De revolução arquitetônica a fracasso imobiliário: 1º ‘prédio giratório’ do mundo tem futuro incerto após duas décadas
Edifício inaugurado em 2004 no Paraná tem sistema capaz girar cada apartamento de forma independente, com comando de voz. Apesar da inovação, apartamentos ‘encalharam’ e destino do prédio segue indefinido.
Concebido para permitir ao morador mudar de ambiente e também a vista da janela com apenas um comando de voz, o Edifício Suite Vollard, em Curitiba (PR), representou uma revolução para a arquitetura e tecnologia imobiliária no final dos anos 1990.
Em 2004, quando foi lançado, ele foi anunciado como o primeiro prédio giratório do mundo. Apesar da proposta inovadora, o edifício não teve sucesso comercial e está abandonado há anos.
O edifício de 11 andares em formato cilíndrico fica no bairro Mossunguê e começou a ser idealizado em 1994. As obras duraram de 1998 a 2004.
Cada andar tem um único apartamento e pode girar 360 graus de forma independente em relação aos demais. O projeto permite, inclusive, que dois andares girem ao mesmo tempo em sentidos opostos. Esse movimento é impulsionado por um pequeno motor.
O projeto foi pensado como um edifício de alto padrão e a novidade atraiu atenção nacional e internacional. No entanto, os apartamentos “encalharam”. O edifício acabou sendo penhorado para pagar dívidas da construtora e leilões fracassados marcam os mais de 20 anos de abandono da estrutura.
Para o arquiteto Bruno Franco, que projetou o Suite Vollard, o problema foi ter erguido um ‘prédio redondo em uma cidade quadrada’.
No fim dos anos 90, a Moro Construções Civis Ltda., construtora que lançou o projeto do Suite Vollard, era movida por projetos conceituais, afirma Sérgio Luiz Silka. Ele foi gerente da empresa e trabalhou ao lado de Bruno na concepção do projeto do prédio giratório.
“A Moro não fazia o feijão com arroz, ela fazia trabalhos bem elaborados, sempre com propostas diferenciadas. Se a gente pegar o histórico da Moro você vai perceber que existem trabalhos icônicos dentro daquilo que foi proposto para a época”, afirma.
O Suite Vollard nasceu com o objetivo de virar ponto de referência para quem visse de fora e proporcionar aos moradores experiências que pareciam de ficção. Em um artigo de 2012, Bruno de Franco escreveu:
> “Viver em um apartamento giratório é o máximo que o minimalismo pode oferecer.
> […] A rotação permite levar a cama, o bar ou o estar, até uma aconchegante
> lareira junto ao volume do cilindro central; ou levar você de onde estiver
> para assistir o próximo filme. Estacionar sua mesa onde você quiser, jantar à
> luz de velas e contemplar as luzes da cidade; ir dormir com a lua se
> escondendo e acordar com o sol nascendo. […] É um edifício conceito.”
Apesar das ambições grandiosas da construtora, Sérgio Silka detalha que a criação de cada projeto considerava fatores como o número de possíveis compradores e o interesse do público pelos projetos.
“Sempre era uma preocupação nossa. Era um balizador para a gente entender até onde se podia ir com uma proposta. ‘Existem 11 pessoas que comprariam apartamentos nesse prédio? Existem em Curitiba 11 pessoas para isso?'”, conta.
O lançamento, porém, frustrou as expectativas: desde a inauguração, o Suite Vollard nunca foi habitado. Submetido ao abandono e ao vandalismo, o empreendimento acabou penhorado por dívidas judiciais da construtora.
Em 2004, as unidades – cada uma com 164,75 m² – eram vendidas por cerca de R$ 835 mil (cerca de R$ 2,5 milhões em valores atuais).
Em 2022, dois leilões foram feitos para tentar vender os apartamentos. O lance inicial era de R$ 1,4 milhão, mas nenhum comprador apareceu. Outro leilão foi feito, desta vez com lances a partir de R$ 849 mil. Apenas uma unidade foi arrematada. No mesmo ano, os imóveis foram para venda direta, com 50% de desconto, novamente sem sucesso.
A Construtora Moro entrou em recuperação judicial em 2023. A reportagem entrou em contato com o escritório de advocacia que representa a empresa no processo, mas os pedidos para agendar uma entrevista não foram respondidos.
A Coordenadoria de Segurança de Edificações e Imóveis (Cosedi), órgão da Prefeitura de Curitiba responsável por fiscalizar edificações no município, informou que não fez nenhuma vistoria recente no prédio. “É necessário que haja uma solicitação ou denúncia via central de atendimento 156 para que os fiscais verifiquem se há algum risco estrutural”, informou a Cosedi. A prefeitura afirma também que o Suite Vollard não tem hoje as documentações e autorizações necessárias para ser habitado.
Sérgio avalia que hoje a arquitetura é mais imediatista e que a lógica do mercado mudou. Com isso, segundo ele, não há mais espaço para a proposta e conceito nos projetos.
“A Moro teve em uma época um centro tecnológico. Era uma preocupação em se estudar novas tecnologias e tal. Sempre esteve arraigado dentro do nosso processo buscar coisas novas, propostas novas, materiais novos, novas soluções”, afirma.