Erro de grafia em nome leva homem a ser preso injustamente por estupro em SP: eletricista é solto após oito dias no CDP de Pinheiros

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Preso por um ‘i’: erro na grafia do nome faz eletricista ficar detido
injustamente por estupro em São Paulo

Preso por engano, eletricista passou oito dias no CDP de Pinheiros até ser solto
pela Justiça, depois que família comprovou sua inocência. Tribunal da Justiça da
BA confirma que juiz autorizou soltura após MP e polícia informarem que erraram
em inquérito policial e denúncia.

Homem é preso por engano em São Paulo após erro de grafia em nome de denunciado na Bahia

Um morador da região do Grajaú, Zona Sul de São Paulo, ficou mais de uma semana
preso injustamente no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pinheiros, na Zona
Oeste, acusado de estupro de vulnerável por causa de um “i”. O eletricista autônomo Jabson Andrade da Silva, de 56 anos, nasceu em Araci, Bahia, mas mora na capital paulista desde 1991. É casado há 33 anos e tem duas filhas. Não tem passagem pela polícia. Já Jabison Andrade da Silva foi denunciado pela ex-companheira por estuprar a enteada entre os anos de 2008 e 2015 em outra cidade baiana, Ubatã.

E foi justamente a pequena diferença na grafia nos nomes dos dois que levou o morador de São Paulo a ser o procurado pela Justiça e ficar preso entre 7 e 15
de julho. Quando o estupro foi denunciado na delegacia de Ubatã, o nome citado
no inquérito policial foi Jabson, sem a letra “i”. O erro persistiu até o
mandado de prisão preventiva expedido pela Justiça.

Em nota, o Tribunal de Justiça da Bahia informou que o juiz Eduardo Camilo
comunicou ter pedido a soltura de Jabson depois que o “o Ministério Público e a
Polícia Civil acusaram que erraram no Inquérito Policial e na denúncia
informando outra pessoa” (leia nota completa abaixo).

O Ministério Público da Bahia disse que apresentou parecer à Justiça em 11 de
julho se manifestando pela revogação da prisão preventiva de Jabson. “Após
detida análise dos autos e da petição apresentada pela defesa, constatou-se a
existência de indícios de possível equívoco na qualificação do custodiado,
apontando possível homonímia entre ele e o real autor dos fatos.”

Em entrevista ao DE, o eletricista contou que estava em casa com a esposa quando
policiais foram até o imóvel com o mandado de prisão, no dia 7, uma
segunda-feira, durante uma operação que prendeu quase mil foragidos da Justiça.

“Era por volta de 10h, e os policiais foram à minha casa. Perguntaram se eu
tinha passagem pela polícia, e eu disse que não. Aí ele disse: ‘Olha, estou aqui
com um mandado de prisão que vem do estado da Bahia. A acusação de um crime
gravíssimo, coisa séria’. Aí perguntei o que era e me disseram que era estupro
de vulnerável. Falei que não havia feito nada e que minha consciência estava
limpa. Nisso, minha mulher já começou a passar mal”, contou.

Jabson foi levado para um distrito policial e chegou a informar que deveria
haver algum erro, que não era ele quem estavam procurando.

“Me levaram para um DP, depois para outra delegacia e pegaram meus documentos,
dados. O investigador disse que aparecia mais crimes no meu nome, e eu falei que
nunca tive passagem pela polícia. Na primeira delegacia que me levaram, eu
consegui falar com minha esposa para acionar meu compadre para ver um advogado.”

No dia seguinte, 8 de julho, Jabson foi para o Fórum da Barra Funda, onde passou
por uma audiência de custódia. Na sequência, foi levado para uma cela no CDP
Pinheiros.

“É até difícil relatar como foi. As coisas foram acontecendo a cada instante.
A cela que me deixaram, tinha um rapaz que já tinha puxado 20 anos de cadeia,
juntando todas as prisões. Tinha sido preso umas quatro, cinco vezes. Foi
horrível. A comida é pouca, e o lugar é feito para ninguém gostar daquilo. É
desumano.”

“Eu tinha visto uma reportagem sobre um preso injustamente, mas não pensava que
isso aconteceria comigo. Nos anos 2000, teve um episódio de confundirem meu nome
também em um processo de falso testemunho em um crime de Suzano. E tive que
comprovar que era homônimo. Mas prisão assim, [por engano], por estupro, não desejo nem para o meu pior inimigo.”

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O eletricista ainda conta que sofreu com a hostilidade por parte dos agentes
penais.

“Quando cheguei, eles raspam a cabeça e me fizeram colocar a mão numa grade. Um
policial penal gritou comigo: ‘Recolhe a mão, seu arrombado’. É assim o
tratamento lá dentro. Te tratam muito mal. Você não pode responder nada. É
enlouquecedor. Tem pessoas que surtam lá dentro. Eu falava que era inocente, mas
diziam que todos falam isso”, ressaltou.

Ele ainda conta que tentou se manter calmo no período em que esteve detido, pois
sabia que era inocente.

“Eu fiquei muito preocupado com minha esposa nos cinco primeiros dias, porque
uma semana antes ela fez exames para saber se era cardíaca. Mas uma advogada foi
até lá e disse que ela estava bem, então fiquei mais calmo. Procurei me
aproximar do pessoal do Evangelho, que dá uma força enorme com mensagens, e
estão prontos para te ajudar.”

O DE questionou a Polícia Civil da Bahia se o verdadeiro denunciado, Jabison
Andrade da Silva, está solto, mas não obteve resposta até a última atualização
desta reportagem.

MOBILIZAÇÃO DA FAMÍLIA

Assim que o eletricista foi levado para a delegacia, a família dele começou a se
mobilizar para que pudessem juntar provas de que aquele mandado de prisão não
era para ele.

“Na hora em que meu pai foi levado preso e tivemos acesso logo depois às
descrições, a gente já tinha certeza de que não era meu pai. No relato, a mulher
informa que [o homem acusado] era companheiro dela, que viveu com esse
companheiro em torno de 6 anos na Bahia, e ela tinha uma filha que foi abusada
dos 6 aos 12 anos. Meu pai mora em São Paulo havia anos. Tem uma filha de um
relacionamento quando ele era jovem e tem eu. Nunca teve enteada”, afirmou a
filha de Jabson, Catherine Lourenço.

“Começamos, então, a recorrer a advogado porque foi informado que seria
necessário fazer a transferência dele de São Paulo para lá (Bahia). A gente
correu contra o tempo para evitar que isso acontecesse. Mandamos todas as
informações, como carteira de trabalho do meu pai, comprovando que no período
que foi feito o crime, ele estava trabalhando em São Paulo.”

Na época dos crimes, entre 2008 e 2015, o eletricista trabalhava como zelador em
um condomínio da capital paulista e tinha carteira assinada.

Além do advogado, a família procurou a imprensa da Bahia com a esperança de que
o caso chegasse até a mulher que denunciou o ex-companheiro, e ela pudesse
comprovar que Jabson não era a mesma pessoa que foi denunciada.

“A gente conseguiu localizar um repórter da cidade porque a gente queria que
fosse noticiado lá para ver se encontrava a mulher. Por coincidência, o repórter
era vizinho dela, comunicou, foi noticiado para as autoridades, e o caso
repercutiu. Isso ajudou muito porque se não meu pai estaria preso ainda, porque
esses processos são muito demorados”, ressaltou a filha.

SOLTURA

Jabson Andrade da Silva, de 56 anos, ficou preso mais de uma semana injustamente em SP — Foto: Arquivo Pessoal

A defesa da família reuniu as provas e entrou com um pedido de soltura na
Justiça da Bahia.

“Desde o início, quando a família entrou em contato, nunca houve qualquer dúvida
quanto à inocência. E, diante dos fatos apresentados pela família, a prisão
efetuada era absolutamente impraticável do ponto de vista dos fatos objeto do
mandado. Como advogado, percebi a possibilidade de um grave erro de
identificação pessoal, possivelmente derivado de homonímia e que resultou na
vinculação de Jabson aos fatos descritos na denúncia, demonstrando o que poderia
ser, e foi, uma tremenda falha na investigação criminal”, afirmou o advogado
Carlos Magno, ao DE.

Magno ainda ressalta que prenderam Jabson sem conferências básicas no local onde
o processo começou.

“Houve falha em promover as diligências mínimas, de conferência da data de
nascimento, filiação, RG, CPF, necessárias para confirmar a real
identidade. E selaram o destino de um inocente à prisão sob a alegação de um
crime de capitulação tão grave que o mesmo precisou ficar isolado na ala
denominada “Seguro” do Centro de Detenção Provisória”.

“Encaminhando toda documentação que teve ajuda fundamental do colega advogado
que o representou no estado da Bahia, houve o acolhimento quase que imediato
tanto do Ministério Público quanto do próprio juízo, e que só não resultou na
liberdade do injustiçado devido ao trâmite burocrático da documentação e dos
cadastros da administração pública, necessários para a promoção da liberdade de
fato”, explicou Magno.

Na última terça-feira (15), Jabson teve a prisão preventiva revogada após o juiz
assinar o alvará de soltura e foi solto. A família o aguardava do lado de fora,
o que o deixou muito aliviado. Um vídeo gravado pela filha mostra o momento da
soltura.

“Você fica entre a cruz e a espada. Não sabe o que fazer ali dentro porque tem
pessoas que têm atitudes de brigar, e eu nem tenho mais idade de ficar
trocando briga com mais jovem. Mas não cheguei a ser ameaçado por ninguém. Só
o tratamento mesmo dos policiais penais. Graças a Deus, o advogado foi muito
ágil, deu tudo certo, e eu estou em casa agora.”

“Quero entrar com uma ação indenizatória contra o Estado. Nem estou pensando em
dinheiro, mas eles precisam ser mais cautelosos”, ressalta.

O QUE DIZEM AS AUTORIDADES DA BAHIA

Tribunal de Justiça:

“O juiz Eduardo Camillo, Titular da Vara de Ubatã, comunicou que: ‘o Ministério
Público e a Polícia Civil acusaram que erraram no Inquérito Policial e na
denúncia informando outra pessoa. Com isso, eu decidi pela liberdade dele ontem
à tarde. Alvará de soltura já devidamente assinado’.”

Ministério Público:

“Informamos que o Ministério Público do Estado da Bahia apresentou parecer à
Justiça, na última sexta-feira (11), manifestando-se pela revogação da prisão
preventiva de Jabson Andrade da Silva. No documento, o MPBA registra que, após
detida análise dos autos e da petição apresentada pela defesa, constatou-se a
existência de indícios de possível equívoco na qualificação do custodiado,
apontando possível homonímia entre ele e o real autor dos fatos.”

Polícia Civil:

O DE procurou a Polícia Civil da Bahia, mas até a última atualização desta
reportagem, não obteve resposta.

O QUE DIZEM AS AUTORIDADES DE SÃO PAULO

Secretaria da Segurança Pública:

“A Polícia Civil esclarece que a prisão do homem citado ocorreu com base em um
mandado de prisão em aberto expedido pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
e cadastrado no Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP). Após a
detenção, o mesmo permaneceu à disposição da Justiça. Informações sobre o
inquérito policial e indiciamento do homem devem ser solicitadas junto aos
órgãos competentes do Estado da Bahia.”

Tribunal de Justiça:

“Como se trata de processo de outro Estado, a única informação que temos aqui é
que ele passou por audiência de custódia no TJSP em 8/7/25, por um cumprimento
de mandado de prisão.”

Secretaria de Administração Penitenciária:

“A Secretaria da Administração Penitenciária informa que a pessoa citada foi
colocada em liberdade ontem (15), em virtude de revogação de prisão preventiva
concedida pelo Poder Judiciário.”

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