Homem que tentou matar o filho é absolvido após apelo da própria vítima por compaixão à avó: ‘Ela não merecia mais esse sofrimento’
Jurados acolheram tese apresentada pela Defensoria Pública após apelo. Caso raro na Justiça brasileira terminou com decisão baseada em misericórdia, não em falta de provas.
Homem que tentou matar o filho é absolvido após apelo da própria vítima
Um júri em Porto Alegre absolveu Jani Francisco do Amaral, de 58 anos, acusado de tentar matar o próprio filho em 2017. A decisão, da última quinta-feira (16), se baseou em um pedido de clemência, tese apresentada pela Defensoria Pública e acolhida pelos jurados por cinco votos a dois.
O caso é considerado incomum na Justiça brasileira, já que a absolvição não ocorreu por falta de provas, mas por ato de misericórdia.
A defensora pública Tatiana Boeira sustentou que o réu não deveria ser condenado porque o próprio filho, Guilherme Santos do Amaral, de 30 anos, havia pedido na véspera do julgamento que o pai fosse perdoado. O pedido partiu de um contexto em que a vítima não queria ampliar o sofrimento da avó, mãe do réu.
O julgamento ocorreu na 2ª Vara do Júri do Foro Central de Porto Alegre, sob presidência da juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva. O Ministério Público (MP) havia pedido a condenação de Jani por tentativa de homicídio qualificado, por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima.
De acordo com os autos, o réu atingiu o filho com golpes de facão durante uma discussão em julho de 2017, no bairro Bom Jesus, na capital. Guilherme, que tinha 22 anos à época, sobreviveu após receber atendimento médico.
No interrogatório, o pai negou ter agido com intenção de matar e afirmou que queria apenas assustar o filho, alegando ter usado a parte “de trás” da lâmina. Ele chegou a ficar preso por sete meses, entre agosto de 2017 e março de 2018.
Durante o julgamento, a vítima foi intimada, mas não compareceu. Em contato com o MP no dia anterior, disse que não gostaria que o pai fosse condenado. A defesa pediu que os jurados julgassem pelo “direito de perdoar”. A juíza autorizou que o quesito genérico da absolvição fosse apresentado antes dos demais — a pedido da Defensoria e sem objeção do Ministério Público.
Os jurados votaram pela absolvição, e o réu deixou o plenário em liberdade. Na sentença, a magistrada registrou expressamente que a decisão se deu “acolhendo a tese defensiva de clemência”.
Para a defensora Tatiana Boeira, a absolvição representa um exemplo de justiça restaurativa.
“O jurado pode absolver alguém por um motivo não jurídico. Nesse caso, a família agora está estruturada. O réu, inclusive, foi cuidado pelo filho após o AVC. A condenação não fazia mais sentido, não faria mais justiça do que a absolvição como foi feita”, afirmou.
TESE INCOMUM
O advogado e professor de Direito Aury Lopes Jr. afirmou que absolvições em que a única tese da defesa é a clemência “não são comuns, mas são aceitas dentro das possibilidades oferecidas no júri”.
“No júri, as teses mais comuns são legítima defesa, negativa de autoria… Agora, considerando que os jurados julgam de capa a capa, sem precisar fundamentar, há a possibilidade de trabalhar com uma tese metajurídica como essa — de conceito aberto de justiça, de clemência, de piedade. Os jurados são soberanos para julgar e podem absolver alguém por clemência, uma tese não jurídica, ainda que ela tenha limite”, explicou.