Gente “velha” é mais legal

Querido leitor, preciso lhe contar uma história longa, porém
excelente. É sobre meu fascínio por gente velha, talvez seja preciso
contextualizar alguns fatos, mas a composição dessa admiração começa
lá atrás. Quando mais novo (16 anos antes) frequentávamos o café de
uma galeria, moedas na mesa para os expressos, cinzeiros transbordando
bacanas e camelos, um eterno assunto sobre o nada, que para nós era
tudo, e muita coisa.

Discutíamos cinema, música, política. Gesticulávamos, falávamos alto, declamávamos longos poemas, nossas roupas rasgadas, os cabelos longos e bagunçados, chamávamos atenção de forma discreta, isso
tudo fazia parte da nossa rotina semanal, sentar naquele espaço e
pensar, e ser, e se entender (ou pelo menos achar que entendíamos).

E eu que
tinha acabado de ler meu primeiro livro não obrigatório, (um clássico
do Gabo) quando o assunto na mesa era literatura, anotava tudo em
silêncio, queria sair dali e vasculhar os sebos atrás daquelas
indicações indiretas. Me lembro que nossos discursos eram carregados de palavras como:
rótulos; utopia; undeground, e sempre criticávamos os “Babacas” da
época, não recordo bem o perfil deles, mas não devia ser diferente dos
de hoje.

Não queria ser babaca. Não queria ser igual. Era adolescente, cheio de
energia e armado de críticas. Minha motivação era ser – diferente.
Sempre fui o mais novo, tinha medo de errar, dizer coisas
desinteressantes. Todo mundo entendia tanto de tanta coisa. Me tornei
um observador. E nessa de ouvir mais do que falar, lembrava sempre de
uma frase que minha mãe adorava repetir “quando um burro fala, o outro
abaixa a orelha”. Eu não era um burro que abaixava a orelha.

Um dia, durante um debate dentro de casa, ouvi – “você não sabe nada,
sobre nada”. Claro que aquilo me magoou, como bom canceriano,
me senti perfurado (e naquela época as questões astrológicas eram mais profundas). Super curioso, sedento por conhecimento, como
alguém poderia dizer que não sei nada? Mas ouvi essa frase uma centena
de vezes, em situações diferentes, em escolas diferentes, com chefes
diferentes. Demorou aceitar que não sabia nada. E não era uma
confissão de minha ignorância, como dizem que Sócrates fez, o buraco
era mais embaixo, e mais ignorante.

Minha memória tem ficado cada vez mais afiada, mas impressionante como
as porradas morais nunca saíram da minha cabeça. Não posso fugir do
fato que a curiosidade me alavancou elogios, me aproximou de
pessoas interessantes, de eventos grandiosos, mas o processo para
entender, absorver e digerir críticas teve um tempo diferente do
intelectual. E é aqui, meu amigo leitor, que darei um salto para meu
gosto por gente velha.

É aqui, depois dessa emancipação, que tomei gosto nesse povo. Além do cheiro, da audácia, da impaciência permitida, o Ser-Velho, me deslumbra. Como essas criaturas conseguem ser otimistas e pessimistas ao
mesmo tempo, com tanta coerência e leveza? As bengaladas tem o peso de
uma grama, e o dano de um açoite, gente velha sabe dizer verdades. E
se você não vê beleza nisso, é uma pena. Essa gente sabe – perder
tempo no lento.

Não perder tempo com o que me faz mal! Um mantra, repetido diariamente. Não queria mais ser aquele jovem de ambições revolucionárias. Descobri que minha transgressão acontecia pela experiência. Viciei em experimentar, de tal modo que também queria a sinceridade da melhor idade. O mais próximo que cheguei foi perder os cabelos e reproduzir um personagem cheio de autenticidade. Ou tentar ser esse personagem, com toda a insegurança escondida em uma sobrancelha debochada.

O que me restou foi o gosto de coisa amarga, de erva quente, do mofo,
das misturas fortes. A melancolia me encantava, o acorde antigo me entusiasmava. Meu
fascínio pelos antigos me deixou ranzinza.
Alguns me disseram que fiquei intolerante, babaca. – MAS BABACA NÃO!
Era tudo que não queria ser. Chega um momento que não escolhemos as
coisas pelo certo ou errado. Nem gente velha sabe o que quer.

Perguntei ao meu terapeuta: “entendo que devo me amar, mas as pessoas tem se incomodado com minhas verdades, o que fazer?”. Ele e seus 71 anos de idade, passou a flanela nos óculos, me olhou sério, dessa vez escutou o que eu disse – “então se afaste delas. Não merecem sua verdade”. Aquela gargalhada de amálgamas, um pigarro infinito. Ele estava certo? Claro que o acompanhei na risada, mas era de desespero. Ele então completou – “quando um burro fala, o outro abaixa a orelha. As pessoas não sabem ouvir, muito menos aceitar críticas, pior ainda, a verdade”.

Mais uma vez aquela frase era dita na minha vida.

Eles sugerem; Beba água todos os dias; Comam frutas;
Pratique atividade física. Ninguém nos sugere ouvir os clássicos,
assistir os italianos, ler os solitários. Há beleza na solidão. Não
aquela solidão de Natureza Selvagem, solidão de quem observa, de quem
é leve, de quem perde tempo para se fazer no lento! Na minha sugestão,
prefiro coisas que nos ensine a ter paciência: esperar uma muda de
manjericão florir. Comprar presente 10 meses antes do aniversário.
Acumular cascas de ovos para o adubo.

Eu aprendera a ouvir. E meu terapeuta septuagenário, que nunca me ouviu, me fez pensar que o problema não era minha necessidade de sinceridade. Quis me ensinar a ser velho.

Um dia escrevi para outro leitor. Quando mais novo, troquei cartas que contavam minha vontade da velhice, hoje minha bengala de cutucar desconfortos ainda é jovem, e sou
pouco sábio para conselhos, nem ser chamado de “tio”, pelos alunos
menores, me deixou grisalho. Esses dias um deles me perguntou: porque você não tem cabelo?
Estava ajoelhado a sua frente, ajudando-o com o calçado, sorrindo pela
dúvida dele. Antes de dar uma resposta boba, percebi que não me
lembrava de ver meus cabelos caírem. Agora, cometendo adultério de leitores, percebo que minhas cartas estão virando diários. Quase um divã. E continuo apaixonado pelos anciões. Dessa vez mais paciente. Houve um tempo em que ouvir a palavra PACIÊNCIA, me dava náuseas. Eu queria o agora. Só me restou o Ágora daquele café. Com aquelas pessoas.

Minhas roupas continuam rasgadas. Meu cabelo caiu, minha barba cresceu, minha paciência aumentou, meu vocabulário mudou, e me tornei altruísta. Ontem, já não era o mesmo, e nem quero apressar meu amanhã, mas quando eu for velho de verdade talvez eu aprenda a ser grato com sinceridade, e entender o real motivo de receber um beijo nas mãos e um pedido de benção. Gente velha é mais legal, gente velha coleciona dores e amores, e sabe melhor que ninguém organizar os excessos.

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A crise moral da nova geração de médicos

Médico com máscara.

Por: SARA ANDRADE

Uma jornalista jovem de classe média tem livre circulação nos ambientes frequentados por pessoas com histórias relativamente parecidas: vivendo dentro dos seus vinte anos, formando-se na faculdade e começando carreiras no mercado de trabalho. Nesta bolha, destaca-se a quantidade de moças e rapazes que optaram pelo estudo da medicina.

Estão aí para provar as estatísticas: de 2000 para 2020, o número destes profissionais no Brasil mais que dobrou, passando de 230 mil para meio milhão, segundo resultados do estudo “Demografia Médica no Brasil 2020”, liberado pelo Conselho Nacional de Medicina em parceria com a Universidade de São Paulo.

As milhares de entregas de canudo, tão comemoradas, foram responsáveis por alargar a média de médicos a cada mil habitantes no país: de 1,4 para 2,4, colocando o Brasil no mesmo patamar de nações como Japão ou Polônia, e apenas décimos atrás dos Estados Unidos, com média de 2,6. O que os números não podem mostrar, no entanto, são os pormenores deste fenômeno. Aqui vale o ponto de vista de uma jovem jornalista, e o cenário não é tão simples quanto parece.

A medicina sempre carregou consigo seu bocado de nobreza. Curar doenças, tirar a dor das pessoas, aumentar o tempo e a qualidade de vida: de fato, o jaleco branco pode ser uma espécie metafórica de batina, numa profissão quase sacerdotal, sagrada. Não seria falta de noção falar até em “amor ao próximo”. Muitos jovens estudantes parecem ter esta ideia romântica em mente: ajudar as pessoas através do trabalho de suas vidas. Não é só um emprego: torna-se missão e vocação.

Enquanto isso, outros estudantes de medicina parecem perdidos pelo caminho. Atenção: este é um questionamento aos que em breve serão médicos! Você está verdadeiramente preparado para abrir mão de si, dos seus desejos e caprichos, em prol de um desconhecido? Muitas vezes, seus pacientes serão “impacientes”, inoportunos e sem educação (até porque podem estar sob o efeito de grande dor).

Você pode não ser agradecido, nem reconhecido ou elogiado. Quem sabe até injustiçado. Pense consigo, você pode suportar? Você quer suportar? A sua escolha deve ser como em um casamento: o padre sempre avisa da riqueza e da pobreza, da saúde e da doença: quem diz sim, o diz para tudo.

Com o prestígio do ofício, vêm os abutres. Quantos não estão cursando medicina pelo status social, pelo dinheiro prometido, ou ainda apenas pela experiência da vida festeira de universitário? Tudo isso pode estar no pacote, caso o amor também se faça presente. Sem amor primeiro, é tudo vazio neste coração de doutor. Assim, a indagação martela nas mentes: como um universitário interesseiro e exibido, que nunca se doou a nada, nem a ninguém, pode ser um bom médico? De onde tirará o amor que tudo suporta, que persevera? Ninguém pode dar o que não tem.

Seria possível que um estudante qualquer de medicina, na condição de escravo de aprovação, de likes em redes sociais, incapaz de reconhecer o esforço da família para formá-lo, que só se importa em figurar bem para os amigos nos ambientes sociais… seria possível que disso saia altruísmo, doação e abnegação de si? Doar-se não é lá tão impossível e atos como arrumar a própria cama já são ótimos sinais de ordem interior. A disciplina, a sinceridade, a submissão aos superiores, tão necessárias no dia a dia do médico: tudo isso começa pequeno, mostrando-se no dia a dia do estudante.

Se você não sente obrigação nenhuma para com ninguém, se o mundo inteiro (seus amigos, pais) está sempre errado e você certo, ou se a culpa de seus fracassos, ou más ações, nunca é sua, pobre vítima… falta-te o principal para ser um bom médico: o amor. E este só vem com maturidade, com a compreensão de que sua vida não é para você se entupir de si mesmo, mas um presente ao mundo: ao tiozinho da esquina que sofre, à criança resfriada e à fofoqueira insuportável do bairro. Desse modo, seus dias ganharão um sentido maior.

Muitos reduzem o sucesso na vida ao sucesso profissional. Nada mais equivocado! Quantos não são fracassados com contas bancárias gordas? Isso acontece porque sucesso verdadeiro é ter personalidade, maturidade. E isso só se alcança com consciência moral, que diferencia bem e mal, e que gera noção de dever. Mas o que será de uma geração de jovens médicos que tem horror à própria ideia de moralidade? De ordem? Ou com uma dificuldade imensa de compreender a necessidade de regras, de ritos… Serão eles ricos? É possível. E também miseráveis, porque imaturos e sem personalidade. No fim, ninguém é feliz assim, ou cumpre seu chamado no mundo, sua vocação.

Aliás, o que levaria um jovem médico a doar-se por alguém? Sem sombra de dúvidas, a certeza da dignidade da vida humana, e o conhecimento da sua transcendência. Infelizmente, esta geração tem receio até mesmo de dizer que uma vida humana vale mais que a vida de um papagaio, ou de uma lesma. Como amar o humano, se não se sabe o que ele é, ou quanto vale? Ingênuo pensar que um estudante imaturo e incapaz de amar tornaria-se imediatamente amoroso e dedicado pelo toque mágico do diploma em suas mãos.

Essa dinâmica se aplica a todas as profissões, mas o médico deve ser o primeiro da fila a entender a vida. Porque muitas vezes, ela está em suas mãos. Um bom exemplo a guiar os novatos de consultório pode ser São Lucas. Médico, artista e historiador. Com uma vida inteira doada ao conhecimento da verdade humana. Que a paixão pela beleza da existência também inspire você a cada dia, jovem médico, e te leve ao amor maior. Especialmente neste dia 18, dia do médico e de São Lucas, padroeiro da honrosa missão de curar.

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