Julgamento de Bolsonaro, dia 1: Moraes diz que STF não cederá a pressões, Gonet traz provas da trama golpista e defesas se manifestam
Sessão abriu julgamento do núcleo central da trama golpista no Supremo. Réus respondem por crimes como tentativa de golpe de Estado e organização criminosa armada. Advogados contestam acusações.
Em abertura de julgamento, Moraes diz que coações não vão afetar juízes do Supremo
Em abertura de julgamento, Moraes diz que coações não vão afetar juízes do Supremo
O primeiro dia do julgamento de Bolsonaro e outros sete réus pela trama golpista teve recado do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes (relator do processo), acusação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e defesa dos acusados.
Moraes, o primeiro a falar, citou pressões internas e externas sobre a Corte, mas ressaltou que o papel do Supremo é julgar com imparcialidade e independência.
Em sua acusação, Gonet listou as provas da trama golpista, disse que não é necessária uma assinatura para se configurar o crime de golpe de Estado e pediu a condenação de todo o núcleo crucial.
A defesa do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, reforçou a validade da delação premiada e negou que ele tenha sido pressionado. Os demais advogados dos denunciados contestaram as acusações.
CAMAROTTI: Fala de Moraes teve objetivo de defender STF de ataques externos, avaliam ministros
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Veja datas e horários das sessões do julgamento
VEJA OS PRINCIPAIS PONTOS:
Alexandre de Moraes, o relator
Antes da leitura do relatório, Moraes saiu em defesa da independência da Corte e afirmou, sem citar diretamente fatos e nomes, que existe uma organização criminosa “covarde e traiçoeira” que atua no exterior contra a Justiça brasileira.
Uma verdadeira organização criminosa que, de forma jamais vista anteriormente em nosso país, passou a agir de maneira covarde e traiçoeira com a finalidade de submeter o funcionamento da Corte ao crivo de outro Estado estrangeiro.”
Em julho, o governo de Donald Trump sancionou Moraes com a Lei Magnitsky, que impõe restrições econômicas a estrangeiros, como bloqueio de contas.
Na sua fala, ele fez referência a outra ação, a pedido da PGR, que envolve o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho de Jair Bolsonaro, por atuar nos EUA para promover medidas de retaliação contra o Brasil e ministros do Supremo.
A soberania nacional, segundo ele, “jamais será vilipendiada, negociada ou extorquida”.
O ministro lembrou o histórico de tentativa de ruptura democrática no Brasil e disse que o Supremo “só tem a lamentar” uma nova tentativa de golpe de Estado, que tinha pretensão instalar uma verdadeira ditadura no país.
A história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação […]. A pacificação do país, que é o desejo de todos nós, depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições, não havendo possibilidade de se confundir a saudável e necessária pacificação com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade”.
O ministro também ressaltou a imparcialidade da Justiça e afirmou que a ação penal seguiu o mesmo rito das outras 1.630 ações abertas referentes à tentativa de golpe de estado do dia 8 de janeiro de 2023.
Existindo provas, acima de qualquer dúvida razoável, as ações penais serão julgadas procedentes e os réus condenados. Havendo prova da inocência ou mesmo qualquer dúvida razoável sobre a culpabilidade dos réus, os réus serão absolvidos. Assim se faz a Justiça. Esse é o papel do Supremo Tribunal Federal”.
O voto de Moraes e dos demais ministros serão lidos após a manifestação das defesas, o que deve acontecer nas sessões da próxima semana.
Paulo Gonet, o acusador
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, responsável pela acusação da trama golpista, afirmou que não é necessária uma assinatura para se configurar o crime de golpe de Estado: bastam as reuniões de teor golpista.
“Para que a tentativa se consolide, não é indispensável que haja ordem assinada pelo presidente da República para adoção de medidas estranhas à realidade funcional. A tentativa se revela na prática de atos e de ações dedicadas ao propósito da ruptura das regras constitucionais sobre o exercício do poder, um apelo ao emprego da força bruta, real ou ameaçada”.
Ele relembrou os fatos nos quais se enquadram os cinco crimes a que Bolsonaro e os outros réus da trama golpista respondem: ataque às urnas; ameaças ao Judiciário; plano para matar Moraes, Lula e Alckmin; uso da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para barrar eleitores às urnas no Nordeste; instrumentalização da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); reuniões e planos golpistas: “Lula não sobe a rampa”.
Para Gonet, não punir a tentativa de golpe “recrudesce ímpetos de autoritarismo” na sociedade e prejudica a vida civilizada.
Paulo Gonet e Moraes durante primeiro julgamento de Bolsonaro na 1ª Turma do STF — Foto: Antonio Augusto/STF
Ele disse que Bolsonaro não só seria o maior beneficiado pela trama golpista — caso tivesse dado certo — como também era o líder da organização criminosa que tentou subverter a democracia.
Não é preciso um esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso”.
Gonet afirmou ainda que a acusação não se embasa em “suposições frágeis”, mas em documentos produzidos pelos próprios integrantes da organização criminosa.
Não há como negar fatos praticados publicamente, planos aprendidos, diálogos documentados e bens públicos deteriorados […] Encontra-se materialmente aprovada a sequência de atos destinados a propiciar a ruptura da normalidade do processo sucessório”.
Para o procurador-geral, as investigações comprovaram a existência de um plano para tentar romper com a ordem democrática no país.
Ao fim do processo, resta certo que houve um combinado de atos orientados a consumar um golpe de Estado que desnaturaria o Estado Democrático de Direito num dos seus elementos, por respeito à escolha livre dos cidadãos, do chefe do Executivo. Além disso, tentou-se o amesquinhamento do Poder Judiciário com o impedimento do exercício regular das suas competências. A violência, além daquela conhecida pela ampla divulgação das vilanias do 8 de janeiro, foi objeto de ameaça constante.
Ele encerra a sua manifestação pedindo a condenação de todo o núcleo crucial do golpe.
Defesa de Mauro Cid
A primeira defesa a falar foi a do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro , que reforçou a validade da delação premiada, fechada com a Polícia Federal em 2023, e negou que ele tenha sido pressionado.
Cid responde pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Ainda segundo o advogado Jair Ferreira, Cid não teve conhecimento dos planos para assassinar autoridades e pediu baixa do Exército por não ter condições de continuar. No final, o advogado pediu a confirmação da colaboração, com todos os termos negociados.
Cezar Bittencourt, outro advogado de Cid a falar, disse que não há fatos concretos que sustentem a ação penal contra o seu cliente. Afirmou que não há mensagens do militar propondo ou incentivando qualquer atentado contra a democracia.
O que há é o recebimento passivo de mensagens no seu WhatsApp.
Defesa de Ramagem
Paulo Cintra, advogado de Alexandre Ramagem (ex-chefe da Abin e deputado federal), disse que o réu não fazia mais parte do governo federal na época em que o Ministério Público cita a atuação do suposto núcleo crucial da trama golpista.
Ele negou ainda que Ramagem tenha atuado na elaboração de mensagem de descrédito nas urnas.
Ramagem não atuou para orientar, não era ensaista de Jair Bolsonaro, ele compilava pensamentos do presidente. Isso aconteceu nesse documento, presidente.docx e também no documento presidenteinformatse.docx.
Sobre a ‘Abin paralela’, Paulo Cintra negou que Ramagem tenha usado o órgão para monitorar autoridades, como o ministro Alexandre de Moraes.
Defesa de Garnier
O advogado Demóstenes Torres, que faz a defesa do ex-comandante da Marinha Almir Garnier, argumentou que não há nexo causal individualizado, ou seja, a ligação da conduta do militar com as ações ilícitas relatadas pela acusação. Para o advogado, há uma “narrativa globalizante”.
No caso daqueles que supostamente fazem parte desse núcleo, tem que deixar claro exatamente o que foi que eles fizeram.
Ele pediu a anulação da delação de Mauro Cid.