Da rua para a terra: homens que viveram nas ruas reconstroem a vida em horta no Rio
Programa Seguir em Frente atende pessoas em situação de rua no Rio com
acolhimento, tratamento, bolsa e capacitação; quase 5 mil já passaram pelo
projeto.
1 de 3 Reinaldo e Robson cuidam da horta em Cascadura — Foto: Créditos: Edu
Kapps/SMS
Reinaldo e Robson cuidam da horta em Cascadura — Foto: Créditos: Edu Kapps/SMS
Acordar antes do sol nascer para molhar as plantas e cuidar da terra virou
rotina para José Robson Barbosa, de 33 anos. Para o jardineiro natural de
Aracaju (SE), regar cada muda plantada é mais do que um trabalho: é um jeito de
não deixar o passado de dormir nas ruas voltar.
Robson é um dos participantes do Programa Seguir em Frente, criado em 2023 pela
Prefeitura do Rio para transformar a realidade de quem vive em situação de rua.
Com cinco etapas que incluem acolhimento, atendimento de saúde, apoio
psicológico, capacitação e bolsa, o objetivo do programa é preparar os
participantes para o mercado de trabalho e a moradia definitiva.
No caso de Robson, o ponto de virada é um terreno abandonado nos fundos do
antigo Hospital Nossa Senhora das Dores, em Cascadura, Zona Norte do Rio. Por
muito tempo, o espaço serviu apenas de depósito de lixo e matagal. Desde que o
Seguir em Frente começou, a área virou uma horta comunitária, onde já brotaram
tomates, abobrinhas, chicória, pimenta, capim-limão e até um tipo de quiabo de
metro.
Quando chegou ao local, Robson ouviu que não havia mais vagas para bolsistas na
horta. Mas ele insistiu. “Se eu botar a mão nessa horta, eu faço acontecer”,
disse ao monitor. E fez.
Antes de encontrar essa oportunidade, Robson passou cinco anos dormindo em ruas
de vários bairros, como Copacabana e Penha. Ele veio ao Rio com o sonho de um
trabalho formal, mas sem apoio familiar e sem emprego fixo, foi parar na rua.
“Não sou preguiçoso. Só precisava de uma oportunidade”, diz. Com o salário de
bolsista, ele conseguiu alugar uma quitinete e segue cuidando da horta
religiosamente, às 5h da manhã, todos os dias.
Enquanto o futuro cresce devagar entre as plantas, Robson espera a sua chance no
mercado de trabalho. E segue firme: “Enquanto Deus me der força e coragem, nunca
mais volto pra rua. Se plantar, pode não colher agora, mas a colheita vem”.
2 de 3 Robson cultiva a horta todos os dias às 5h da manhã — Foto: Créditos: Edu
Kapps/SMS
Robson cultiva a horta todos os dias às 5h da manhã — Foto: Créditos: Edu
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DO LIXO À RECONSTRUÇÃO PESSOAL
A primeira enxada que revirou a terra da horta foi empunhada por Reinaldo
Severiano, de 62 anos. Pedreiro de profissão, Reinaldo conhece bem o que é
recomeçar do nada. Durante mais de vinte anos, perambulou pelas ruas da cidade.
Morou na Lapa, na Ilha do Governador, no Aterro do Flamengo e até no Ceasa, onde
catava recicláveis.
O envolvimento com álcool e drogas nos anos 1990 o levou para a rua. Reinaldo
chegou a tentar sair da dependência em uma casa de recuperação, mas quando
voltou, segundo ele, descobriu que a ex-mulher havia vendido a casa em que
moravam e gastado o dinheiro. Sem ter para onde ir, voltou para o ciclo do vício
e da rua.
Foi só no fim de 2023 que ele ouviu falar do Programa Seguir em Frente. No dia
seguinte ao lançamento, já era um dos moradores da RUA Sonho Meu, unidade de
acolhimento em Cascadura que integra o projeto. Foi ali que teve o primeiro
contato com o cultivo de plantas. A cada semente que jogava na terra, sentia que
poderia florescer também.
Quase dois anos depois, ele está limpo das drogas, voltou a estudar e concluiu o
sétimo ano do ensino fundamental. Trabalha com carteira assinada como auxiliar
de serviços gerais no Centro Municipal de Saúde Madre Tereza de Calcutá, na Ilha
do Governador. E, como não poderia ser diferente, cuida do jardim do posto de
saúde.
“Se eu não parasse, a droga ia parar comigo. Eu agarrei essa chance como meu
último trem. Ainda guardo o crachá do estágio do programa pra nunca esquecer
de onde saí”, conta.
Agora, Reinaldo também constrói a própria casa. “Fiz muita casa bonita pros
outros. Agora tô fazendo a minha”, brinca.
3 de 3 Reinaldo trabalha e voltou a estudar após o projeto — Foto: Créditos: Edu
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Reinaldo trabalha e voltou a estudar após o projeto — Foto: Créditos: Edu
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QUASE 5 MIL PESSOAS ATENDIDAS
Desde o lançamento, o Seguir em Frente já alcançou 4.890 pessoas em situação de
rua no município do Rio, o que representa três em cada cinco pessoas que vivem
nas ruas da cidade, segundo o Censo de População em Situação de Rua de 2022.
Atualmente, o programa tem 349 pessoas recebendo bolsa de apoio para atividades
em unidades de saúde — entre CAPS e Atenção Primária — e 89 ex-bolsistas já
conquistaram vaga com carteira assinada.
O Seguir em Frente funciona de forma integrada entre as secretarias municipais
de Saúde, Assistência Social e Trabalho e Renda. A estrutura do programa é ampla
e inclui:
* PAR Carioca (Ponto de Apoio na Rua), no Maracanã
* 15 equipes do Consultório na Rua, espalhadas pela cidade
* 11 unidades de acolhimento RUA Sonho Meu, em Cascadura
* RUA Sorriso Aberto, em Curicica
* CAPSad III Dona Ivone Lara, em Cascadura
* CAPSad III Jovelina Pérola Negra, em Curicica
* CAPSad III Carolina Maria, no Centro
* Centro Pop, além de abrigos e albergues da Secretaria de Assistência Social
O QUE É O PROGRAMA SEGUIR EM FRENTE
O Seguir em Frente é um programa da Prefeitura do Rio criado em 2023 para
promover a ressocialização de pessoas em situação de rua. A iniciativa possui:
* Acolhimento social e assistência em saúde com acompanhamento psicológico;
* Capacitação e atividades produtivas, como hortas e trabalhos em unidades de
saúde;
* Bolsa financeira para os participantes;
* Caminho para o emprego formal e moradia própria.
O atendimento é realizado por uma equipe multidisciplinar e dividido em cinco
fases, com um acompanhamento personalizado até a saída definitiva das ruas.
As ações envolvem a Secretaria Municipal de Assistência Social, a Secretaria
Municipal de Saúde (SMS) e a Secretaria Municipal de Trabalho e Renda.