Pesquisa revela a diversidade de cogumelos comestíveis silvestres do Brasil
Segundo estudo, país pode abrigar mais de 400 espécies de cogumelos comestíveis na natureza. Conhecimento tradicional e da ciência garantem o consumo seguro e sustentável dessas espécies.
1 de 3 Lentinus berteroi possui formato de funil, pelos no chapéu e himenóforo (parte de baixo) com lamelas — Foto: Mariana Drewinski
Lentinus berteroi possui formato de funil, pelos no chapéu e himenóforo (parte de baixo) com lamelas — Foto: Mariana Drewinski
No Brasil, um tesouro natural cresce discretamente sob as copas das florestas: os cogumelos silvestres comestíveis. Uma rede de 20 pesquisadores mapeou todas as espécies conhecidas no país e confirmou a ocorrência confiável de 86 delas. No entanto, o número pode ser muito maior, ultrapassando 400 espécies ainda pouco estudadas.
Além de seu valor ecológico, esses fungos ganham destaque como alternativa sustentável na alimentação, seja como fonte de proteína, ingrediente gastronômico inovador ou recurso florestal não madeireiro.
Liderado por pesquisadores do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão em Micologia (IFungiLab) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), o estudo criou uma classificação para as espécies silvestres do Brasil que une o status de comestibilidade global da espécie, a documentação de consumo no Brasil e o tipo de registro de ocorrência da espécie.
> “Dentro das mais de 400 espécies, existem muitas que foram registradas na literatura apenas uma vez, às vezes sem descrição morfológica, ou mesmo, nomes de espécies que já sabemos que possuem distribuição mais restrita e que não devem ocorrer aqui. O que percebemos com este artigo é que ainda temos muitas espécies para investigar e confirmar a real ocorrência delas no país”, explica Mariana de Paula Drewinski, mestra em Biologia de Fungos, Algas e Plantas pela UFSC e autora do artigo.
2 de 3 Favolus brasiliensis é um cogumelo comestível que cresce em madeira em decomposição — Foto: Mariana Drewinski
Favolus brasiliensis é um cogumelo comestível que cresce em madeira em decomposição — Foto: Mariana Drewinski
A pesquisa foi organizada em três etapas: a primeira foi uma revisão bibliográfica, onde os pesquisadores reuniram dados de estudos anteriores sobre cogumelos silvestres comestíveis no Brasil. A segunda etapa consistiu na análise de registros depositados em bases científicas, como o GenBank, para identificar espécies já catalogadas geneticamente. Por fim, a equipe realizou novas coletas e análises laboratoriais, gerando 143 sequências de DNA, representando 40 espécies dentro de 29 gêneros diferentes.
Os resultados mostraram que apenas 86 espécies possuem registros confiáveis de ocorrência no Brasil, seja por meio de dados moleculares ou pela descrição com base em materiais coletados no país. No entanto, outras 323 espécies precisam de investigações mais aprofundadas para confirmar sua identidade e distribuição, sendo que pelo menos 41 delas já possui algum registro de consumo por populações locais. Além disso, 282 espécies podem representar novos recursos alimentares ainda inexplorados no país.
> “O Brasil possui uma funga espetacular e ainda temos muito para conhecer sobre as espécies que ocorrem no nosso território. Todos os anos são publicados vários artigos com descrição de novas espécies de cogumelos, entretanto, nem todos trazem informações sobre a sua comestibilidade”, destaca Mariana Drewinski.
CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
Um dos aspectos fundamentais da pesquisa é a contribuição do conhecimento tradicional para a identificação e uso seguro de cogumelos comestíveis. Povos indígenas e comunidades tradicionais há séculos utilizam esses fungos como fonte de alimento, acumulando saberes sobre suas propriedades, formas de preparo e possíveis riscos.
Para garantir uma abordagem científica e sistemática, os pesquisadores buscam classificar a comestibilidade dessas espécies, reunindo informações que ajudam a determinar quais cogumelos são seguros para consumo e quais ainda exigem mais estudos para garantir essa segurança alimentar.
Essa categorização leva em conta espécies com evidências de consumo sem efeitos adversos, aquelas que requerem preparo especial ou manipulação cuidadosa antes da ingestão, as que não possuem registros claros de comestibilidade e, por fim, as espécies reconhecidamente tóxicas.
3 de 3 Auricularia cornea cresce em troncos de árvores mortas, sendo frequentemente encontrado em épocas chuvosas na Ásia, África, Austrália e América do Sul — Foto: Mariana Drewinski
Auricularia cornea cresce em troncos de árvores mortas, sendo frequentemente encontrado em épocas chuvosas na Ásia, África, Austrália e América do Sul — Foto: Mariana Drewinski
O conhecimento tradicional desempenha um papel essencial nesse processo. Um exemplo citado no estudo é a Enciclopédia dos Alimentos Yanomami Ana amopö (2016), uma obra que documenta o uso de 15 espécies de cogumelos pelos indígenas Sanöma. Além de identificar essas espécies, o livro detalha as formas de preparo adotadas pela comunidade, oferecendo um valioso registro sobre seu consumo seguro.
Segundo Mariana Drewinski, atualmente não existe um teste laboratorial definitivo que determine se um cogumelo é comestível ou não. De acordo com ela, os pesquisadores podem identificar compostos já conhecidos por não serem tóxicos, mas isso não significa que a espécie não contenha outras substâncias potencialmente nocivas ainda desconhecidas pela ciência.
Entre os principais riscos associados ao consumo de cogumelos silvestres sem a devida identificação, algumas espécies podem causar dores na barriga, diarreia e vômito, outras podem ser mais graves e causar lesões permanentes no fígado e rins, e outras ainda podem ser fatais.
“Se você quer começar a comer cogumelos silvestres, precisa aprender a conhecer as espécies. Para isso, você precisa estudar. Procure livros, artigos e cursos com especialistas. Depois de identificar a espécie e conhecer sobre sua comestibilidade (algumas espécies precisam de longo tempo de cocção, por exemplo), se for comer pela primeira vez, coma pouco e observe como seu corpo vai reagir. Assim como qualquer outro alimento, uma espécie comestível pode desencadear uma reação alérgica em pessoas mais sensíveis”, diz.