil
“A intenção era que criasse um fato para tentar reverter essa derrota dele no primeiro turno? Era isso?”, pergunta o policial a Gilmar. O preso confirma que sim, que a intenção do grupo era “que revertesse” o resultado das urnas a favor de Aprigio.
Apesar de toda a armação, segundo o MP e a polícia, Aprigio não venceu o pleito eleitoral disputado em 27 de outubro. De acordo com as autoridades, o ataque a tiros foi uma simulação combinada para dar a impressão de que o então prefeito tinha sofrido um atentado.
Segundo a investigação, o objetivo da simulação era fazer com que Aprigio sensibilizasse os eleitores para votarem nele e, assim, ganhasse a eleição. Foram feitas postagens do prefeito no hospital contando que havia fraturado a clavícula. Todas as imagens postadas nas redes sociais do político acabaram viralizando.
“O prefeito é investigado. Num primeiro momento, ele é vítima, mas obviamente pelos elementos então colhidos ele foi alvo de busca a fim de verificar se ele estava ciente do atentado que seria praticado contra ele”, afirma o promotor Juliano Atoji, responsável por denunciar três dos investigados à Justiça.
O adversário de Aprígio em 2024, Engenheiro Daniel (União Brasil), foi eleito pela maioria da população para ser o prefeito de Taboão a partir de 2025.
Gilmar, Odair e Jefferson Ferreira de Souza são réus no processo. Os dois últimos tiveram as prisões temporárias decretadas pela Justiça e são procurados. Gilmar teve a colaboração homologada pela Justiça e, em troca, no caso de condenação, terá abatimento da pena.
Anderson e Clóvis ainda não foram denunciados. O primeiro está preso e o segundo segue foragido. Os demais investigados tiveram que entregar seus celulares durante buscas e apreensões em suas residências. Os aparelhos serão periciados. O fuzil usado na farsa ainda não foi encontrado.
O QUE DIZEM OS CITADOS
Advogado Allan Hassan, que defende o ex-prefeito José Aprigio
Na casa de Aprigio, por exemplo, foram encontrados e apreendidos mais de R$ 300 mil em dinheiro. Ele não foi encontrado pela equipe de reportagem para comentar o assunto. Procurado, seu advogado alegou que o ex-prefeito é inocente.
A equipe de reportagem não conseguiu localizar o advogado de Gilmar para comentar o assunto.
Por meio de nota, a defesa de Odair informou que “primeiramente, é importante frisar que o réu segue gozando de presunção de inocência”.
Também por nota, a defesa de Ricardo alegou que seu cliente é “vítima de um equívoco nas investigações, que está a disposição da polícia e da Justiça para esclarecer quaisquer dúvidas e provará que não tem qualquer participação nessa farsa.”
A defesa de Anderson negou que ela tivesse tido contato com o preso delator e outros investigados no caso. E informou que “os elementos que embasam a medida cautelar são oriundos exclusivamente da colaboração premiada, não havendo a existência de provas robustas, como registros visuais, contato telefônico, ou outros elementos concretos que corroborem as acusações formuladas.”
A equipe de reportagem tenta contatar as defesas de Clóvis, Jefferson e dos ex-secretários José Vanderlei e Valdemar Aprígio para comentarem o assunto.