Genocida ou Incompetente?

A palavra “genocida” está na pauta do dia. Substantivo e adjetivo com dois gêneros, cuja etimologia está na junção do prefixo “geno”, com o sentido de “raça”, e do sufixo “cida”, determinando o ou a “que mata”. Genocida é quem extermina muita gente em pouco tempo.

No Século 13 o imperador Gengis Khan, na Ásia e no Leste Europeu, matou cerca de 40 milhões de pessoas. Ele pretendia instaurar uma grande confederação, que o levasse à condição de “dono do Mundo”. No século seguinte, o turco-mongol Tamerlão, outro imperador, resolveu concretizar o sonho não realizado de Khan. Na Ásia Central e no Oriente Médio, sob fundamento islâmico, matou em torno de 17 milhões de pessoas, 5% da população mundial, à época.

Na década de 1890, o rei Leopoldo II, na extração da borracha, dizimou entre 5 a 8 milhões de pessoas escravizadas no Congo, então colônia da Bélgica. Entre 1915 e 1923, na Turquia, da 1ª Guerra Mundial até a queda do Império Otomano, o governo matou de 2 a 2,7 milhões de pessoas consideradas “traidoras” por terem lutado ao lado da inimiga Rússia. Armênios, curdos, gregos, assírios foram vitimados pela fome e mal tratos em campos de concentração.

Na década de 1930 a 1940, Josef Stalin, no comando da então URSS, obrigou que alguns países da Cortina de Ferro exportassem a totalidade dos alimentos produzidos para manter a economia, matando entre 20 e 25 milhões de pessoas de fome. Disse Stalin: “A morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística.” De 1939 a 1945 o Nazismo, sob a liderança de Adolf Hitler, exterminou de 17 a 20 milhões de pessoas na Europa. Foram judeus, ciganos, romenos, sérvios, eslavos e, também, deficientes físicos e gays de qualquer origem étnica.

Em 1945, após a 2ª Guerra Mundial, Stalin obrigou os estrangeiros que estavam no leste europeu, a regressarem a pé aos países de origem. Morreram entre 1,5 a 2 milhões de pessoas. De 1958 a 1969, no “Grande Salto Adiante”, Mao Tsé-Tung, comandou na China e no Tibete um conflito para criar potências industriais. Morreram de fome 40 milhões de pessoas. Na “Revolução Cultural”, de 1966 a 1969, houve novo extermínio na China. Desta vez, com outra “preocupação econômica”: a família do condenado era obrigada a pagar pela bala usada para matar o parente.

Em 1971, a leste do Paquistão aconteceu a guerra para independer Bangladesh. De 2 a 3 milhões de muçulmanos, separatistas hindus e sikhs foram mortos. Entre 1975 e 1979, Pol Pot, líder do “Khmer Vermelho”, no Camboja, comandou uma revolução que, em quatro anos, exterminou 1,7 milhões de pessoas de fome nos campos de concentração – 20% da população do país, à época. Foram sumariamente executados intelectuais, professores, artistas, estrangeiros ou os que usassem óculos. No entendimento de Pot, o uso de óculos determina ser culto, instruído e, portanto, perigoso.

Em 6 de abril de 1994, o presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, de etnia hutu, é assassinado em pleno voo quando voltava da Tanzânia. Horas depois, a primeira-ministra ruandesa Agathe Uwilingiyimana, também hutu, seria morta por membros da Guarda Presidencial. Os responsáveis pelos atentados nunca foram condenados. Os hutus, prováveis assassinos, aproveitaram a omissão e apontaram os tutsis como culpados. Foi o pretexto para que as milícias hutus mobilizassem a população da etnia para atacar os adversários. Quem matasse um tutsi poderia se apossar da propriedade da vítima, sem qualquer punição. Cerca de 800 mil a 1 milhão de pessoas foram mortas em três meses e pouco – o equivalente a 70% da população tutsi, naquele momento.

Como se pode constatar, por absurdas razões de caráter étnico, religioso, ideológico, econômico, cultural e outros, os genocidas assassinaram milhões de seres humanos ao longo dos séculos. Com o alto número de vítimas da pandemia da Covid-19 no Brasil, a falta de planejamento e o descaso para com a gravidade do problema, sem falar de quatro ministros da Saúde em apenas dois anos, a palavra genocida está nas conversas de todos os brasileiros. Saber se a aplicação do termo é correta ou não, no aspecto legal é um debate para os juristas. Já quanto às mortes por incompetência…

*Ricardo Viveiros, jornalista, professor e escritor, é membro da Academia Paulista de Educação (APE), conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da União Brasileira de Escritores (UBE), autor, entre outros livros, de “A vila que descobriu o Brasil”, “Justiça seja feita” e “O poeta e o passarinho”.

 

Ricardo Viveiros
Jornalista

 

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A crise moral da nova geração de médicos

Médico com máscara.

Por: SARA ANDRADE

Uma jornalista jovem de classe média tem livre circulação nos ambientes frequentados por pessoas com histórias relativamente parecidas: vivendo dentro dos seus vinte anos, formando-se na faculdade e começando carreiras no mercado de trabalho. Nesta bolha, destaca-se a quantidade de moças e rapazes que optaram pelo estudo da medicina.

Estão aí para provar as estatísticas: de 2000 para 2020, o número destes profissionais no Brasil mais que dobrou, passando de 230 mil para meio milhão, segundo resultados do estudo “Demografia Médica no Brasil 2020”, liberado pelo Conselho Nacional de Medicina em parceria com a Universidade de São Paulo.

As milhares de entregas de canudo, tão comemoradas, foram responsáveis por alargar a média de médicos a cada mil habitantes no país: de 1,4 para 2,4, colocando o Brasil no mesmo patamar de nações como Japão ou Polônia, e apenas décimos atrás dos Estados Unidos, com média de 2,6. O que os números não podem mostrar, no entanto, são os pormenores deste fenômeno. Aqui vale o ponto de vista de uma jovem jornalista, e o cenário não é tão simples quanto parece.

A medicina sempre carregou consigo seu bocado de nobreza. Curar doenças, tirar a dor das pessoas, aumentar o tempo e a qualidade de vida: de fato, o jaleco branco pode ser uma espécie metafórica de batina, numa profissão quase sacerdotal, sagrada. Não seria falta de noção falar até em “amor ao próximo”. Muitos jovens estudantes parecem ter esta ideia romântica em mente: ajudar as pessoas através do trabalho de suas vidas. Não é só um emprego: torna-se missão e vocação.

Enquanto isso, outros estudantes de medicina parecem perdidos pelo caminho. Atenção: este é um questionamento aos que em breve serão médicos! Você está verdadeiramente preparado para abrir mão de si, dos seus desejos e caprichos, em prol de um desconhecido? Muitas vezes, seus pacientes serão “impacientes”, inoportunos e sem educação (até porque podem estar sob o efeito de grande dor).

Você pode não ser agradecido, nem reconhecido ou elogiado. Quem sabe até injustiçado. Pense consigo, você pode suportar? Você quer suportar? A sua escolha deve ser como em um casamento: o padre sempre avisa da riqueza e da pobreza, da saúde e da doença: quem diz sim, o diz para tudo.

Com o prestígio do ofício, vêm os abutres. Quantos não estão cursando medicina pelo status social, pelo dinheiro prometido, ou ainda apenas pela experiência da vida festeira de universitário? Tudo isso pode estar no pacote, caso o amor também se faça presente. Sem amor primeiro, é tudo vazio neste coração de doutor. Assim, a indagação martela nas mentes: como um universitário interesseiro e exibido, que nunca se doou a nada, nem a ninguém, pode ser um bom médico? De onde tirará o amor que tudo suporta, que persevera? Ninguém pode dar o que não tem.

Seria possível que um estudante qualquer de medicina, na condição de escravo de aprovação, de likes em redes sociais, incapaz de reconhecer o esforço da família para formá-lo, que só se importa em figurar bem para os amigos nos ambientes sociais… seria possível que disso saia altruísmo, doação e abnegação de si? Doar-se não é lá tão impossível e atos como arrumar a própria cama já são ótimos sinais de ordem interior. A disciplina, a sinceridade, a submissão aos superiores, tão necessárias no dia a dia do médico: tudo isso começa pequeno, mostrando-se no dia a dia do estudante.

Se você não sente obrigação nenhuma para com ninguém, se o mundo inteiro (seus amigos, pais) está sempre errado e você certo, ou se a culpa de seus fracassos, ou más ações, nunca é sua, pobre vítima… falta-te o principal para ser um bom médico: o amor. E este só vem com maturidade, com a compreensão de que sua vida não é para você se entupir de si mesmo, mas um presente ao mundo: ao tiozinho da esquina que sofre, à criança resfriada e à fofoqueira insuportável do bairro. Desse modo, seus dias ganharão um sentido maior.

Muitos reduzem o sucesso na vida ao sucesso profissional. Nada mais equivocado! Quantos não são fracassados com contas bancárias gordas? Isso acontece porque sucesso verdadeiro é ter personalidade, maturidade. E isso só se alcança com consciência moral, que diferencia bem e mal, e que gera noção de dever. Mas o que será de uma geração de jovens médicos que tem horror à própria ideia de moralidade? De ordem? Ou com uma dificuldade imensa de compreender a necessidade de regras, de ritos… Serão eles ricos? É possível. E também miseráveis, porque imaturos e sem personalidade. No fim, ninguém é feliz assim, ou cumpre seu chamado no mundo, sua vocação.

Aliás, o que levaria um jovem médico a doar-se por alguém? Sem sombra de dúvidas, a certeza da dignidade da vida humana, e o conhecimento da sua transcendência. Infelizmente, esta geração tem receio até mesmo de dizer que uma vida humana vale mais que a vida de um papagaio, ou de uma lesma. Como amar o humano, se não se sabe o que ele é, ou quanto vale? Ingênuo pensar que um estudante imaturo e incapaz de amar tornaria-se imediatamente amoroso e dedicado pelo toque mágico do diploma em suas mãos.

Essa dinâmica se aplica a todas as profissões, mas o médico deve ser o primeiro da fila a entender a vida. Porque muitas vezes, ela está em suas mãos. Um bom exemplo a guiar os novatos de consultório pode ser São Lucas. Médico, artista e historiador. Com uma vida inteira doada ao conhecimento da verdade humana. Que a paixão pela beleza da existência também inspire você a cada dia, jovem médico, e te leve ao amor maior. Especialmente neste dia 18, dia do médico e de São Lucas, padroeiro da honrosa missão de curar.

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