Governador Valadares: Emigração para EUA como opção por uma vida melhor

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Fascínio pelos EUA: por que moradores de Governador Valadares veem a emigração
como opção para uma vida melhor

Cidade de MG se tornou polo migratório devido a uma combinação de fatores, desde
a economia local marcada pela estagnação até a formação de redes entre amigos e
familiares de migrantes.

É no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, que está localizada Governador Valadares,
uma das cidades com maior fluxo migratório do Brasil. Entre os seus 257 mil habitantes não
faltam histórias de pessoas que têm parentes ou amigos que se mudaram para os
Estados Unidos em busca de uma
vida melhor.

Diário do Estado se tornou esse polo migratório devido a uma combinação de
fatores, desde a economia local marcada pela estagnação até a formação de redes
entre amigos e familiares de migrantes que acabam despertando o interesse pelos
Estados Unidos em quem ficou na cidade natal. Mas esse fascínio começou muitos
anos atrás, com a chegada de estrageiros durante a exploração de ferro na região
(entenda mais abaixo).

Com o passaporte em mãos, a balconista Ana Maria Pessoa, de 65 anos, comemora a
aprovação do visto americano. Em breve, ela pretende visitar os filhos, Kléber e
Juninho, que saíram de Governador Valadares quando ainda era adolescentes em
busca de melhores condições.

“Eu trabalhava numa lanchonete, uma situação muito difícil lá. Para um deles
viajar, de 15 anos, tive que ir no cartório emancipar ele, fazer de tudo para
mandar ele embora. Assim que chegou lá, ele ficou e casou com uma americana. Com
o tempo, pegou o documento. Graças a Deus, meus filhos trabalham demais, não
ficam à toa nem dia de domingo”, contou Ana Maria.

A valadarense viu a emigração como uma saída para que os dois fugissem da
pobreza e da violência na comunidade onde a família morava.

> “Os filhos da gente querem o melhor… Então falei: ‘Já que vocês querem, vou
> dar a vara pra vocês pescarem, porque eu não tenho condições’. Eu moro numa
> área de risco, perigosa, e falei: ‘É melhor eu sofrer com meus filhos longe do
> que ver um sair do caixão aqui, morto'”, disse.

Os EUA são a nação que mais recebe imigrantes do Brasil. Segundo o Ministério
das Relações Exteriores, cerca de 1,9 milhão de brasileiros vivem no país
norte-americano.

Infográfico Governador Valadares — Foto: Diário do Estado

Segundo especialistas, os motivos que explicam o alto fluxo de migrantes em
Governador Valadares são os seguintes:

* Economia local marcada por uma forte dependência do setor de comércio e
serviços, com ausência de atividades industriais e
extrativistas
* Demanda por mão de obra nos EUA, sobretudo nas últimas décadas do século XX
* Formação de redes de sociabilidade entre conhecidos, familiares e amigos de
migrantes
* Mecanismos facilitadores, quando a viagem irregular — através da fronteira —
é atrativa devido ao baixo custo se comparada a uma viagem por meios legais
* Cultura da emigração, causada pela própria história da cidade além da
quantidade de moradores de Valadares que se estabeleceram nos Estados Unidos
* Perspectiva de melhores condições financeiras, com a possibilidade de renda
em dólar, os imigrantes conseguem se manter e manter seus familiares que
estão no Brasil
* Famílias transnacionais, ou seja, com uma parte dos familiares no Brasil e
outra, no exterior

“São trabalhadores, são pessoas que gostam de trabalhar, vivem a vida, têm uma
remuneração considerável lá, e isso daí é muito importante, tanto para o
desenvolvimento da nossa cidade como para a família deles. Às vezes, é um pai de
família que se desvincula da família para dar um sustento melhor”, afirmou
Stéfano Couri, representante regional da Associação Brasileira de Agências de
Viagens (Abav) no Vale do Aço.

Nos arredores do centro de Governador Valadares, casas de câmbio e lojas com
“América” no nome fazem da cidade a “Valadólares” (entenda origem do apelido
mais abaixo).

Em meados dos anos 1940, foi descoberta uma grande mina de ferro na cidade de
Itabira, próxima a Valadares. No mesmo período, uma reforma foi iniciada na
estrada de ferro que passava pela região.

Os empregados da empresa responsável pela reforma eram norte-americanos e vieram
a Minas para trabalhar, trazendo consigo suas famílias e costumes. À época, os
mineiros tiveram seu primeiro contato com a moeda estrangeira, já que os
americanos a utilizavam para consumir na cidade.

A doutora e pesquisadora de migração da Universidade do Vale do Rio Doce
(Univale), Sueli Siqueira, explica que, apesar do choque entre duas culturas
completamente diferentes, Valadares se adaptou aos novos residentes.

“Por volta dos anos 1960, as pessoas já tinham essa experiência de convivência
com esses americanos, nenhum deles levou algum brasileiro para os EUA, não
aconteceu isso. Mas um engenheiro americano permaneceu aqui [em Governador
Valadares], casado com uma portuguesa, e fundou uma escola de inglês”, explicou
a professora.

Com a nova escola de idioma, os jovens mais ricos da cidade passaram a estudar
inglês e, consequentemente, a participar de intercâmbios. Apesar de eles não
serem os primeiros imigrantes, trouxeram a Valadares as notícias de que os EUA
eram um bom lugar para trabalhar e ganhar dinheiro.

Em setembro de 1964, os primeiros migrantes partem para os Estados Unidos com a
expectativa de melhores salários. O perfil deles era, majoritariamente, de
homens jovens, que falavam inglês e tinham grande poder aquisitivo.

Conforme as pesquisas de Sueli Siqueira, que começaram nos anos 1990, cada um
deles levou, no mínimo, mais 20 pessoas para os EUA, formando diversas
comunidades de mineiros no país norte-americano.

Com o aumento da emigração e, consequentemente, do recebimento de remessas de
dinheiro pelos familiares de migrantes, o fluxo de dólares na cidade aumentou,
rendendo a ela o apelido de “Valadólares”.

“Nos anos 1980 e 1990, houve um período em que as remessas foram muito
importantes para a economia valadarense, e ela superou um pouco essa debilidade
econômica com esses investimentos em dólares. E esses investimentos foram
realizados na construção de casas, prédios, para montar negócios… Durante um
período, a economia em Valadares foi dolarizada, as pessoas pagavam as coisas em
dólar”, explica a professora Gláucia de Oliveira Assis, coordenadora do
Observatório das Migrações.

Mas esta realidade mudou muito nas últimas décadas. A partir de 2019, o governo
norte-americano apertou o cerco contra imigrantes ilegais. As deportações
aumentaram, a vigilância nas fronteiras se tornou implacável e o medo de quem
largou tudo em busca de um sonho se tornou rotina.

Há 18 anos morando, trabalhando e criando os dois filhos nos Estados Unidos, ao
lado do marido, a brasileira Rosângela Silva* tenta viver além do medo da
deportação. Ela e a família saíram de Governador Valadares e entraram nos EUA
pela fronteira com o México.

> “Está dando para trabalhar muito pouco, ninguém sai de casa porque eles
> [policiais norte-americanos] iam fazer batida geral. Daí a gente sai de manhã,
> mas e a volta? Nem sabe se vai voltar para casa. A gente tá igualzinho
> criminoso, uai. A gente tem que sair às escondidas, não estamos vivendo mais,
> só vive com esse pesadelo”, disse Rosângela*.

Por lá, segundo Rosângela*, o cenário é de terror entre os brasileiros, que,
agora, até se escondem em becos e esquinas para escapar das abordagens dos
agentes de imigração nas ruas, reflexo do endurecimento da política de
deportação do presidente norte-americano Donald Trump.

Desde o dia 20 de janeiro deste ano, quando tomou posse, dois aviões com
deportados dos Estados Unidos chegaram ao Brasil – um total de 199
brasileiros repatriados, a maioria da Região do Vale do Rio Doce.

Um terceiro avião deve aterrissar nesta sexta-feira (21).
Assim como da última vez, os deportados devem chegar pelo Aeroporto de
Fortaleza, e não por Belo Horizonte, como vinha sendo feito.

A medida tem o objetivo de evitar que o grupo sobrevoe o território nacional
algemado. O número de passageiros que chegará nesse novo voo não foi
divulgado.

Rosângela*, o marido e os dois filhos estão em Massachusetts, estado
norte-americano onde vivem desde que chegaram ao país. Lá ela trabalha como
diarista. De acordo com o governo americano, 5% da população é de imigrantes
brasileiros, muitos de Governador Valadares.

Assim como muitas famílias de estrangeiros em situação irregular nos EUA, a
diarista e seus parentes precisaram mudar a rotina da casa. Compartilhar a
localização dos celulares e alterar rotas estão entre as estratégias para tentar
manter a vida que construíram fora do Brasil.

“O que tem de valadarense aqui que tá, assim, desesperado para voltar para trás,
e não tá tendo condições, é muito”, contou Rosângela*.

Dona Tereza* é irmã de Rosângela Silva* e reza todos os dias pela família. Mesmo
de longe, em Governador Valadares, ela compartilha o medo da deportação. O medo
também tem base na questão econômica: Rosângela* não tem moradia, trabalho ou
alguma renda possível na cidade mineira — todo o dinheiro que conseguiu como
doméstica nos EUA serviu apenas para sustento dela e para ajudar parentes no
Brasil.

“Queremos nossos familiares por perto, e está todo mundo muito preocupado com
isso. Porque a pessoa está lá, vivendo a vida dela, e de repente volta para o
Brasil assim, sem nada. As coisas estão muito difíceis. Ela não tem casa aqui,
não tem nada. Tudo dela – o trabalho, a vida – está lá [nos EUA]. Ela nunca
chegou a comprar uma casa aqui, não tem nada preparado para ela. Se ela chegar
com o marido e os filhos, vão chegar sem nada”, disse Tereza*.

Desde o dia em que assumiu a presidência dos Estados Unidos, Donald Trump
assinou uma série de ordens para
colocar em prática a agenda “America First”, ou “América em Primeiro Lugar”.

Entre elas estão o pacote para combater a imigração ilegal, que permite prisões
de imigrantes em locais considerados protegidos, como igrejas e escolas, e a
meta de detenções de 1,5 mil imigrantes ilegais por dia.

Além disso, Trump anunciou que vai ampliar um centro para imigrantes na base
militar de Guantánamo,
que fica na ilha de Cuba. O objetivo é enviar até 30 mil imigrantes presos para
a unidade.

O primeiro voo da nova era Trump, no dia 24 de janeiro, chegou ao território
brasileiro em meio a polêmicas sobre as condições as quais o grupo foi submetido
ao longo do trajeto. Houve um desentendimento com a tripulação devido ao calor,
e os 88 deportados abriram uma porta de emergência e desembarcaram, ainda
algemados, por um escorregador inflável.

Segundo a Polícia Federal, o uso de algemas em imigrantes é praxe em voos
fretados dos EUA para repatriação, mas elas são retiradas ao pousar no Brasil,
já que os deportados não são considerados prisioneiros.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, ordenou a
retirada das correntes e solicitou que os deportados fossem levados a Belo
Horizonte em um voo da Força Aérea Brasileira (FAB). O Itamaraty cobrou
esclarecimentos dos EUA pelo “tratamento degradante”.

“Porque ele [Trump] fala que vai tirar quem é criminoso, mas, se as pessoas são
paradas e não têm documento, eles levam do mesmo jeito. Então, não é só
criminoso que ele vai tirar. Criminoso é quem mata, rouba, faz coisas erradas.
Mas a pessoa que sai para trabalhar honestamente, que está apenas buscando o
sustento da família, não é um criminoso. É um pai de família, uma mãe de
família, que está lutando para trazer o sustento para casa”, destacou Tereza*.

Para a pesquisadora Sueli Siqueira, medidas tomadas pelo presidente Trump podem
diminuir a cultura da imigração, mas isso não quer dizer que o fluxo migratório
acabou.

> “O que vemos de diferente em relação às deportações está no discurso, o
> discurso de um presidente que transformou o imigrante no causador de todos os
> males do país. Atribuiu ao imigrante a responsabilidade pela violência e pelo
> desemprego, caracterizando-o ainda como um criminoso da pior qualidade,
> quando, na verdade, esses imigrantes são trabalhadores”, afirmou Sueli
> Siqueira.

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