Especialistas apontam machismo estrutural e falhas na educação como causas da morte de Alícia Valentina: análise

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Especialistas apontam machismo estrutural e falhas na educação como fatores
ligados à morte de Alícia Valentina, de 11 anos

Segundo BO, vítima se recusou a ‘ficar’ com colega antes de ser agredida. Para
profissionais, adultização e ausência de debates sobre masculinidade ajudam a
perpetuar violências.

Especialista vê machismo estrutural no caso de menina de 11 anos morta após
agressão em escola

A morte de Alícia Valentina, de 11 anos, após ser espancada por colegas dentro
da escola municipal onde estudava, em Belém do São Francisco, no Sertão do estado, pode ter sido motivada pela recusa da menina em “ficar” com um colega de escola, segundo o boletim de ocorrência registrado por uma tia da garota.

De acordo com o documento, Alícia foi agredida por quatro meninos e uma menina,
após recusar se relacionar com um deles. A irmã da vítima, que também estuda na
Escola Municipal Tia Zita, onde o crime aconteceu, foi quem contou à tia a
possível motivação do ocorrido.

Segundo profissionais de educação e psicologia, reflexões sobre machismo
estrutural e adultização das crianças são necessárias para expor e debater
problemas que ultrapassam os muros da escola e podem ter influenciado o desfecho
trágico que atingiu Alícia.

Embora a idade dos estudantes que participaram da agressão contra Alícia não
tenha sido informada oficialmente, a mãe da vítima diz que um dos jovens tem
entre 13 e 14 anos.

Para Cláudia Costin, especialista em políticas educacionais, a escola falhou em
deixar as crianças envolvidas no caso sem o acompanhamento de adultos
responsáveis. De acordo com ela, há uma “adultização” no comportamento destas
crianças, que precisam de acompanhamento da sociedade e do ambiente escolar.

“Nós estamos adultizando as crianças. Uma criança de 10, 11 anos ficar com a
outra e, ao serem frustrados, matar a coleguinha, ou mesmo que não chegasse a
matar, espancar. Há algo de muito errado em tudo isso. É importante que a
educação assuma seu papel por meio da escola, mas também que a sociedade encare
isso como inaceitável”, disse Cláudia Costin.

Na avaliação do psicólogo Quíron de Pontes, a violência que tirou a vida de
Alícia não pode ser vista como um episódio isolado, mas sim uma reprodução de
dinâmicas sociais.

Em paralelo com a aclamada série da Netflix, “Adolescência”, o psicólogo
ressaltou que o machismo e uma “visão subalterna do feminino” marcam muitos
meninos, que “crescem acreditando que têm poder sobre os corpos e as escolhas
das meninas”.

“Eles se deparam com mulheres e meninas cada vez mais empoderadas, que não
aceitam relacionamentos violentos nem a negação dos seus direitos. Esse choque
tem produzido uma reação marcada pelo ódio e pela violência, um fenômeno que
precisamos compreender para transformar”, pontuou Quíron de Pontes.

O psicólogo ressaltou ainda que a forma como meninos são educados precisa ser
repensada coletivamente.

“O poder público, as escolas, as famílias e as empresas precisam assumir o
compromisso de promover debates e políticas sobre masculinidades saudáveis, para
além do básico do respeito, para uma verdadeira cultura de igualdade. Temos
avançado nas discussões sobre direitos das mulheres, mas o debate sobre
masculinidades caminha muito lentamente”, afirmou o psicólogo.

Entenda o caso:

Alícia Valentina, de 11 anos, foi agredida por colegas, na quarta-feira (3),
dentro da Escola Municipal Tia Zita, em Belém do São Francisco, no Sertão de Pernambuco. Ela chegou a ser atendida em uma unidade de saúde do município e em outra na cidade de Salgueiro, também no Sertão, mas precisou ser transferida para o Hospital da Restauração, no bairro do Derby, área central do Recife.

Na sexta (6), a direção da escola divulgou uma nota de pesar e afirmou estar acompanhando o caso junto às autoridades competentes. O comunicado prestou solidariedade à família da criança e apontou que a instituição acionou a equipe pedagógica.

Na noite do domingo (7), a menina não resistiu aos ferimentos e morreu no
Hospital da Restauração, no Recife.

No atestado de óbito de Alícia, consta que a causa da morte foi “traumatismo
cranioencefálico produzido por instrumento contundente”. Isso significa que, provavelmente, a menina foi atingida na cabeça com algum objeto.

O que diz a mãe:

A mãe de Alícia, que não quis se identificar, contou que foi avisada sobre o
estado de saúde da filha por uma professora. Segundo ela, depois do
espancamento, a menina foi levada por funcionários da escola para o hospital do
município e, após ser medicada, foi liberada pela médica.

Ela disse que só soube da gravidade dos ferimentos no segundo hospital que
atendeu a criança, em Salgueiro. Segundo ela, em nenhum momento enquanto era
socorrida, a filha contou como ocorreram as agressões. A mãe afirmou, ainda, que
exames atestaram que Alícia sofreu uma pancada muito forte na cabeça, e que “não
tinha sido um tapa de jeito nenhum”.

No colégio, ninguém soube explicar à família em que circunstâncias ela foi
agredida, mas uma das professoras do local chegou a dizer que ao menos parte da
confusão foi registrada por uma câmera de segurança.

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