A pandemia criou uma legião de pessoas com doenças mentais e tende a manter as estatísticas em ascensão de casos de suicídio no País. Em um levantamento nacional recente, Goiás aparece como o quinto estado brasileiro em número de pessoas que tiraram a própria vida e na mesma colocação na quantidade de adultos depressivos. O quadro chama atenção para a necessidade de prevenir a situação com autocuidado e olhar diferenciado dentro do círculo social.
Agir contra o próprio instinto de defesa é um grito em silêncio. Na maior parte dos casos, os suicídios estão relacionados aos chamados “6 D”: desesperança, depressão, desemprego, desamor, desamparo e desespero. O contexto socioeconômico costuma estar atrelado às lesões autoprovocadas, que superam o número de mortes por acidentes de moto e HIV nos últimos vinte anos, conforme o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus).
Uma preocupação a mais tem sido apontada nos dados sobre o assunto. A quantidade assustadora de jovens vítimas de doenças mentais, principalmente entre o público LGBTQIA+. Os indígenas, policiais e idosos também concentram o diagnóstico. De forma geral, as mulheres são mais afetadas pelo problemas, no entanto, os homens lideram registros de suicídio.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio pode ser evitado por meio da articulação de políticas públicas e ações nos meios de comunicação. A proposta da instituição seria dificultar o acesso aos principais métodos utilizados, neutralização de relatos e destaque para histórias de superação pela mídia, expandir e fortalecer os serviços de saúde mental para identificar casos precoces e aprimorar habilidades socioemocionais nos espaços de ensino.
O cerne da questão, no entanto, está voltado a questões pessoais. De acordo com a psicóloga e psicanalista Moana Ahary, tudo tem a ver com a narrativa que cada um cria sobre que tipo de vida vale a pena. Existir pode ser mais pesaroso para quem não usufrui de uma rede protetiva de acesso a serviços básicos ou sociais. Justamente por isso, ela alerta para a associação errônea e direta entre transtornos mentais e atos suicidas já que se trata de uma vulnerabilidade ou tendência e não uma sentença para o ato.
“Há razões multifatoriais com aspectos econômicos, sociais, psicológicos, familiares…qual rede de proteção essa pessoa tem? Se a pessoa tem mais acesso a serviços mínimos, como boa moradia, condições de alimentação, acesso a lazer, esporte e serviços de saúde, aumenta a rede de proteção, mas não é suficiente para a ideação suicida”, esclarece.
Dessa forma, a prevenção de suicídio ocorre com individualmente e com políticas públicas, como saneamento básico, redução de violência de gênero, educação antirracista, geração de emprego e de renda e formas de cuidado coletivas, inclusive não reproduzir ainda mais violências.
“O fenômeno suicídio tem a ver com a forma como a sociedade está organizada. Família e amigos são eficientes quando são realmente protetivos. Pandemia escancarou o quanto a própria casa pode ser um lugar muito violento”, diz a profissional.
Limites
A especialista chama atenção para reações comuns entre os que cercam uma pessoa que tentou se matar. A orientação é evitar clichês porque ajudam muito e evitam silenciamentos sobre o sofrimento, evitar deixar a pessoa com acesso a instrumentos que podem levar ao suicídio. “Se você não consegue escutar, não escute e não proponha esse cuidado. Pense como essa pessoa e de que forma ela quer ser cuidada, ajudada… É estar disponível sem ser invasivo”, sugere Mohana.
Serviços como o Centro de Valorização da Vida (CVV) são muito válidos, na perspectiva da psicóloga. Ela destaca que o atendimento é estratégico para manejar uma crise suicida ao ao oferecer a escuta do sofrimento. “Mas se eles ou profissionais de saúde não tiverem o ‘traquejo’ e reproduzirem falas não adequadas, não desconsiderem o trabalho dessas categorias resumindo um ao todo. Há sim formas éticas de trabalhar o tema com responsabilidade social e política”, frisa.
Efeito dominó
Há cura? Para Mohana, o que existe é acompanhamento com psicólogo, psiquiatra, medicação, quando necessário, verificar as redes de cuidado e as suas possibilidades e ainda acesso a atividades de lazer para quem tentou o suicídio e para os enlutados. Ela afirma que estudos mostram que a cada suicídio, 165 pessoas são impactadas por essa morte.
Os pesquisadores chegam a classificar quem sofre por essa morte de sobrevivente enlutado, numa comparação aos efeitos semelhantes vividos por um sobrevivente de guerra e também podem desenvolver ideação suicida.
Ombro e Ouvido amigos
Além do CVV, existem outros serviços de ajuda para todas as faixas etárias. O programa Pode Falar, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), é um canal anônimo de escuta destinado a adolescentes e jovens entre 13 e 24 anos com o objetivo de reduzir a violência e abuso infanto-juvenil, autolesões, tentativas e finalizações de suicídios.
O site Posvenção do suicídio é uma alternativa para enlutados buscarem acompanhamento. Há um mapeamento de serviços e grupos de apoio ao luto por suicídio (online ou presencial) nacionais e gratuitos para pessoas impactadas ou em luto pelo suicídio por região.