Hermeto Pascoal: A Música em Estado de Ebulição – Vida e Obra do Gênio da Música Livre e Multinstrumentista aos 89 Anos

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Mais do que músico genial, Hermeto Pascoal personificou a própria música em
estado permanente de ebulição.

Morto aos 89 anos, multi-instrumentista fez do mundo uma oficina de sons tirados
de qualquer objeto, em trajetória mágica que foi dos ritmos nordestinos da
infância ao samba-jazz e à obra de Miles Davis.

Hermeto Pascoal (1936 – 2025) deixa obra inclassificável ao morrer aos 89
anos no Rio de Janeiro (RJ) — Foto: Gabriel Quintão / Divulgação

Inclassificável, Hermeto Pascoal (22 de junho e 1936 – 13 de setembro de 2025) transcendeu conceitos, gêneros e rótulos ao
longo da vida dedicada ao exercício permanente da criação musical. Mais do que
um músico genial, um Deus nascido em Alagoas, como sintetizou Elis Regina (1945
– 1982), o compositor, multi-instrumentista e arranjador personificou a própria
música em estado permanente de criação e ebulição.

A morte do artista – anunciada pela família na noite de ontem, sábado, 13 –
tira de cena aos 89 anos um dos maiores instrumentistas do mundo, e essa
sentença hiperbólica encontra eco em todo o universo da música, pois quem habita
este vasto território sabe que Hermeto foi mesmo Deus.

Qualquer objeto podia se tornar um instrumento na percepção deste mago dos sons
que, dizem, odiava o epíteto de Bruxo que lhe cunharam pela magia que brotava da
música feita por Hermeto no piano, na sanfona, na flauta, no saxofone ou mesmo
numa chaleira. Até de um porco, o mago músico tirou som.

Desconhecendo fronteiras, Hermeto foi dos gêneros nordestinos abarcados sob o
rótulo de forró – gênese natural para quem nasceu no sertão alagoano e pôs os
pés (e as mãos) na profissão com o toque da sanfona – ao jazz, música dos
músicos.

No caminho, feito da natal e rural Lagoa da Canoa (AL) – onde Hermeto veio ao
mundo no povoado de Olho d’Água – para cidades urbanas como Recife (PE), São
Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), o músico pôs na bagagem o choro, a bossa nova
e o samba-jazz, saindo pelo mundo sem seguir a cartilha musical dos
instrumentistas ortodoxos.

O ponto de partida para a música livre de Hermeto Pascoal foram os bailes e
orquestras do Recife (PE), época em que ele ainda não podia se dedicar somente
aos hermetismos pascoais mencionados por Caetano Veloso na letra do rock Podres
poderes (1984) com a singular criatividade musical que nem sempre foi
compreendida.

Afinal, o albino Hermeto enxergava longe e, pela visão aguçada e sensorial da
música, nunca teve medo de soar hermético por desbravar harmonias rebuscadas
para a maioria dos mortais. Mas deuses da mesma criativa esfera musical, como o
trompetista norte-americano de jazz Miles Davis (1926 – 1991), entendiam – ou ao
menos sentiam – a música de Hermeto. Tanto que Hermeto e Miles ficaram amigos e
o mito do Jazz gravou três músicas de Hermeto no álbum Live – Evil (1971) sem
dar os devidos créditos ao artista brasileiro, o que nunca gerou rusgas entre
dois músicos que habitavam universo particular fora do mundo mercantilista.

Hermeto chegou a Miles e Miles chegou a Hermeto através do samba-jazz, gênero
surgido nos anos 1960, derivado da bossa nova e experimentado pelo Bruxo como
integrante do grupos Som Quatro e Quarteto Novo. Com o Quarteto Novo, Hermeto
inseriu a musicalidade nordestina no samba-jazz, expandindo o gênero.

A música livre de Hermeto Pascoal carimbou o passaporte do artista para o mundo,
mas a ida para os Estados Unidos em 1969 foi consequência da amizade com a
cantora Flora Purim e o baterista Airto Moreira. Nos EUA, o Bruxo fez magia em
álbuns de Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994).

De volta ao Brasi em 1972, Hermeto se estabeleceu em Bangu – bairro da zona
oeste da cidade do Rio de Janeiro (RJ) – e, de lá, fez o QG do sons, dividindo a
casa com Ilza da Silva, a Dona Ilza, mulher com quem o músico viveu durante
durante 46 anos até a morte dela, em 2000, tendo gerado seis filhos ao longo da
união com Ilza, musa do último álbum do artista, Pra você, Ilza (2024).

A discografia do instrumentista inclui álbuns fundamentais como A música livre
de Hermeto Pascoal (1973) – disco em que apresentou Bebê, futuro standard da
obra autoral do compositor, e mostrou outra possibilidade de voo para a toada
Asa branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, 1947) – e Slaves masses (1977),
este gravado nos Estados Unidos com som tirado de porco.

Sim, mesmo radicado no Brasil, Hermeto Pascoal foi cidadão do mundo por ter
feito uma música do mundo, ainda que sempre carregasse na gênese as lições
aprendidas de forma autodidata, ainda menino e adolescente, na cidade natal de
Lagoa da Canoa (AL).

Mesmo tendo sido um músico singular, Hermeto Pascoal gostava de trabalhar em
grupo. Álbuns como Lagoa da Canoa, Município de Arapiraca (1984), Brasil
universo (1986) e Só não toca quem não quer (1987) foram creditados a Hermeto
Pascoal & Grupo.

Sozinho ou em grupo, o mago Hermeto Pascoal fez do mundo uma oficina de sons que
expandiram a percepção musical e pôs o artista no panteão dos maiores criadores
musicais da história em todos os tempos.

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