Passeando com o filho em um parque de Santos, interior de São Paulo, no final de uma tarde, a pedagoga Karen Mentone e a auditora de TI Natália Dearo foram surpreendidas por uma menina de uns 7 anos que queria saber como uma criança poderia ter duas mães. Era uma dúvida legítima. “Eu queria ter papel e caneta na hora para desenhar, explicar como foi feita a fertilização, a questão do sêmem, do óvulo, de forma bem didática mesmo”, diz Karen. Incomodada com a situação, ela procurou livros no Brasil e fora do país para indicar para mães de crianças que porventura questionassem a família ou Lorenzo, filho delas, posteriormente. Não encontrou.
Foi a partir destes dois pontos, do questionamento da garota no parque e da inexistência de literatura sobre o assunto que Karen decidiu escrever o livro “Como nascer de duas mães – guia prático”, ilustrado por Gabriela Emmerich, distribuído pela Amazon em português e em inglês para 12 países, e divulgado pelo site www.nascerdeduasmaes.com.br.
Ao Diário do Estado, Karen contou que ser mãe não era um sonho pessoal. Formada em Pedagogia e Artes Cênicas, ela sempre trabalhou como pedagoga com crianças de 1 a 10 anos e a aproximação com crianças e suas famílias mostraram que a responsabilidade da maternidade era muito grande e pesada. “Eu tinha medo de sentir este amor e de não ser correspondida”. Com a descoberta de sua sexualidade, aos 19 anos, reconheceu-se como uma pessoa lésbica. “Maternidade e ser uma mulher lésbica não combinavam”, pensava até conhecer a esposa Natália, após um relacionamento bem longo.
“Logo de cara ela me contou do sonho dela de maternidade e que já havia procurado alternativas”. Depois de três anos juntas e reconhecendo em Natália uma pessoa responsável e comprometida com a família, mudou de ideia aos poucos. “Vi que ela era uma parceira bacana e que daria para entrar numa empreitada desse tamanho e importância e fui visualizando uma possível maternidade”.
Primeiro, o casal esteve na Vara da Infância para listar os documentos necessários, conversar e entender a possibilidade de adoção. Depois elas foram a uma clínica de fertilização, onde se sentiram acolhidas. “Foi arrebatador. É muito importante dizer o quão bem a gente é acolhida nesse espaço de saúde, porque não é em qualquer espaço de saúde que um casal lésbico é tratado com respeito e dignidade. Tivemos acolhimento como qualquer outro casal”, conta.
Foram duas tentativas de fertilização. Natália sonhava em ser mãe, mas não tinha o sonho de engravidar. A primeira tentativa foi com os óvulos dela no útero de Karen. Não deu certo. A segunda vez foi com os óvulos de Karen no útero de Natália. “O primeiro desafio foi esse lugar de mãe não gestante porque em muitas situações ela era vista como mãe e eu como uma ajuda. Você é mãe, se sente mãe, mas tem de provar para as pessoas que você também é mãe”.
Com o nascimento de Lorenzo, apenas Natália teve direito à licença-maternidade. Elas moravam em Santos e Karen trabalhava em uma escola. “Procuramos advogados e eu teria de entrar em licença paternidade. Preferi pedir demissão e ficar mais tempo com eles, para ajudar e estabelecer um vínculo maior com nosso filho”. O direito à licença-maternidade para casais lésbicos não é previsto em lei. “É uma questão política”, lembra.
Livro
Natália voltou a trabalhar quando Lorenzo completou 7 meses e a convivência de Karen com o filho foi maior. “Com o tempo foi intensificando e fortalcecendo nossa relação de maternidade, nossa conexão foi construída. Então, hoje eu tenho uma visão geral da maternidade. De que todos este vínculos são construídos e mantidos por todas as mães”.
Foi quando Karen, usando linguagem adequada para crianças na primeira infância, até 7 anos, escreveu o livro e buscou a ilustradora para tornar possível uma linguagem para crianças mais novas. “As ilustrações auxiliam a questão da compreensão sobre o sêmen, o óvulo e como junta para mostrar como foi feito. É uma ferramenta para as crianças, mas, recebo bastante feedback de adultos falando que o livro não é só para crianças e que aprendeu muito quando leu”.
Como educadora, Karen defende que é através da Educação e da informação que se consegue mudar o mundo. “Preconceito é a falta de conceito e de informação. A partir do momento que você desmistifica uma coisa, ele acaba”.