As fragilidades da democracia (por Cristovam Buarque)
Nesta semana o Brasil confirmou que sua democracia é frágil: só sobreviveu em
2022 graças a alguns comandantes legalistas, à autoridade de ministros do STF,
ao clima político internacional, ao fato de que o presidente era um capitão
desqualificado, não era um general de prestígio, e de que os golpistas não
buscaram apoio popular com um programa de apelo social, beneficiando a população
e eliminando privilégios e mordomias que DE implantou ou ampliou. Graças
à PF temos os golpistas identificados e presos, mas a fragilidade continua e sua
prova mais visível é não sabermos se neste momento os militares na reserva
consideram os presos como criminosos ou como patriotas incompetentes, apesar de
que todos os atuais oficiais tinham no máximo 20 anos de idade quando o regime
militar acabou.
Ao longo das quatro décadas de democracia, os únicos gestos do poder civil sobre
as Forças Armadas foi a criação do Ministério da Defesa. Mesmo assim, estes
ministros civis têm se comportado como líderes sindicais representando os
interesses dos militares junto ao governo e como representantes do presidente
para acalmar a tropa. Os próprios presidentes civis passam imagem de assustados
diante da farda, cada um agindo para acalmar oficiais e para evitar golpe
durante o seu mandato, sem ousar reestruturar as Forças Armadas para a
democracia no futuro.
Mas o descuido com a questão militar não é a única omissão dos políticos levando
ao enfraquecimento da democracia. Depois de quase meio século, a democracia está
frágil por dívidas com o povo e com a nação: por não ter executado estratégia
para a erradicação da pobreza, por não ter reduzido a brutal concentração de
renda e por ter aumentado substancialmente os privilégios, concentrados tanto
entre os ricos do setor privado quanto na parte aristocrática do setor público,
especialmente entre os próprios políticos.
A democracia está frágil por confundir valores morais com bandeiras políticas e
por isto perder apoio de milhões de eleitores devido a suas crenças religiosas
que se sentem ameaçadas. Também porque, no lugar de mecanismos defensores da
ética, a democracia demonstra aumento da corrupção. No lugar do uso decente dos
recursos públicos, desvia centenas de bilhões para financiar partidos e emendas
de interesses pessoais. Para ser forte, a democracia deve consolidar Forças
Armadas democráticas, mas também deve ter forças políticas usando a democracia a
favor do povo e do país, não em benefício próprio dos políticos e da parca rica.
As democracias são ameaçadas não apenas por forças golpistas de militares, mas
também pelo apodrecimento interno devido à omissão das forças progressistas
corrompidas, sem compromisso nem propostas transformadoras para os novos tempos.
A democracia ainda sobrevive porque os golpistas não tiveram a sensibilidade e a
competência de obterem apoio popular com um programa econômico, social e moral
que pague as dívidas que a democracia tem com o povo e a Nação. Em 2022, foi por
apenas 1% de eleitores que a democracia prevaleceu sobre o candidato golpista.
Se quisermos evitar novos golpes, precisamos enfrentar a questão militar, e
pagar dívidas acumuladas nos 40 anos de democracia, oferecer um rumo para o
futuro do Brasil, proposto por um discurso com credibilidade para atrair os
eleitores, especialmente aos jovens.