Excelentíssimo reitor, e agora?

Li uma vez que as escolhas que fizemos cinco anos atrás, refletem em
como nossa vida é conduzida hoje. Essa ideia sempre fez algum sentido
para mim. Em uma dessas opções, resolvi voltar – depois de “velho” – aos
bancos de uma universidade. Eu, que estudei em faculdade particular,
dessa vez tinha como objetivo o ensino público. Fui procurar provas
antigas, reler materiais do ensino médio, e o pior de tudo, seis horas
sentado na carteira fazendo vestibular, uma eternidade.

É verdade que não existia muita esperança, afinal eram 12 anos longe
das fórmulas de Bhaskhara, Tabelas Periódicas, Capitanias
Hereditárias, Aritmética, Vozes Verbais, Análise Combinatória,
Inconfidência Mineira, ufa… Estava dentro. O tão falado curso de
Educação Física da Escola Superior de Educação Física e Fisioterapia
do Estado de Goiás – ESEFFEGO (UEG). Aprendi com minha mãe que o
conhecimento é a única coisa que ninguém nos tira, e eu não queria
diploma, só queria aprender.

Aos 28 anos voltava para a sala de aula. Aquela energia estudantil, o
fascínio pelos autores marxistas, as panelinhas, calouradas e suas
bebidas coloridas, os ignorantes, os positivistas, as atléticas, os
banheiros sujos, a falta de material, a fila da matrícula, xérox
eterna, os duelos intelectuais, os projetos sociais, os teatros de
fantoches, as competições, coletivo de autores e uma vontade enorme de
ser licenciado em educação. Como tudo isso é bom! E então, a GREVE…
Mas calma!!! Quero dizer umas coisas antes disso.

Sou de uma época anterior às #hashtags, e ainda assim se pichava nos
muros o #foraMarconi. Nas eleições para o novo diretor da ESEFFEGO, o
“querido professor” fica em primeiro, o #foraMarconi (que até então
era o atual Governador) resolve usar a caneta e nomear o derrotado. A
ESEFFEGO, fundada em 1962, perde seu espaço, a comunidade perde sua
escola. Somos transferidos para o revitalizado “Estádio Olímpico”.
Nosso novo diretor – nomeado mesmo perdendo a eleição – nos leva ao
lugar onde as salas de aula são arquibancadas. A Escola Superior muda
de nome. O reitor (UEG) se envolve em denúncia de irregularidades. E a
luta inexistente dentro da burocracia, faz a greve se tornar umas
férias longas e sem sentido.

Claro que essa história caberia em livros, e eu poderia escrever
linhas e linhas sobre a atual “Faculdade do Esporte” e sua complicação
epistemológica. Sobre o fim das bolsas de estudo. O corte nos
incentivos estudantis. O Atraso salarial dos professores. A falta de
salas de aulas. A incrível piscina olímpica seca que nem nosso
Cerrado. O #foraCaiado perpetuando o desgosto pela educação!

E você leitor, que talvez não tenha lido em canto nenhum sobre o
drama dessa greve, não sabe como foi cruel para nós estudantes
vivermos uma luta desarmados, confusos, sabendo que a intolerância
não pode ser tolerada. Que nosso tesouro não podia ser levado. Um
desses professores que carregamos para a vida me disse que “o vômito
é por pra fora o que não teve digestão”. Mas como eliminar algo que não
ingerimos?

Agora vivemos o fim da “Hora dos Ruminantes”, e nossa greve cheia de
imprevisibilidades, pode também chegar ao desfecho. Minha terapeuta aconselha:
“você precisa formar logo”. Mas o fim da luta me preocupa. Lembra que
não vim pelo papel carimbado? Minha família sempre esteve à frente de
um quadro-negro, conduzidos pela educação como forma de integração
social e inclusão.

Voltaremos às salas de aula, ao som das furadeiras, das placas de
inauguração, a marca das empresas responsáveis por nos fazerem estudar
no palco, no estádio, no espetáculo. Hoje, dia 30/07/2019 acontece
mais uma assembleia, e como aprendi com aquele professor da vida toda,
o ponto da pauta é atingir o jabuti colocado em cima da árvore, mas
sem jogar pedras, claro! Resta saber se ele desce de lá por mera boa vontade.

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A crise moral da nova geração de médicos

Médico com máscara.

Por: SARA ANDRADE

Uma jornalista jovem de classe média tem livre circulação nos ambientes frequentados por pessoas com histórias relativamente parecidas: vivendo dentro dos seus vinte anos, formando-se na faculdade e começando carreiras no mercado de trabalho. Nesta bolha, destaca-se a quantidade de moças e rapazes que optaram pelo estudo da medicina.

Estão aí para provar as estatísticas: de 2000 para 2020, o número destes profissionais no Brasil mais que dobrou, passando de 230 mil para meio milhão, segundo resultados do estudo “Demografia Médica no Brasil 2020”, liberado pelo Conselho Nacional de Medicina em parceria com a Universidade de São Paulo.

As milhares de entregas de canudo, tão comemoradas, foram responsáveis por alargar a média de médicos a cada mil habitantes no país: de 1,4 para 2,4, colocando o Brasil no mesmo patamar de nações como Japão ou Polônia, e apenas décimos atrás dos Estados Unidos, com média de 2,6. O que os números não podem mostrar, no entanto, são os pormenores deste fenômeno. Aqui vale o ponto de vista de uma jovem jornalista, e o cenário não é tão simples quanto parece.

A medicina sempre carregou consigo seu bocado de nobreza. Curar doenças, tirar a dor das pessoas, aumentar o tempo e a qualidade de vida: de fato, o jaleco branco pode ser uma espécie metafórica de batina, numa profissão quase sacerdotal, sagrada. Não seria falta de noção falar até em “amor ao próximo”. Muitos jovens estudantes parecem ter esta ideia romântica em mente: ajudar as pessoas através do trabalho de suas vidas. Não é só um emprego: torna-se missão e vocação.

Enquanto isso, outros estudantes de medicina parecem perdidos pelo caminho. Atenção: este é um questionamento aos que em breve serão médicos! Você está verdadeiramente preparado para abrir mão de si, dos seus desejos e caprichos, em prol de um desconhecido? Muitas vezes, seus pacientes serão “impacientes”, inoportunos e sem educação (até porque podem estar sob o efeito de grande dor).

Você pode não ser agradecido, nem reconhecido ou elogiado. Quem sabe até injustiçado. Pense consigo, você pode suportar? Você quer suportar? A sua escolha deve ser como em um casamento: o padre sempre avisa da riqueza e da pobreza, da saúde e da doença: quem diz sim, o diz para tudo.

Com o prestígio do ofício, vêm os abutres. Quantos não estão cursando medicina pelo status social, pelo dinheiro prometido, ou ainda apenas pela experiência da vida festeira de universitário? Tudo isso pode estar no pacote, caso o amor também se faça presente. Sem amor primeiro, é tudo vazio neste coração de doutor. Assim, a indagação martela nas mentes: como um universitário interesseiro e exibido, que nunca se doou a nada, nem a ninguém, pode ser um bom médico? De onde tirará o amor que tudo suporta, que persevera? Ninguém pode dar o que não tem.

Seria possível que um estudante qualquer de medicina, na condição de escravo de aprovação, de likes em redes sociais, incapaz de reconhecer o esforço da família para formá-lo, que só se importa em figurar bem para os amigos nos ambientes sociais… seria possível que disso saia altruísmo, doação e abnegação de si? Doar-se não é lá tão impossível e atos como arrumar a própria cama já são ótimos sinais de ordem interior. A disciplina, a sinceridade, a submissão aos superiores, tão necessárias no dia a dia do médico: tudo isso começa pequeno, mostrando-se no dia a dia do estudante.

Se você não sente obrigação nenhuma para com ninguém, se o mundo inteiro (seus amigos, pais) está sempre errado e você certo, ou se a culpa de seus fracassos, ou más ações, nunca é sua, pobre vítima… falta-te o principal para ser um bom médico: o amor. E este só vem com maturidade, com a compreensão de que sua vida não é para você se entupir de si mesmo, mas um presente ao mundo: ao tiozinho da esquina que sofre, à criança resfriada e à fofoqueira insuportável do bairro. Desse modo, seus dias ganharão um sentido maior.

Muitos reduzem o sucesso na vida ao sucesso profissional. Nada mais equivocado! Quantos não são fracassados com contas bancárias gordas? Isso acontece porque sucesso verdadeiro é ter personalidade, maturidade. E isso só se alcança com consciência moral, que diferencia bem e mal, e que gera noção de dever. Mas o que será de uma geração de jovens médicos que tem horror à própria ideia de moralidade? De ordem? Ou com uma dificuldade imensa de compreender a necessidade de regras, de ritos… Serão eles ricos? É possível. E também miseráveis, porque imaturos e sem personalidade. No fim, ninguém é feliz assim, ou cumpre seu chamado no mundo, sua vocação.

Aliás, o que levaria um jovem médico a doar-se por alguém? Sem sombra de dúvidas, a certeza da dignidade da vida humana, e o conhecimento da sua transcendência. Infelizmente, esta geração tem receio até mesmo de dizer que uma vida humana vale mais que a vida de um papagaio, ou de uma lesma. Como amar o humano, se não se sabe o que ele é, ou quanto vale? Ingênuo pensar que um estudante imaturo e incapaz de amar tornaria-se imediatamente amoroso e dedicado pelo toque mágico do diploma em suas mãos.

Essa dinâmica se aplica a todas as profissões, mas o médico deve ser o primeiro da fila a entender a vida. Porque muitas vezes, ela está em suas mãos. Um bom exemplo a guiar os novatos de consultório pode ser São Lucas. Médico, artista e historiador. Com uma vida inteira doada ao conhecimento da verdade humana. Que a paixão pela beleza da existência também inspire você a cada dia, jovem médico, e te leve ao amor maior. Especialmente neste dia 18, dia do médico e de São Lucas, padroeiro da honrosa missão de curar.

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