Fraude no INSS: documento da Controladoria-Geral da União mostra cidades onde descontos atingiam mais de 60% dos aposentados
Municípios do interior de estados do Nordeste tinham até 65% dos beneficiários do INSS sofrendo descontos em suas aposentadorias e pensões. A investigação ainda apura quantos foram lesados no país.
Um documento da Controladoria-Geral da União (CGU) mostra que cidades do interior dos estados do Nordeste eram as que mais concentravam, proporcionalmente, descontos feitos por entidades associativas nas folhas de pagamento de beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O documento da CGU, de junho de 2024, integra a investigação feita pela Polícia Federal que levou à deflagração da Operação Sem Desconto na semana passada.
Segundo a investigação, descontos não autorizados pelos aposentados e pensionistas podem chegar a R$ 6,3 bilhões de 2019 a 2024 em todo o país.
A Controladoria-Geral da União identificou, com base nos dados de março de 2024, “19 municípios com 60% ou mais de aposentados/pensionistas que possuem descontos de mensalidades associativas implementados, localizados principalmente no interior de estados nordestinos, com predominância do Maranhão e Piauí”.
Veja a lista e os percentuais de aposentados com valores descontados:
“Nesses municípios em que houve grande concentração de incidência de descontos associativos, a maior parte dos descontos beneficiou a [Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares] (Contag), como pode ser visto nos gráficos dos municípios de Ribeiro Gonçalves (PI), Altamira do Maranhão (MA) e Vertente do Lério (PE), nos quais a Contag foi beneficiária de 89%, 84% e 91% do quantitativo referente a descontos implementados na base municipal, respectivamente”, apontou a CGU.
Os investigadores, contudo, ainda não sabem quantos desses descontos mensais foram feitos sem a autorização dos aposentados e pensionistas.
A Contag foi uma das entidades alvo de busca e apreensão na semana passada, na operação autorizada pela Justiça Federal em Brasília.
Em nota, a entidade afirmou que “sempre atuou com ética, responsabilidade e tem se empenhado ativamente no aperfeiçoamento da gestão e na fiscalização dos projetos e convênios que administra”.
Vistorias
Em outra frente de apuração, a Controladoria-Geral da União realizou vistorias nas sedes de oito entidades e constatou que parte delas não tinha funcionários e estrutura física suficiente para prestar os serviços que dizia oferecer.
As entidades associativas, em tese, devem representar os interesses dos associados e oferecer serviços como assistência jurídica, descontos em comércios e academias e em planos de saúde, por exemplo.
Uma das entidades vistoriadas pela CGU foi a AAPPS UNIVERSO, “localizada em Aracaju (SE), ocupando espaço físico em imóvel alugado, de médio porte e com pouco mobiliário, tendo passado por reforma recente, aparentando, no entanto, não estar em pleno funcionamento” (veja imagem na abertura desta reportagem).
De acordo com a CGU, a entidade “contava com dois colaboradores no momento da visita”, mas informou ter “sete ou oito empregados contratados e quatro ou cinco colaboradores eventuais nas áreas de medicina, odontologia e assistência social”.
Outro exemplo de entidade visitada foi a Ambec, que “possui sede em São Paulo, mas não possui área destinada ao atendimento presencial dos seus associados, apenas via SAC (telefone ou internet)”.
“A Ambec possui 506.541 aposentados/pensionistas associados, residentes em 5.475 municípios nos 26 Estados e no Distrito Federal. A estrutura física apresentada não revela capacidade para localizar, captar, filiar e muito menos atender tantos associados com tamanha distribuição territorial”, afirmou a CGU.
Em seu site, a Ambec divulgou um comunicado no qual afirma estar ao lado de seus associados e disponibiliza um telefone para tirar dúvidas e um link para cancelamento dos descontos mensais — que já foram suspensos pelo governo em relação a todas as entidades associativas.
Presidentes idosos
O documento da CGU também mostra que algumas associações tinham “presidentes de idade avançada, com aposentadoria por incapacidade permanente, com baixa renda e/ou sem experiência empregatícia formal, o que pode indicar eventual comprometimento da capacidade para gerenciamento das entidades”.
Essas características levantaram suspeitas de que as entidades, na verdade, eram geridas por terceiros que podem ter agido de má-fé.
“Em outra análise, por meio de consulta ao Sistema do Colégio Notarial do Brasil (CENSEC) foram identificadas procurações por meio das quais presidentes de algumas associações concedem amplos poderes a terceiros para representação da entidade. A existência de tais instrumentos sinaliza para a possibilidade de que tais indivíduos sejam representantes de fachada, com o objetivo de ocultar quem de fato administra as entidades e os valores de contribuição associativa por elas administrados”, afirmou a CGU.