Falso médico usou nome e CRM de profissional verdadeiro para assinar mais de 200 declarações de óbito de pacientes em hospital
Entre 2011 e 2012, Fernando Dardis se apresentou como ‘doutor Ariosvaldo’ na
Santa Casa de Sorocaba. Nesse período, atendeu pacientes, prescreveu e indicou
tratamentos médicos, mesmo sem ser formado em medicina. Ele está preso, acusado
de causar duas mortes.
NÃO USAR – Falso médico usou sua foto com o nome e CRM de Ariosvaldo, profissional da área, para exercer ilegalmente a medicina em hospital (à
esquerda). Ao lado aparece RG com o verdadeiro nome dele: Fernando Henrique
Dardis — Foto: Reprodução
O falso médico preso acusado de matar duas pacientes usou a foto dele, mas com o nome e o número do
Conselho Regional de Medicina (CRM) de um profissional verdadeiro para assinar
mais de 200 declarações de óbito de pacientes na Santa Casa de Sorocaba, interior de São Paulo. O caso foi revelado no domingo pelo Fantástico.
As informações são do próprio Fernando Henrique Dardis, que foi preso na terça-feira pela polícia após se entregar numa delegacia em Guarulhos, na Grande São Paulo. Procurado pela Justiça, ele chegou a confirmá-las durante uma audiência, anos antes da prisão.
Admitiu, por exemplo, que fingiu ser médico entre 2011 e 2012, quando atendeu
pacientes, prescreveu remédios e indicou tratamentos no hospital em Sorocaba, onde era conhecido como “doutor Ariosvaldo”.
O fato de Fernando ter assinado documentos que atestavam as mortes de pacientes
não significa que ele atendeu todos eles. Isso porque médicos plantonistas
costumam assinar declarações de óbito de pacientes atendidos por outros colegas.
Quem assina certifica, no entanto, a provável causa da morte. E foi isso o
falso médico fez, mas de maneira ilegal, já que nunca foi médico.
Falso médico era conhecido como ‘doutor Ariosvaldo’, mas usou nome de
outro profissional para trabalhar ilegalmente.
De todo modo, para conseguir manter essa farsa, Fernando confessou ter pego
documentos desse médico verdadeiro sem o conhecimento dele quando fazia
faculdade de medicina e estagiou num centro hospitalar em Guarulhos, onde Ariosvaldo
trabalhava.
Para dar mais credibilidade ao personagem que criou, Fernando também colocou a
foto na carteira de identidade de Ariosvaldo e pegou o currículo do verdadeiro
médico como sendo seu. Providenciou ainda um carimbo com o nome e CRM do
profissional.
A fraude foi descoberta depois após denúncias de pacientes e familiares que
procuraram as autoridades. A equipe de reportagem não conseguiu localizar
Ariosvaldo para comentar o assunto.
Nesse período em que trabalhou como falso médico em Sorocaba, Fernando jamais
usou o seu verdadeiro nome, que só era conhecido em Guarulhos, onde também passou por
mudanças. Batizado como Fernando Henrique Guerreiro, ele resolveu retirar o
último sobrenome e adotou no lugar Dardis, que é da sua família paterna. Essa
alteração foi feita legalmente.
FALSIDADE IDEOLÓGICA
Fernando Henrique Dardis, o falso médico, usou RG em nome de Ariosvaldo,
médico verdadeiro.
O que não foi legal foi Fernando atuar como médico sem ser por um ano e meio.
Ele chegou a cursar até o sétimo semestre de medicina, mas abandonou o curso sem
concluí-lo ou se formar médico.
E nesse tempo em que exerceu a profissão ilegalmente, acabou condenado pela
Justiça por falsidade ideológica.
Fernando também foi acusado pelo Ministério Público (MP) de provocar as mortes
de duas pacientes. É réu na Justiça de ter assumido o risco de matar Helena
Rodrigues e Therezinha Monticelli Calvim. Ele ainda não foi julgado pelos
crimes. O julgamento do caso de Helena foi marcado para 30 de outubro deste ano
em Sorocaba.
Atualmente Fernando responde preso por homicídio por dolo eventual nos casos das
duas pacientes mortas. Ele é acusado de prescrever remédios e não saber dar o
atendimento necessário às vítimas.
FORJOU A PRÓPRIA MORTE
Site e documento da prefeitura informam que houve troca de nomes de quem
foi enterrado no cemitério de Guarulhos. Antes era Fernando Dardis, depois um idoso.
A Justiça decretou a prisão preventiva de Fernando em maio a pedido do MP. O
motivo: a Promotoria descobriu que ele havia forjado a própria morte para não
ser julgado pelos homicídios das pacientes.
De acordo com o MP, Fernando conseguiu um atestado de óbito falso de que ele
teria morrido por sepse no Hospital Brás Cubas, em Guarulhos, na região metropolitana. O hospital pertence à família dele.
Depois disso, ainda segundo a acusação, Fernando forjou documentos do Cemitério
Municipal Campo Santo, em Guarulhos, para informar que ele foi enterrado lá. Para isso, colocou no sistema do Serviço Funerário Muncipal o nome
dele no lugar do de um idoso de 99 anos, que realmente está sepultado no local.
‘ESTOU VIVO’
Falso médico já tinha condenação na justiça.
Por meio de nota, Luiz Antonio Nunes Filho, advogado de Fernando, informou que a
decretação da prisão de seu cliente é “desnecessária e desproporcional, razão
pela qual já está a requerer a substituição por medidas cautelares
alternativas.”
Em um vídeo encaminhado no último domingo por sua defesa, o falso médico disse
que vinha “a público esclarecer que está vivo” e agiu sozinho “em um momento de
desespero”.
O Fantástico recebeu uma nota da empresa Med-Tour, que não aparece como sócia do
Brás Cubas, mas é de propriedade da família de Fernando. Ela informa que os
proprietários receberam com surpresa a notícia narrada pela reportagem e negam
envolvimento em qualquer irregularidade.
Procurada pelo DE para comentar o assunto, o Conselho Regional de Medicina do
Estado de São Paulo informou, por meio de um comunicado, que irá apurar o caso do falso
médico que atendia pacientes em hospital.
MP QUER APURAÇÃO DO GAECO
Em 2012, Fernando foi condenado pela Justiça por portar distintivo da Polícia
Civil e carregar munições em seu carro, mesmo não sendo policial. O caso ocorreu em 2009 em Guarulhos. À época ele havia dito a
Polícia Militar que encontrou o material dentro de uma mochila e o iria
entregar numa delegacia.
De acordo com o promotor Antônio Domingues Farto Neto, existe a possibilidade de
o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP de
Guarulhos participar das investigações sobre o caso porque há suspeita do envolvimento de mais pessoas no
esquema criminoso.
Procurada para comentar o assunto, a Secretaria da Segurança Pública informou por meio de nota que a Corregedoria da Polícia Civil vai apurar se
policiais forneceram o distintivo e munições para Fernando fingir que era
policial. As investigações seguem em andamento.