Do Nordeste ao Rio: conheça histórias de quem largou a cidade-natal e construiu um legado
Historiador destaca a importância do empreendedorismo na construção do Rio de Janeiro e na participação em grandes obras.
Do Nordeste ao Rio: conheça histórias de quem largou a cidade-natal e criou um legado
O Estado do Rio de Janeiro conta com 1.042.034 nordestinos, de acordo com dados do IBGE. Pessoas que vieram morar no Rio de Janeiro e trouxeram partes importantes de suas tradições e hábitos ajudam a enriquecer a cultura da capital fluminense. Em tempo de festas julinas, a importância e presença de hábitos e sabores ficam ainda mais evidentes.
“Eu cheguei aqui no chamado pau de arara. Saí de lá no dia 13 de janeiro de 1958 e cheguei aqui no dia 20 de janeiro, uma segunda-feira, Dia de São Sebastião, e desembarquei no campo de São Cristóvão”, afirmou o comerciante Fernando Gonçalves dos Santos.
Com 19 anos, ele foi trabalhar na construção civil. Ele dormia no chão da obra.
“Eu não era tão forte assim, mas tinha a necessidade, pois deixei a minha mãe no norte e eu que mandava as coisas para ela”, explicou Fernando.
A partir da década de 1940, com os grandes períodos de seca, as condições de vida em áreas rurais do Nordeste eram cada vez mais difíceis. Enquanto isso, o Sudeste crescia e atraía quem buscava oportunidades. O Rio de Janeiro era um dos destinos.
“No fim da década de 1960 e na década de 1970 chegamos a ter 10% da população oriunda destes estados. No fim da década de 1970, já temos, 1,2 milhão de pessoas do Nordeste”, afirmou o sociólogo e demógrafo César Marques.
EMPREENDEDORISMO
O historiador Mário Brum destaca a contribuição do empreendedorismo ao Rio de Janeiro.
“O imigrante é alguém que tem um espírito empreendedor. É uma pessoa que está fazendo um esforço enorme de sair de sua cidade-natal e tentar a vida em outro lugar”, disse Mário Brum, professor de história da Uerj.
O médico e empresário Josier Marques Vilar nasceu em Caicó, no Rio Grande do Norte, e veio ainda criança com a família para viver em Niterói.
“Eu tinha 7 ou 8 anos e eu vinha com a minha mãe, para ajudar a carregar os sacos de roupas que ela comprava na região da Saara. Meu pai trabalhava como vendedor de várias coisas, tentando construir um orçamento para bancar a vida de todos nós, cinco crianças”, contou Josier.
O Fernando, que hoje é comerciante, trabalhou em grandes obras no Rio, como a do Aterro do Flamengo. Nas horas vagas, vendia produtos para os operários.
“Eu almoçava em 10, 15 minutos para poder mostrar a minha mercadoria para os ‘peões’. Aí um cara, com inveja, foi falar para o encarregado que eu, além de não trabalhar, atrapalhava o serviço. E me mandaram embora
No dia que foi demitido, ele fez uma promessa.
“Eu falei para meu irmão: ‘Olha Cipriano. Tenho fé em Deus que o último dia que tive patrão foi hoje. Meu patrão agora é Deus’”, destacou.
Com a mulher, Fernando abriu um pequeno comércio no Parque União, no Complexo da Maré. A história dele não é a única. Até hoje, 40% dos moradores da comunidade são nordestinos.
“Quando eu cheguei ao Parque União, eu via siri e caranguejo andando na lama, na rua”, contou Fernando.
A expressiva participação de pessoas vindas dos estados do Nordeste no Parque União não é por acaso. O terreno, antes desocupado, virou lar de muitas pessoas que trabalharam em obras fundamentais para o Rio de Janeiro e que ficam próximas, como a Avenida Brasil, o aterramento da Ilha do Fundão e a construção de prédios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
FLUXOS MIGRATÓRIOS
Quando muitos prédios estavam sendo construídos na década de 1970 na Zona Sul do Rio de Janeiro, muitas pessoas que vieram dos estados do Nordeste se instalaram na Rocinha, em São Conrado. Atualmente, é a maior favela do Brasil.
Anos depois, processo semelhante aconteceu em Rio das Pedras, acompanhando o processo de expansão da cidade para a Barra da Tijuca e o resto da Zona Oeste.
“Como qualquer migração no mundo, vai chegando um, que vai chamando um parente, o vizinho. E aí estabelece um fluxo migratório. Uma rede que ajuda a se estabelecer na cidade, arrumar emprego, se localizar. E, principalmente nas favelas e na periferia, que estes fluxos se estabelecem”, completou Márcio Brum.
DESEJO DE PROSPERAR
Josier Marques Vilar, que começou a trabalhar aos 13 anos como datilógrafo, realizou o sonho de chegar á universidade. Uma realização para toda a família. Ele se formou em medicina na Universidade Federal Fluminense (UFF), criou uma das maiores empresas de home care do Brasil e, atualmente, é o presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ).
“Esse legado que meus pais deixaram, de superação, de resiliência, de determinação, de olhar para o futuro, de acreditar na educação. Na minha casa faltou muita coisa: faltou sapato novo, faltou brinquedo, mas jamais faltou afeto. O Rio deve muito as famílias nordestinas. O nordestino traz em si uma alegria de viver, um desejo de viver, um desejo de prosperar na vida”, finalizou Josier.