Fábrica de bolos prioriza contratação de mulheres 60+ em SC: ‘Estou muito feliz e minha vida é aqui’, diz funcionária
Vítimas do etarismo, mulheres voltam a encontrar oportunidade no mercado de trabalho em Florianópolis. Socióloga explica que pessoas mais velhas são vistas, muitas vezes, como opção ‘obsoleta’.
O Antonietas mostra mulheres que sofreram etarismo, mas deram a volta por cima
O Antonietas mostra mulheres que sofreram etarismo, mas deram a volta por cima
Aos 70 anos, Jadna Estácio Costa trabalha como auxiliar de produção em uma bolaria de Florianópolis. Ela arrumou o emprego há pouco menos de um ano. Antes disso, apenas passava pela frente da loja e reforçava dois pedidos: queria uma sobra de comida e, quem sabe, um trabalho.
“Eu vinha aqui todos os dias para ver se tinha sobrado alguma coisa para comer. A Jacque (atendente) me dava o que sobrava. Matou muito minha fome”, conta.
Dona Jade, como é conhecida na Casa de Bolos onde trabalha, vivia praticamente na rua depois que precisou sair de Laguna, no Sul de Santa Catarina, para morar em Florianópolis. A mudança ocorreu por medo depois de sofrer abuso sexual durante um assalto a residência. Preferiu perambular pelas ruas da capital catarinense à insegurança que sentia permanecendo na cidade onde foi vítima.
“Andei tanto em muitos lugares e todo mundo me recusava. Dizia que eu tinha uma idade, já não podia trabalhar. Até que um dia passei aqui e fui convidada para trabalhar. Nem acreditei”.
Jadna, 70 anos, trabalha na Casa de Bolos há cerca de 8 meses — Foto: Reprodução NSCTV/Renato Soder
O que é etarismo? Segundo o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, etarismo é qualquer tipo de preconceito baseado na idade cronológica e pode ser manifestado em situações do cotidiano, como na desvalorização da experiência dos mais velhos e na falta de oportunidades para os mais jovens. O etarismo engloba atitudes discriminatórias contra pessoas ou grupos de qualquer idade.
A dificuldade de encontrar emprego depois dos 60 anos também foi sentida por Dila Borges. Depois de se aposentar, viveu uma depressão. Percebeu que a aposentadoria não era suficiente e que, mesmo com energia e vontade, o mercado se fechava para ela por causa da idade.
“Muitos lugares que eu ia perguntavam: que idade tu tens? Ah, não, aqui a gente só pega pessoas mais jovens. Aí eu voltava para casa com aqueles currículos, mas nunca perdi a esperança, né?”.
Dila Borges conseguiu oportunidade depois de 3 anos procurando emprego — Foto: Reprodução NSCTV/Renato Soder
Há três anos, entrou com um de seus currículos em uma das unidades da Casa de Bolos. Começou prestando serviços diários, mas logo conseguiu a recolocação no mercado de trabalho.
“Aí foi aonde eu me encontrei. Não tomei mais remédio (para depressão). Estou muito feliz e a minha vida é aqui. Estou muito bem”, diz.
A rede de bolos que atende Santa Catarina e Paraná pertence a Murilo Bonucci, empresário que prioriza funcionárias de mais idade. Ele entende que elas, além de serem a cara do negócio, levam ao trabalho mais maturidade.
“São pessoas mais calmas, mais vividas, com mais experiência, conseguem conversar com o nosso público, tratar bem as pessoas que têm essa afinidade com um bolinho caseiro”, explica.
A inciativa de Bonucci é uma exceção. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, com base em dados do IBGE, a participação de mulheres 60+ no mercado de trabalho é de 17% contra 35,6% dos homens.
O tempo que elas dedicam aos cuidados com familiares reflete nos números, segundo a professora de sociologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Thais Lapa.
“Esse direcionamento das mulheres para os cuidados faz com que elas fiquem com menos bagagem para a inserção profissional nos lugares que remuneram melhor, que poderiam fazer com que elas tivessem uma recompensa pelo seu trabalho com um salário mais elevado, mais satisfatório. E aí, muitas vezes, essa lacuna que fica nessa preparação de trajetória para se inserir no mercado de trabalho se reflete em poucos empregos”, explica Lapa.
Além disso, a socióloga diz que existe uma tendência de deduzir que pessoas com uma faixa etária mais elevada não sejam consideradas atualizadas, ou capazes para muitos cargos.
“É como se fossem uma opção obsoleta no sentido de que você não tem os conhecimentos necessários atuais para se inserir nas diversas vagas ofertadas”, reflete.
Mas não na bolaria. Porque lá elas são inspiração, conforme Murilo. “Elas conseguem se superar a cada dia, o que incentiva a equipe e a gente a dar mais oportunidade”, completa.
COMO COMBATER O PRECONCEITO ETÁRIO
Segundo o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, algumas ações podem ajudar a combater o preconceito etário. Confira:
– realizar campanhas de comunicação para aumentar o conhecimento e a compreensão do processo natural da vida na mídia, entre o público em geral, os legisladores, os empregadores e os prestadores de serviços;
– legislar para não haver discriminação contra pessoas mais velhas (ou muito jovens);
– garantir que uma visão equilibrada do envelhecimento seja apresentada na mídia;
– conscientizar e dialogar sobre o etarismo e suas consequências nas escolas e na sociedade em geral; e
– valorizar a experiência e os conhecimentos dos mais velhos, aceitando a contribuição com a sua sabedoria e vivências.
REVEJA REPORTAGENS DO MOVIMENTO ANTONIETAS
40 vídeos