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Goiânia chega aos 88 anos com uma desigualdade vergonhosa

Última atualização 23/10/2021 | 21:09

Nos três primeiros meses de 2020, a renda média dos 40% mais pobres da região metropolitana de Goiânia era de R$ 310. Um ano depois, em meio à pandemia, caiu para R$ 200. Em abril, maio e junho de 2021, subiu para R$ 220, ainda R$ 90 abaixo do que era antes da Covid-19. Os dados são do quinto relatório do Observatório Desigualdade nas Metrópoles.

A comparação destes dados com a renda dos 10% mais ricos mostra como o contexto da pandemia não só tirou de quem tinha pouco, mas também aumentou a distância entre estes e os que têm mais dinheiro. Antes da pandemia, o índice que mede esta diferença (razão de rendimentos) estava em 17. No início de 2021, passou para 26,1. No segundo trimestre do mesmo ano, para 26,4. 

O relatório que traz estes dados foi feito pelo Observatório das Metrópoles, um Instituto Nacional de Ciência  e Tecnologia. Em Goiás, quem coordena o projeto é a professora da UFG Celene Cunha. “Não é possível mais pensar apenas localmente, pensando só em Goiânia. É preciso ter a dimensão do seu papel enquanto metrópole. Nesse momento de grande crise nacional e mundial, Goiânia revelou suas dificuldades de enfrentamento dessas situações novas que foram postas e que, de certa forma, acentuaram as desigualdades sociais. Isso se tornou mais evidente”, comenta a pesquisadora.

Apesar do aumento, Goiânia não está entre as cinco metrópoles mais desiguais. Da mais desigual para a menos desigual: João Pessoa, Recife, Rio de Janeiro, Aracaju e Maceió. Goiânia está entre as cinco menos desiguais (em ordem decrescente de desigualdade: Florianópolis, Goiânia, Macapá, Curitiba e Vale do Rio Cuiabá). 

Por trás dos números

Números, taxas e porcentagens tentam traduzir dificuldades que muitas pessoas entendem fazendo uma conta básica: a do dinheiro que entra, menos as despesas. “Quando a gente pensa que vai aumentar um pouquinho a renda, aumentam as coisas pra gente pagar. A energia mesmo eu não estou conseguindo pagar e hoje vai ter outro aumento”. A fala é da Raquel Luiz da Silva, 38 anos e mãe de duas filhas, de oito e treze anos, que recebem pensão alimentícia de R$ 200. 

Raquel mora no Solange Park 1, em Goiânia. Trabalhava como manicure, mas no início da pandemia as clientes pararam de buscar atendimento. Ficou desempregada até junho de 2020, quando uma amiga a chamou para aprender a costurar. Agora, é costureira.

Com as duas filhas em casa durante a pandemia, passou a gastar mais com internet e comida, por exemplo. “Não tem para onde fugir. Arroz mais caro, feijão mais caro. E minhas meninas não são de comer besteira, elas gostam de comida. Comem bem”, comenta.

Ela recebeu auxílio emergencial que ajudou a pagar o aluguel, por exemplo. Mas na última parcela, a sétima, veio significativamente menor: R$ 82. Justificaram o corte dizendo que ela é dependente de alguém que declara imposto de renda muito alto, mas ela não sabe quem é esta pessoa. Tentou o auxílio Mães de Goiás, do governo estadual, mas não recebeu porque suas filhas têm mais de seis anos. Buscou também o Renda Família, da prefeitura de Goiânia, mas o nome do contrato de locação da casa onde mora era diferente do nome no IPTU do imóvel. “[Por conta disso] eles disseram que não tinha jeito”, explica. 

Às vésperas do aniversário da capital, ela diz que não tem expectativa de boas mudanças. 

“Eu não estou achando que está melhorando não, acho que está piorando, porque os preços das coisas estão aumentando demais”, justifica Raquel. 

Infraestrutura dos 88 anos

“Eu acho que nunca tivemos tão poucos motivos para comemorar alguma coisa”, diz o professor do Instituto de Estudos Socioambientais da UFG, Tadeus Arrais. “Temos os antigos problemas que pioraram: trânsito e meio ambiente, por exemplo. Qual o grande presente que a gente tinha que dar à Goiânia? [Resolver o problema] do Rio Meia Ponte, problema de energia e água”, aponta o professor. 

Na opinião do professor, as mudanças do novo código tributário do  Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) vêm em um momento delicado, de redução de renda e precarização do trabalho, e deixam dúvidas sobre como vão funcionar. “A gente só vai saber disso em fevereiro, quando chegar o boleto”, opina.

Segundo a professora da UFG Celene Cunha, Goiânia tem 99 aglomerados subnormais, que somam mais de 13 mil casas. Estes aglomerados são áreas de ocupação sem infraestrutura básica de rede de água e esgoto. Para ela, que é da área de planejamento urbano, um dos grandes problemas da capital é a demora para aprovar a revisão do Plano Diretor de Goiânia.

“Isso é um grande problema, mas tudo sinaliza que está sendo montado um grande acordo para levar a termo essa aprovação” acredita.