Especialistas avaliam projeto de uso da Bíblia nas escolas de BH

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Bíblia nas escolas: o que dizem especialistas sobre projeto aprovado na Câmara Municipal de BH

Uso da obra como material de apoio na rede pública e privada de ensino foi aprovado em segundo turno, nesta terça-feira (8), pelos vereadores de Belo Horizonte.

Vereadores de BH aprovam uso da Bíblia como material de apoio nas escolas

O uso da Bíblia em escolas públicas e particulares como material de apoio foi aprovado em segundo turno, nesta terça-feira (8), pela Câmara Municipal de Belo Horizonte. Durante a votação, o texto, que ainda seguirá para sanção ou veto do prefeito Álvaro Damião (União Brasil), levantou um debate sobre a laicidade do Estado e as implicações da obra no ensino pedagógico (entenda mais abaixo).

O projeto de lei recebeu 28 votos a favor, oito contra e duas abstenções (veja como votou cada vereador). De um lado, a autora da proposta, Flávia Borja (DC), argumentou que o PL permite aos professores abordar histórias de civilizações antigas, como Israel e Babilônia, que não se encontram em outras fontes, além de trabalhar com diferentes gêneros literários, como crônica, poesia e parábola.

Do outro, parlamentares alegaram que a medida fere o princípio do Estado laico. Pedro Patrus (PT) apresentou uma emenda proibindo a conotação religiosa da abordagem, mas ela foi rejeitada pela maioria.

O texto ainda prevê que a participação em aulas com conteúdo bíblico não seja obrigatória, de modo a garantir a liberdade de religião. Os vereadores contrários, porém, afirmaram haver possibilidade de constrangimento de alunos que seguem outras vertentes religiosas ou vêm de famílias ateias.

Procurada pelo Diário do Estado, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que se posicionará depois de submeter o projeto à análise da Procuradoria-Geral do Município. O Ministério da Educação (MEC) não havia se posicionado sobre o assunto até a última atualização desta reportagem.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS?

Segundo o filósofo Carlos Roberto Jamil Cury, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e especialista em Políticas Educacionais, Direito e Educação, o primeiro ponto a ser considerado na análise do projeto é quem tem a competência para atribuir determinadas disciplinas e conteúdos nas escolas — neste caso, a União.

“De acordo com a Constituição Federal, a União tem competência privativa para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional”, afirma o filósofo.

Isso significa que a Federação é a única entidade no país que pode editar normas gerais sobre as bases da educação. Ainda de acordo com o especialista, o artigo 210 da Constituição Federal prevê a responsabilidade do Estado para o ensino fundamental, incluindo a fixação de conteúdos mínimos e a oferta de ensino religioso, de matrícula facultativa.

“Olhando desse ponto de vista, estamos multiplicando meios para o mesmo fim. Primeiro, a Câmara Municipal não tem competência para isso, não tem atribuição legal e duplica meios para o mesmo fim, porque o ensino religioso já tem a matrícula facultativa, ou seja, não obrigatória, definida pela Constituição”, explica o professor.

Em relação à perspectiva pedagógica, a laicidade brasileira já permite trabalhar em sala de aula o respeito a todas as religiões, sem o privilégio de uma em detrimento da outra, conforme Cury.

“Na fase em que se encontram as crianças desta faixa etária e desta etapa da educação, o que você tem são seres em formação. Nesse sentido, o uso da Bíblia pode criar uma discriminação entre colegas. Enquanto um lê e vai para essa aula, outro não vai, e aí começa a haver uma confrontação absolutamente desnecessária”, destaca o especialista.

Para o professor e doutor em direito constitucional Alexandre Bahia, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o projeto vai de encontro ao artigo 19 da Constituição Federal, que aborda a separação entre o poder público e a religião.

“O Estado não pode nem subvencionar nem discriminar nenhuma religião. O que me parece é que essa lei privilegia uma religião, a cristã, que tem várias vertentes, e exclui as demais”, diz.

O advogado reforça que os municípios e estados devem respeitar os princípios constitucionais, como a laicidade. Em 2021, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela inconstitucionalidade de uma lei que tornava bíblias obrigatórias em escolas do Amazonas.

“A justificativa que esse projeto de lei apresenta, citando conhecimentos sobre história, cultura e até paleontologia, no fim das contas, parece tentar confundir uma questão religiosa para dar a ela um cunho científico. Tecnicamente, não há muita discussão sobre a inconstitucionalidade desta lei. Politicamente, é difícil de dizer”, analisa Bahia.

Por fim, o professor acredita que o procurador-geral de Belo Horizonte vai apontar os problemas do projeto ao prefeito.

“Só o Estado laico pode garantir que todas as religiosidades sejam respeitadas e que pessoas que não têm religiosidade não sejam perseguidas”, conclui o especialista.

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