‘Óculos sensoriais’ identificam obstáculos e ajudam locomoção de pessoas cegas; projeto vence prêmio nacional
Aparelho é instalado nos óculos e complementa uso da bengala. O dispositivo avisa com som e vibração sobre obstáculos acima da linha da cintura do usuário.
Sensor desenvolvido pelo INSTITUTO FEDERAL DE PERNAMBUCO (IFPE) ajuda pessoas cegas a identificarem obstáculos.
Pesquisadores do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) do Recife criaram um dispositivo para ajudar pessoas cegas durante a locomoção. O aparelho, que se encaixa aos óculos, avisa com som e vibração caso o usuário se aproxime de obstáculos acima da linha da cintura.
A ferramenta complementa o uso da bengala, que funciona como uma espécie de radar pessoal, para identificar barreiras baixas, como buracos e batentes. A ideia surgiu em 2015, a partir de relatos do revisor de Braille do IFPE José Carlos Amaral, que é cego.
Mesmo ainda sem ter previsão de ser comercializado, o dispositivo foi reconhecido no Prêmio Inova 2025, do Painel Telebrasil 2025, principal evento de telecomunicações e inovação do país. O projeto venceu duas categorias: “Especial Acessibilidade” e “Destaque”. A premiação aconteceu na terça-feira (2) e na quarta-feira (4), em Brasília.
José Carlos, que colaborou com o projeto por meio de sua própria experiência, contou que, por mais que seja barata e eficiente, a bengala não é suficiente para perceber os obstáculos que ficam na altura dos olhos, por exemplo.
Galhos de árvores, extintores instalados na parede e placas são alguns dos objetos que, mesmo não bloqueando o solo, podem atrapalhar o caminho de pessoas com alguma deficiência visual.
“A gente acaba sujeito a colidir com obstáculos aéreos, que ficam da cintura para cima. Esses episódios foram relatados em reuniões. […] Eles [os pesquisadores] desenvolveram esse projeto com intuito de contribuir com nossa maior segurança e autonomia nos deslocamentos”, disse.
A tecnologia desenvolvida pelo IFPE foi inspirada na ecolocalização utilizada por golfinhos e morcegos.
Na natureza, esses animais emitem ondas sonoras para obter informações sobre o ambiente. Quando o som reflete em um objeto e retorna como eco ao emissor, o indivíduo consegue calcular a distância entre ele e uma possível barreira.
“É até um pouco ousado da parte deles dizer que o meu contributo foi decisivo. Eu acho que eles teriam tido a mesma ideia. Agora a rapidez com que essa ideia foi materializada e apresentada ao mundo, acho que nisso, nesse momento, talvez eu tenha tido algum contributo”, destacou José Carlos.
Além de Thiago, mais de 20 alunos já participaram do projeto ao longo dos 10 anos de pesquisa, orientada pela professora Aida Ferreira, doutora em Ciências da Computação. A professora afirmou que a inclusão do dispositivo em um aplicativo móvel pode oferecer recursos adicionais aos usuários.
Por se encaixar nos óculos do usuário, o dispositivo pode se adaptar a diversas pessoas, de crianças a adultos. O produto continua em desenvolvimento, sendo testado por pessoas com deficiência visual do Instituto de Cegos Antonio Pessôa de Queiroz, no Recife.
O projeto é financiado por órgãos de fomento através da aprovação em editais. Entretanto, empresas ainda não mostraram interesse em investir e produzir o dispositivo em larga escala. Por isso, há poucos equipamentos disponíveis, utilizados somente na pesquisa.
Em 2022, a pesquisa deu origem à startup Synesthesia Vision, focada na comercialização e expansão do protótipo. O público-alvo são as mais de 500 mil pessoas cegas no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Um dos objetivos é a integração do dispositivo a um aplicativo para aparelhos móveis. O aplicativo pode oferecer recursos adicionais, como informações meteorológicas, detecção de luminosidade e assistência em transporte público.
“A ideia é fazer com que o nosso aplicativo se conecte via bluetooth com o dispositivo sensorial, e que o nosso aplicativo fosse acionado pelos botões. A gente tem botões no equipamento para o cego não precisar tirar o celular do bolso, já que atrapalha, porque ele já está com a bengala numa mão”, contou a professora.
Por ser produzido nos laboratórios do IFPE, o custo para cada dispositivo ainda considerado alto, de cerca de R$ 2 mil.
“Isso custa para nós hoje. A partir do momento em que houver investimento, depois que parte para a indústria, esse custo baixa muito. É caro agora porque fazemos um por um”, informou a doutora Aida Ferreira.