Goiânia: de cada 10 crianças abusadas sexualmente, 9 sofrem a violência dentro de casa

O perigo não estava do lado de fora e o abusador não era um ‘monstro’ que surgiu do nada”, mas, sim, um rosto conhecido para 91,8% das crianças cujos casos de abuso sexual foram registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia. O Sistema recebe ocorrências da própria Capital e também de outros municípios. Os dados foram levantados a pedido do Diário do Estado e são referentes a todos os meses de 2021.

Os números também mostram que a criança foi abusada por um familiar em 7 de cada 10 casos. Conhecidos das famílias são 24% dos abusadores.

Já entre vítimas adolescentes, de 10 a 20 anos de idade, as próprias casas foram os locais da violência em 83,9% das situações, sendo que 38% foram cometidas por um membro da família e 34% por conhecidos. As maiores vítimas são as meninas. Na população de até 9 anos, elas são 74,3% de todas as crianças abusadas. Entre adolescentes, 93,4%.

“O perigo não está fora. Autores de violência não têm cara, nem características específicas. Podem ser pessoas da convivência, que ninguém tem a mínima ideia que pode ser autor de violência: pai, avô, parente extremamente amigável. O abusador se aproveita do vínculo com a criança para abusar. Quem vai denunciar uma situação dessas tem que ter coragem, porque, às vezes, denuncia o próprio marido, por exemplo. Precisa de coragem e compromisso com a saúde da criança”, afirma a psicóloga do Sinan, Maria Aparecida Alves da Silva.

O Sistema da prefeitura registrou 335 casos de violência sexual contra criança e 445 contra adolescentes ano passado. Os números, porém, não chegam a representar 10% da realidade, segundo Maria Aparecida.

Os abusos são mais numerosos, já que nem todos passam pelo Sinan. Alguns vão para os registros das delegacias, outros sequer são denunciados. O DE solicitou à Secretaria de Segurança Pública de Goiás os números do estado, mas até o fechamento desta reportagem não obteve os dados.

À frente da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Marcella Orçai, em Goiânia, diz que os casos são constantes. “Recebemos denúncia praticamente todos os dias. Na maioria delas, se o abusador não está dentro da família, é do convívio da criança ou adolescente. Não é quando ela está na rua [que costuma acontecer], é na escola, na igreja, em casa, no bar”, relata a delegada.

Sinais de violência sexual contra crianças

Nem todo abuso deixa sinais no corpo. Inclusive, quando o médico examina a vítima para a formulação do inquérito policial, caso não encontre sinais de violência, não dá atestado de negatividade e sim de inconclusão. Mas os sinais físicos podem se manifestar: vermelhidão ou machucado na boca, na orelha ou em qualquer parte do corpo.

O comportamento da criança pode revelar um abuso, ainda que ela não conte a ninguém, por medo ou vergonha, ou que seu corpo não tenha marcas da violência. Então, os adultos devem ficar atentos a mudanças bruscas de comportamento. “Se a criança for muito pequena, vai dar sinais de irritabilidade e agitação ou sono agitado. Se já tinha parado de fazer xixi na roupa e volta a fazer, também é alerta. Outro sinal é ela sentir medo ou ficar irritada perto de alguém. Em crianças maiores um pouco, o comportamento costuma ser de se isolar e ficar mais chorosa. Ela também pode manifestar hiperssexualização, não conseguindo parar de se tocar, se masturbar”, explica a psicóloga.

É importante manter sempre conversa aberta com as crianças para que elas tenham coragem de contar. Em caso de suspeita, a conversa deve ser atenciosa e sem culpas. “A criança tem muito medo do adulto. O primeiro pensamento é achar que ela quem fez algo errado, sentir culpa, ter vergonha. É importante que quem a escute estabeleça relação de confiança”, detalha a Maria Aparecida.

Como denunciar

Ao perceber a violência, o primeiro passo é acolher a criança e isolá-la do agressor. Caso tenha dúvidas se uma criança está ou não sendo abusada sexualmente, também é possível levá-la a um médico pediatra para passar por uma consulta. O Hospital Estadual da Criança  e do Adolescente (Hecad), em Goiânia, presta atendimento a crianças vítimas de violência sexual, via SUS.

A denúncia pode ser feita anonimamente pelo Disque 100, pelos canais da Polícia Civil ou pessoalmente. A DPCA fica na Rua C-190, esquina com a C-107, Qd. 226, Lt. 13, Jardim América, em Goiânia. Também é possível instâncias de poder como Conselho Tutelar ou Ministério Público, para buscar orientações.

O inquérito policial é aberto e inclui o chamado depoimento especial – que é o da própria criança – feito de forma especializada, em sala específica, por psicólogos, segundo a delegada. Até os 17 anos, a vítima não é ouvida na delegacia, e sim neste local separado, com equipe da Psicologia. A ideia é evitar que a vítima sofra uma nova violência, expondo-a a um ambiente ou situação que possa assustá-la ainda mais.

“Havendo provas de materialidade e indícios de autoria a gente faz indiciamento da pessoa que o caso segue para o judiciário, para o Ministério Público que faz a denúncia e depois é julgado”, explica a delegada.

Segundo a psicóloga da Secretaria Municipal de Saúde, deixar que os abusos continuem ou fingir que nada aconteceu piora as consequências para a criança, ao longo de toda a sua vida. “Esconder, faz isso virar um fantasma que vai dirigir todos os afetos da criança, inclusive quando ela se tornar adulta. Ela pode desenvolver fobias, alterações de humor e relações de dependência ou abusivas”, explica. Os familiares da vítima também precisa ser acompanhados, de acordo com a especialista, diante de sentimentos de culpa que costumam surgir em situações com estas.

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BYD cancela contrato com empreiteira após polêmica por trabalho escravo

Na noite de segunda-feira, 23, a filial brasileira da montadora BYD anunciou a rescisão do contrato com a empresa terceirizada Jinjiang Construction Brazil Ltda., responsável pela construção da fábrica de carros elétricos em Camaçari, na Bahia. A decisão veio após o resgate de 163 operários chineses que trabalhavam em condições análogas à escravidão.

As obras, que incluem a construção da maior fábrica de carros elétricos da BYD fora da Ásia, foram parcialmente suspensas por determinação do Ministério Público do Trabalho (MPT) da Bahia. Desde novembro, o MPT, juntamente com outras agências governamentais, realizou verificações que identificaram as graves irregularidades na empresa terceirizada Jinjiang.

Força-tarefa

Uma força-tarefa composta pelo MPT, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), além do Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), resgatou os 163 trabalhadores e interditou os trechos da obra sob responsabilidade da Jinjiang.

A BYD Auto do Brasil afirmou que “não tolera o desrespeito à dignidade humana” e transferiu os 163 trabalhadores para hotéis da região. A empresa reiterou seu compromisso com o cumprimento integral da legislação brasileira, especialmente no que se refere à proteção dos direitos dos trabalhadores.

Uma audiência foi marcada para esta quinta-feira, 26, para que a BYD e a Jinjiang apresentem as providências necessárias à garantia das condições mínimas de alojamento e negociem as condições para a regularização geral do que já foi detectado.

O Ministério das Relações Exteriores da China afirmou que sua embaixada e consulados no Brasil estão em contato com as autoridades brasileiras para verificar a situação e administrá-la da maneira adequada. A porta-voz da diplomacia chinesa, Mao Ning, em Pequim, destacou que o governo chinês sempre deu a maior importância à proteção dos direitos legítimos e aos interesses dos trabalhadores, pedindo às empresas chinesas que cumpram a lei e as normas.

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